Tabloide pró-democracia de Hong Kong anuncia fechamento
23 de junho de 2021
Último jornal crítico a Pequim em Hong Kong sucumbe à ofensiva contra redação e decide fechar as portas. Nos últimos meses, o "Apple Daily" sofreu com batidas policiais, congelamento de bens e prisão de proprietário.
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O último jornal diário pró-democracia de Hong Kong, o tabloide Apple Daily, publicará sua derradeira edição na quinta-feira, após um ano tempestuoso em que sua sede foi invadida pela polícia, seus ativos foram congelados e seu proprietário e funcionários acabaram presos no âmbito de uma nova lei de segurança nacional chinesa.
O fim de 26 anos de publicações do notório tabloide, que mistura discurso pró-democracia com fofocas atrevidas de celebridades e investigações sobre pessoas no poder, soou um novo alarme sobre a liberdade de imprensa e outros direitos civis na região semiautônoma de Hong Kong.
"Obrigado a todos os leitores, assinantes, clientes de publicidade e cidadãos de Hong Kong por 26 anos de imenso amor e apoio. Aqui dizemos adeus, cuidem-se", escreveu o Apple Daily num artigo em seu site nesta quarta-feira (23/06).
Pequenos grupos se reuniram em frente à sede do jornal na noite de quarta-feira. Os manifestantes entoaram mensagens de apoio e acenderam as lanternas de seus smartphones enquanto os jornalistas finalizavam a edição derradeira do Apple Daily.
Jornalistas afirmaram que planejam imprimir um milhão de cópias durante a noite – um número impressionante, dada a população de 7,5 milhões de residentes em Hong Kong. Geralmente, o Apple Daily imprimia 80 mil cópias.
Apple Daily: uma pedra no sapato de Pequim
O tabloide foi fundado em 1995 pelo magnata Jimmy Lai, que chegou a Hong Kong da China continental num barco de pesca quando tinha 12 anos de idade. Com o passar dos anos, o apoio do Apple Daily aos direitos e às liberdades democráticas tornou o tabloide uma pedra no sapato de Pequim. O Apple Daily sacudiu o panorama midiático em língua chinesa na região e se posicionou como um advogado da democracia às margens da China comunista.
Embora visto, às vezes, como espalhafatoso por alguns de seus críticos, o Apple Daily serviu como uma refúgio da liberdade midiática no mundo de língua chinesa e era lido por dissidentes e por uma diáspora chinesa mais liberal – um constante desafio ao autoritarismo de Pequim.
O proprietário Jimmy Lai, atualmente na prisão por participar de protestos pró-democráticos, foi um dos primeiros a ser acusado sob a nova lei após sua imposição no ano passado. Mas o capítulo final para o Apple Daily foi escrito na semana passada, quando as autoridades utilizaram o subterfúgio da lei de segurança nacional para invadir a redação, prender executivos e diretores e congelar ativos em torno de 2,3 milhões de dólares – o que impossibilitou o jornal de manter sua folha de pagamento. Cerca de mil pessoas perderam seus empregos, sendo cerca de 600 jornalistas.
As fotografias de semana passada de policiais sentados nas mesas dos repórteres e imagens deles enchendo vans com materiais jornalísticos causaram arrepios na mídia da ex-colônia britânica. A invasão foi avaliado como o ataque mais direito à imprensa de Hong Kong desde que Pequim recuperou o controle da região semiautônoma em 1997.
O parque de ciências, administrado pelo governo e que abriga a sede do Apple Daily, também decidiu anunciar nesta quarta-feira que a empresa que administra o tabloide estava violando o contrato de locação e que medidas legais foram tomadas para confiscar o edifício.
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"Golpe terrível à liberdade de expressão"
"Instamos o governo a cumprir a promessa de salvaguardar a liberdade de imprensa, de permitir que as pessoas que trabalham na indústria de notícias sirvam a Hong Kong sem medo", disse Ronson Chan, chefe da associação de jornalistas de Hong Kong. "Ficaremos muito preocupados se houver consequências ao escrever um artigo. Receio que isso faça a sociedade sentir que as pessoas podem ser colocadas na prisão por causa do que escrevem. E isso leva a uma enorme preocupação com a liberdade de expressão na cidade."
"O fechamento forçado do Apple Daily pelas autoridades de Hong Kong é um golpe terrível à liberdade de expressão em Hong Kong", disse o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab. "Está claro que os poderes da lei de segurança nacional estão sendo usados como uma ferramenta para restringir as liberdades e punir os dissidentes, em vez de manter a ordem pública."
"O assédio ao Apple Daily é mais um esforço das autoridades de Pequim para silenciar um meio de comunicação crítico. Viola o direito do povo de Hong Kong de acessar notícias independentes e é mais um passo para a erradicação da liberdade de imprensa na região", disse Barbara Trionfi, diretora-executiva da organização International Press Institute (IPI).
