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Surpreendente, "Tabu" traz romantismo e era colonial ao Festival de Berlim

16 de fevereiro de 2012

O diretor português Miguel Gomes conta de maneira criativa uma história de amor que envolve temas como a memória e a condição humana. O filme pode ser uma das grandes surpresas do Festival de Cinema de Berlim.

Foto: Berlinale 2012

Em uma conversa banal, um familiar do diretor português Miguel Gomes contou que estava com um problema no prédio onde morava. A empregada de uma de suas vizinhas estava irada, pois achava que a vizinha se metia demais na vida de sua patroa. Com essa premissa cotidiana, sem perceber, Miguel Gomes realizou um dos mais surpreendentes filmes em competição no Festival de Cinema de Berlim deste ano.

Dessa inspiração nasceu Pilar. A personagem parece levar a vida tentando lidar com a culpa que a cerca, enquanto sua vida está afundada em frustrações. Sua octogenária vizinha, Aurora, é grande causadora de preocupações, com seu temperamento excêntrico e vício de jogo. Para ela seus problemas vêm de feitiços praticados por Santa, sua fiel empregada.

Antes de morrer, ela pede para a dupla procurar um homem misterioso, do qual ninguém sabia da existência. Quando encontrado, Gian Luca revela seu segredo, que, por conta de um pacto com Aurora, só poderia vir à tona após sua morte. A história ocorreu 50 anos atrás, logo depois do começo das guerras coloniais, e começa na fazenda que Aurora tinha aos pés do imaginário Monte Tabu, em Moçambique.

O crocodilo é o simbolo de amor e tragédia em 'Tabu'Foto: Berlinale 2012

Cinema sem limitações

Tabu é uma história de amor em três partes. O prólogo fala de um explorador português do século 19, que devido à sua profunda tristeza amorosa se atira em um rio para ser comido por um crocodilo, que vira o símbolo do amor que liga e ao mesmo tempo amaldiçoa os personagens do filme.

A primeira parte fala da velhice e da solidão através dos dramas de Pilar e de sua relação com Aurora e Santa. Já a segunda parte conta a história de Aurora na África, sua juventude, amores e a guerra. Assim como o prólogo, nessa parte do filme não há diálogos, nos levando quase de volta ao cinema mudo.

"O cinema não precisa ser homenageado. Com esse filme eu queria dialogar com a história do cinema, dos filmes mudos aos clássicos. Não me interessa fazer cinema de citação, acho isso muito limitante", declarou o diretor português durante a coletiva de imprensa.

Diferente de outros cineastas que resgatam o cinema mundo, Miguel construiu uma narrativa fascinante, onde mistura a linguagem e os recursos do cinema para contar de maneira engenhosa uma história que se passa em dois tempos e em dois mundos diferentes. O amor é a espinha dorsal do filme, que fala de temas universais como a solidão e a velhice e ao mesmo tempo toca em assuntos como religião, política, principalmente em consequência do colonialismo.

Diretor português Miguel Gomes: 'cinema mais orgânico'Foto: Berlinale 2012

Possibilidades e surpresas

O filme é uma coprodução entre Portugal, França, Alemanha e Brasil. Graças a essa parceria, um dos personagens centrais da trama é representado pelo brasileiro Ivo Müller. "Minha avó disse que estar aqui era uma missão. Pois minha família é de origem alemã, o filme é português, mas foi filmado na África e estreou aqui em Berlim. Um ciclo que me torna ainda mais brasileiro", disse o ator.

O trabalho com o elenco foi feito de maneira diferente nas duas partes do filme. Na primeira parte, com diálogos, os atores trabalhavam de maneira usual, com ensaios e roteiro. Na segunda, eles não tinham um roteiro, só traços gerais da história e não havia um cronograma de filmagem. Como não havia diálogos, cada dia o elenco era surpreendido com as cenas que iria filmar.

Para a atriz portuguesa Ana Moreira, que interpreta a jovem Aurora, a princípio lhe pareceu estranho trabalhar com essa proximidade do cinema mudo. Nesse ponto, a entrega e a confiança entre elenco e direção foram essenciais. "Havia um lado cômico na hora de filmar, mesmo quando falávamos de uma grande tragédia. Foi um desafio que funcionou muito bem. Quando gravamos o som, foi quase como se criássemos uma nova maneira de representar entre o antigo e o novo”, declarou a atriz.

Esta mistura de fascínio e deslumbramento, com um olhar crítico porém sem julgamentos do colonialismo e dos conflitos sociais e religiosos gerados por ele, é o grande trunfo do filme. Isso se reflete também em uma leveza e segurança na narrativa e na linguagem, ressaltada pela bela fotografia em preto e branco. "Acredito que cinema se faz de uma forma mais orgânica", concluiu o diretor.

Texto: Marco Sanchez
Revisão: Carlos Albuquerque

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