Suposta delação de Delcídio causa terremoto político
4 de março de 2016
Denúncia de que senador teria implicado Dilma e Lula em declarações à Lava Jato pega Planalto de surpresa e força presidente e aliados a se defenderem: "Repudiamos o uso abusivo de vazamentos como arma política."
Anúncio
Causou um terremoto político em Brasília nesta quinta-feira (03/03) a notícia, dada pela revisa IstoÉ, de que o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) teria feito um acordo de delação premiada e envolvido a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em suas declarações. Se confirmada, esta seria a primeira denúncia que afeta diretamente a chefe de Estado brasileira no atual escândalo.
Na suposta delação à força-tarefa da Lava Jato, o senador teria dito que Lula mandou comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e outras testemunhas. E que Dilma, junto ao ex-ministro da Justiça e agora ministro da Advocacia Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, teria tentado interferir na operação e buscado indicar ministros aos tribunais superiores para favorecer acusados.
Num dia de divulgação de dados negativos sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e de posse do novo ministro da Justiça, Wellington Lima e Silva, o Planalto foi pego de surpresa pela notícia – gerando uma reação inicial para tentar desqualificar Delcídio.
Dilma foi informada da reportagem da IstoÉ pelo ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, um pouco antes da cerimônia de posse Lima e Silva. A presidente encerrou rapidamente a posse – fez um discurso de dez minutos – e convocou nomes como Wagner e Cardozo para uma reunião de emergência no Planalto.
Dilma: "Vazamentos ilegais"
Em comunicado, Dilma condenou o que chamou "vazamentos apócrifos, seletivos e ilegais": "Repudiamos, em nome do Estado Democrático de Direito, o uso abusivo de vazamentos como arma política. Esses expedientes não contribuem para a estabilidade do país", disse a presidente.
Cardozo deu uma longa entrevista coletiva em Brasília para rebater os pontos da suposta delação de Delcídio e afirmou que, se confirmada, as acusações do parlamentar buscam envolver Dilma em um "conjunto de mentiras" e são uma retaliação de Delcídio.
"A presidente reagiu com indignação", disse Cardozo. "Reafirmo o seguinte: o governo Dilma Rousseff não interveio nas investigações da Lava Jato."
O ministro citou reportagens publicadas na imprensa de que Delcídio teria ameaçado se vingar daqueles que, na visão dele, não o ajudaram a sair da cadeia, onde ficou preso por quase 90 dias, e sugeriu que o senador teria feito a delação premiada para poder sair da prisão.
Após ter seu nome citado na suposta delação, o ex-presidente Lula garantiu, em comunicado divulgado por seu instituto, que nunca cometeu irregularidades.
"O ex-presidente Lula jamais participou, direta ou indiretamente, de qualquer ilegalidade, seja nos fatos investigados pela operação Lava Jato, ou em qualquer outro, antes, durante ou depois de seu governo", diz o texto.
Delcídio não confirma
Delcídio, por sua vez, não confirmou as informações divulgadas pela Isto É. Em nota, o senador afirmou que não conhece a origem e nem reconhece autenticidade dos documentos publicados pela revista.
"À partida, nem o senador Delcídio, nem sua defesa confirmam o conteúdo da matéria assinada pela jornalista Débora Bergamasco. Não conhecemos a origem, tão pouco reconhecemos a autenticidade dos documentos que vão acostados ao texto", afirmou o senador, em nota assinada em conjunto com seu advogado, Antonio Augusto Figueiredo Basto.
No documento, eles também ressaltam que não foram procurados pela revista para a verificação da autenticidade da suposta delação. A nota não menciona se a delação foi realmente firmada.
No mercado financeiro, a suposta delação de Delcídio ajudou o dólar a registrar forte queda ante o real e o mercado acionário a disparar, diante de apostas de maior chance de troca de governo, com implicações nos cenários político e econômico.
O dólar caiu mais de 2% em relação ao real, a 3,80 reais, atingindo o menor nível em três meses. O Ibovespa disparou mais de 5%, levando o índice que reúne as principais ações brasileiras ao maior patamar desde novembro de 2015.
A notícia ruim para o governo sobre a suposta delação de Delcídio saiu no mesmo dia em que foi divulgado o pior desempenho anual da economia brasileira em 25 anos, com retração de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015.
CN/rtr/abr/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.