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ConflitosSudão

Sudão, peça-chave da estratégia russa para a África

13 de junho de 2024

Cartum e Moscou planejam base naval perto de Porto Sudão. Tal acordo seria um componente-chave da estratégia russa para o continente africano – para a qual o Ocidente ainda não tem uma resposta.

Um barco de lazer atracado ao longo de um cais em Porto Sudão em 23 de maio de 2023.
Porto Sudão: futura localização de uma base naval russaFoto: AFP/Getty Images

Malik Agar, vice-presidente do Conselho de Transição Sudanês, dominado pelo Exército, não deixou dúvidas quanto à posição de seu país: há de fato interesse na retomada do acordo sobre a construção de um centro naval russo no Mar Vermelho. A declaração foi dada no início de junho ao jornal Sudan Tribune, por ocasião de Fórum Internacional de Economia de São Petersburgo (SPIEF, na sigla em inglês).

Esse acordo vem sendo discutido há anos entre o Sudão e a Rússia. Já em 2017, segundo reportagem da revista online Understanding War, o então chefe de Estado sudanês, Omar al Bashir, e o presidente russo, Vladimir Putin, haviam concordado em construir uma base russa com capacidade para centenas de soldados e quatro navios.

No entanto, diante da instabilidade política que se instalou então no Sudão, o tratado não pôde ser ratificado pelo parlamento sudanês. Recentemente, porém, essas negociações foram retomadas – aparentemente, com sucesso. No fim de maio, o vice-comandante do Exército sudanês, tenente-general Yasir al Attar, disse que os dois países assinariam uma série de acordos militares e econômicos nas próximas semanas.

Vista aérea de uma mina de ouro no nordeste do SudãoFoto: Ashraf Shazly/AFP/Getty Images

Rússia: Mudança de estratégia no conflito sudanês

O fato de Moscou ter agora chegado a um acordo com os representantes estatais do Sudão sugere uma significativa mudança de rumos: no desastroso conflito que eclodiu em abril de 2023 entre o Exército regular SAF e os insurgentes das Forças de Apoio Rápido (RSF), a Rússia inicialmente ficou do lado dos rebeldes. Isso sobretudo porque as milícias semi-estatais do Grupo Wagner haviam concordado com eles sobre os direitos de mineração para os depósitos de ouro sudaneses. Esta tem sido, afinal, uma fonte remanescente de divisas para a Rússia, atualmente sujeita a sanções ocidentais desde o início da guerra de agressão contra a Ucrânia.

A situação militar no Sudão permanece nebulosa, afirma a cientista política Hager Ali, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), de Hamburgo, que recentemente publicou uma análise sobre a guerra no país africano.

"Mas tudo indica que a Rússia agora quer diversificar seu apoio no Sudão. Além disso, Porto Sudão está localizado na área controlada pelas SAF. Se a Rússia quer estabelecer uma base naval lá, terá que negociar com elas." Permanece em aberto como isso afetará os desdobramentos militares do conflito.

Rússia: "ajuda militar qualitativa ilimitada"

Em troca da presença naval, a Rússia fornecerá apoio militar e de segurança ao Exército sudanês. Segundo a Understanding War, o enviado especial do presidente russo para a África e o Oriente Médio, Mikhail Bogdanov, prometeu às SAF "assistência militar qualitativa irrestrita",

O cientista político Andreas Heinemann-Grüder, do Centro de Segurança Avançada, Estudos Estratégicos e de Integração (Casis) em Bonn, conta que, em anos anteriores, o Exército sudanês já manifestou aos russos interesse em obter aviões de combate Su-30 e Su-35, bem como mísseis antiaéreos S-400, entre outros.

"Até agora, os russos se mostraram bem céticos quanto a tais pedidos. Se agora eles vão mudar de ideia, não sabemos – tampouco que armas a Rússia ofereceu agora aos sudaneses em troca da base naval", observa Heinemann-Grüder.

A princípio, a Rússia tem boas cartas na mesa de negociações, avalia Hager Ali. "Pois quanto mais durar o conflito, mais armas as SAF necessitam. Isso vale sobretudo para a Força Aérea sudanesa, que também precisa operar em regiões remotas. Nesse sentido, as armas russas vêm a calhar."

O mesmo se aplica ao diesel, que há muito está em falta, aponta Ali. Por outro lado, devido às sanções, há um veto às exportações da Rússia. "Por muito tempo, o combustível foi importado pelas milícias do Wagner através do Chade." No futuro, a Rússia poderia fazer as entregas através de sua nova base naval no Sudão.

Com o porto, Moscou dá continuidade às suas ações militares na África, afirma a Understanding War,. Devido ao envolvimento na guerra síria, do lado do ditador Bashar al-Assad, já há uma base naval russa em Tartus, no sul da Síria. Esta já estaria sendo usada como ponto de partida para entregas logísticas para África – para a Líbia, por exemplo, atualmente também dilacerada por uma guerra civil. A Líbia, por sua vez, serviria como ponte para reforços e abastecimento para os países da África Subsaariana.

"O Sudão é outra peça do quebra-cabeça estratégico da Rússia para a África", diz Hager Ali. Isso se aplica não só ao comércio de armas, mas também a outras presenças russas no continente, especialmente no oeste, pois "Moscou tem  diversos interesses: de curto, médio e longo prazo".

Presença no Mediterrâneo: navio de guerra russo perto do porto de TartusFoto: Zhang Jiye/Xinhua/picture alliance

Impacto na Europa

Tais objetivos certamente teriam um impacto na Europa, afirma Heinemann-Grüder. "Os russos estão explorando seu poder de criar caos em vários países africanos, não só no Sudão, mas também ao fornecer apoio aos outros golpistas, ou seja, no Mali, Chade, Burkina Faso e Nigéria.Essa cooperação não contribui para a estabilização, mas sim, pelo contrário, para o agravamento dos conflitos internos."

No que diz respeito ao Sudão, não se pode excluir a possibilidade de movimentos de refugiados rumo à Europa. "Da parte europeia, portanto, poderíamos nos perguntar se a ajuda ao desenvolvimento em países controlados por conspiradores golpistas não deveria estar subordinada a certas condições. Por exemplo, que a cooperação militar com os russos tenha consequências para a cooperação para o desenvolvimento ou talvez até para humanitária”. Isso é feito atualmente pela França, "mas, no geral, não vejo uma posição uniforme entre os países ocidentais".

Kersten Knipp Jornalista especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.
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