"Um ano após sua promulgação, a lei de segurança nacional da China para Hong Kong revelou ser exatamente o que os críticos temiam: um instrumento pronto para suprimir a cobertura independente de notícias", prosseguiu Trionfi. "A comunidade internacional não deve permanecer em silêncio enquanto as liberdades de Hong Kong são removidas tijolo por tijolo. A rede global do IPI é solidária com os jornalistas e funcionários do Apple Daily."
pv (ap, afp, rtr)
Em 1997, Hong Kong era restituída à China
Duas décadas depois de Hong Kong retornar ao domínio chinês, predomina entre muitos moradores a insatisfação com a ingerência de Pequim e o desejo por mais democracia.
Foto: Reuters/D. Martinez
1997 - Devolução à China
Após 156 anos de domínio britânico, Hong Kong era devolvida à China exatamente à zero hora de 1º de julho de 1997. Soldados do Exército de Libertação Popular içaram a bandeira chinesa, em sinal de supremacia sobre a antiga colônia britânica. O contrato para a devolução já havia sido assinado em 1984.
Foto: Reuters/D. Martinez
1998 - Ameaça de crise econômica
A crise financeira asiática de 1997-98 levou economias emergentes a impor controles comerciais ou à compra de ativos para tranquilizar investidores. Hong Kong surpreendeu o mercado em agosto de 1998 com uma intervenção de 15 bilhões de dólares para se defender de ataques especulativos. Os apoiadores da iniciativa dizem que isso salvou a cidade.
Foto: Reuters/L. Chan
1999 - Reagrupamento de famílias
As esperanças de um rápido reagrupamento das famílias separadas pela fronteira foram logo destruídas. Embora a Suprema Corte de Hong Kong tivesse concedido amplos direitos de residência, o governo chinês derrubou a decisão a pedido do governo de Hong Kong. Na foto, mais de cem visitantes da China continental protestaram para obter permissão de residência imediata em Hong Kong.
Foto: Reuters/B. Yip
2000 - Sucesso com a bolha
Em fevereiro de 2000, investidores entraram numa fila diante do banco HSBC para comprar ações da empresa Tom.com. Ao se lançar na bolsa de valores, a empresa – que existia apenas na internet – do bilionário Li Ka-shing conseguiu angariar quase 100 milhões de dólares pouco antes de estourar a bolha "dot-com".
Foto: Reuters/B. Yip
2001 - Conflito com grupo espiritual
Seguidores do movimento espiritual Falun Gong protestam regularmente em Hong Kong desde que o grupo foi banido pela China em 1999, sob a acusação de divulgar superstições e manipular as pessoas psicologicamente. Em 2002, 16 seguidores foram condenados por causa de protestos diante da representação da China em Hong Kong. A Suprema Corte do território reverteu metade das sentenças.
Foto: Reuters/K. Cheung
2002 - Famílias desesperadas
A questão das autorizações de residência acirrou-se em 2002, quando Hong Kong começou a deportar 4 mil chineses continentais que haviam perdido batalhas legais para residir no território. Houve protestos dos solicitantes e de seus apoiadores. Na foto, parentes de migrantes chineses depois de terem sido expulsos de um parque no centro de Hong Kong.
Foto: Reuters/K. Cheung
2003 - Nas mãos de um vírus
A Sars, uma doença viral semelhante à gripe, atingiu Hong Kong de tal forma que, em março de 2003, a Organização Mundial da Saúde a declarou uma pandemia. Até a cidade ser considerada livre da doença, em junho, 299 pessoas morreram, entre elas Tse Yuen-man. A médica de 35 anos esteve entre os primeiros voluntários a cuidar de pacientes com Sars. Em seu funeral, ela recebeu as mais altas honras.
Foto: Reuters/B. Yip
2004 - Frustração com Pequim
Centenas de milhares de pessoas participaram de protestos no sétimo aniversário da devolução à China. Pequim descartou o sufrágio universal em Hong Kong em 2007 ou 2008 e continuou freando as reformas políticas. Além disso, a China decretou que o governo de Pequim precisa aprovar qualquer alteração no direito de voto em Hong Kong, o que praticamente elimina qualquer aspiração democrática.
Foto: Reuters/B. Yip
2005 - Violência em protestos
Reuniões da Organização Mundial do Comércio regularmente são alvos de protestos dos adversários da globalização. Em Hong Kong, no final de 2005, não foi diferente. A polícia usou canhões de água e gás lacrimogêneo contra os manifestantes.
