Suspeito de financiar genocídio de Ruanda é preso na França
16 de maio de 2020
Félicien Kabuga estava foragido há 26 anos, acusado de uma série de crimes relacionados ao massacre de 800 mil pessoas em 1994 no país africano. "Um dos fugitivos mais procurados do mundo", ele foi detido perto de Paris.
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O empresário ruandês Félicien Kabuga, um dos fugitivos mais procurados pelo genocídio de Ruanda, em 1994, foi preso neste sábado (16/05) nos arredores de Paris após 26 anos foragido, segundo informaram autoridades de Justiça da França.
Kabuga, de 84 anos, é acusado de ter financiado o massacre de cerca de 800 mil pessoas no país africano. Procurado por uma recompensa de 5 milhões de dólares, ele estava vivendo sob um nome falso em um apartamento em Asnières-sur-Seine, ao norte da capital francesa. O comunicado da polícia francesa o descreve como "um dos fugitivos mais procurados do mundo".
Segundo promotores, o empresário, que já foi um dos homens mais ricos de Ruanda, usou suas empresas para importar equipamentos que seriam usados como armas na onda de violência perpetrada pela maioria étnica radical hutu contra tutsis e hutus moderados.
Ele teria criado a notória milícia Interahamwe, que realizou massacres durante o genocídio, e providenciado treinamento e equipamentos para seus membros. Também é acusado de ajudar a criar a estação de rádio Libre des Mille Collines, que teve um papel significativo durante o genocídio ao incitar, em suas transmissões, pessoas a cometerem assassinatos.
As marcas do genocídio em Ruanda, 25 anos depois
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Em 1997, já foragido, Kabuga recebeu sete acusações de genocídio, cumplicidade em genocídio, incitação direta e pública à prática de genocídio e tentativa de genocídio.
Seu mandado de prisão foi emitido pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda (ICTR, na sigla em inglês), criado pelo Conselho de Segurança da ONU. Em 2002, os Estados Unidos ofereceram uma recompensa de 5 milhões de dólares por pistas sobre seu paradeiro.
O ICTR foi encerrado em 2015, e suas funções foram assumidas pelo Mecanismo para Tribunais Penais Internacionais (MTPI). Kabuga foi preso pelas autoridades da França graças a uma investigação conjunta com o Ministério Público do MTPI. Ele deve ser transferido para a Holanda nos próximos dias, onde comparecerá perante o mecanismo, em Haia.
"A prisão de Félicien Kabuga hoje é um lembrete de que os responsáveis pelo genocídio podem ser responsabilizados, mesmo 26 anos após seus crimes", disse o procurador-geral do MTPI, Serge Brammertz, em comunicado.
A prisão também foi celebrada por entidades de direitos humanos. "Um passo importante em direção à justiça para centenas de milhares de vítimas do genocídio", afirmou Mausi Segun, diretora para África da ONG Human Rights Watch.
O brutal genocídio de Ruanda, que durou 100 dias entre abril e julho de 1994, foi desencadeado pelo assassinato do então presidente Juvenal Habyarimana. Kabuga fazia parte do círculo social interno de Habyarimana, e sua filha era casada com um dos filhos do presidente.
Outros dois dos principais suspeitos ligados ao genocídio – o ex-ministro da Defesa Augustin Bizimana e o líder militar Protais Mpiranya – seguem foragidos.
O genocídio de Ruanda, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: Timothy Kisambira
Estopim do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação de rádio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura" incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura esportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. Ele permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste do Congo.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do governo. Os rebeldes assumiram o controle da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o presidente de Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebês, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.