Foto: Reuters/L. Jae-Won
2006 - Conflito com o Japão
A China e o Japão disputavam um grupo de ilhas desabitadas. Acreditava-se que perto delas houvesse reservas de petróleo e de gás. Em outubro, um barco com ativistas de um comitê para defender as ilhas Diaoyi e que tem base em Hong Kong se aproximou 20km da ilha principal até ser interceptado por um barco de patrulha japonês.
Foto: Reuters/P. Yeung
2007 - Preservar a história
Um píer da era colonial tornou-se pivô de nova polêmica. O governo queria removê-lo para recuperar terras e construir estradas. Ativistas furiosos que consideravam o píer um local histórico lutaram pela sua preservação. O embate atingiu seu ponto alto em agosto, quando a polícia removeu um acampamento de ativistas e pessoas em greve de fome que já durava três meses. Em 2008, o píer foi demolido.
Foto: Reuters/P. Yeung
2008 - Morar em gaiolas
Terrenos cada vez mais caros tornaram os aluguéis impagáveis para muitas pessoas em Hong Kong. Milhares de moradores passaram a viver em gaiolas, onde dispunham de cerca de 1,4 m2. Em geral, um cômodo tem oito dessas caixas de arame. Em 2017, estima-se que 200 mil pessoas vivam assim ou disponham de apenas uma cama em apartamentos divididos.
Foto: Reuters/V. Fraile
2009 - Contra o esquecimento
Moradores de Hong Kong vestidos de preto e branco fizeram uma vigília no 20º aniversário da violenta repressão aos manifestantes pró-democracia na Praça da Paz Celestial em Pequim em 1989. O Victoria Park, no centro de Hong Kong, transformou-se num mar de velas.
Foto: Reuters/A. Tam
2010 - Projetos indesejados
Crescia em Hong Kong a insatisfação devido à falta de democracia e o fato de o governo não ter de prestar contas. As raiva coletiva é descarregada em forma de protestos contra os planos do governo de construir um trajeto para trens de alta velocidade ligando Hong Kong ao continente. O projeto ferroviário, não implementado até hoje, previa a destruição de um vilarejo.
Foto: Reuters/B. Yip
2011 - Protestos com papel
Um controverso projeto de lei que eliminou o mecanismo de eleições suplementares para o Conselho Legislativo gerou vários dias de protestos em frente ao prédio do conselho. Centenas de manifestantes jogaram aviões de papel com mensagens políticas contra o prédio.
Foto: Reuters/B. Yip
2012 - Desafios da administração
Leung Chun-ying (à esquerda) presta juramento como chefe de governo da região administrativa especial, diante do então presidente chinês, Hu Jintao. Ele prometeu mais democracia e moradias mais acessíveis. Apesar de medidas de contenção, os preços continuaram subindo, e as reformas políticas ainda estão emperradas. Leung Chun-ying não concorreu a um novo mandato.
Foto: REUTERS/File Photo/B. Yip
2013 - Hong Kong no foco da imprensa
Quando começaram a ser publicadas notícias sobre Edward Snowden e segredos dos EUA, o especialista em TI estava em Hong Kong. Apesar de os Estados Unidos terem pedido sua extradição, Hong Kong deixou Snowden voar para Moscou, onde ele recebeu asilo político. Enquanto alguns veem em Snowden um denunciante corajoso, outros o consideram um traidor da pátria.
Foto: Reuters/B. Yip
2014 - Protestos de guarda-chuva
Durante dois meses, Hong Kong teve grandes manifestações pró-democracia. A exigência era a escolha completamente democrática do chefe de governo. A marca registrada dos protestos foram os guarda-chuvas usados pelos manifestantes para se proteger do spray de pimenta da polícia. As manifestações são vistas como o maior desafio à autoridade da China desde o movimento por mais democracia, em 1989.
Foto: Reuters/T. Siu
2015 - Liberdade de expressão no estádio
A partida de futebol entre China e Hong Kong pelas eliminatórias da Copa de 2018 foi palco de protestos. Torcedores de Hong Kong empunharam cartazes com os dizeres "Hong Kong não é China" enquanto era tocado o hino nacional chinês. Há muita tensão entre os dois lados desde os "protestos dos guarda-chuvas". O jogo acabou em 0 a 0.
Foto: Reuters/B. Yip
2016 - Até correr sangue
Novos protestos foram realizados em Hong Kong. Mais uma vez, a polícia usou spray de pimenta e cassetetes. A razão: as autoridades tentaram remover vendedores de rua ilegais num bairro operário. Foram as mais violentas batalhas de rua desde os protestos de 2014.
Foto: Reuters/B. Yip
2017 - O tempo passa
No parque memorial rei George 5º, um dos poucos parques onde ainda há uma ligação com o passado colonial, as raízes de uma figueira cobrem uma placa, 20 anos após a devolução de Hong Kong à China pelos britânicos.