Talibã diz ter conquistado último foco de resistência
6 de setembro de 2021
Talibãs clamam vitória no Vale do Panjshir, única província afegã que o grupo ainda não dominava. Líderes da resistência negam derrota e dizem que as forças de oposição seguem lutando.
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Os talibãs anunciaram nesta segunda-feira (06/09) que tomaram o controle do Vale do Panjshir, ao norte de Cabul, último reduto de resistência anti-Talibã no Afeganistão e única província não tomada pelo grupo fundamentalista islâmico durante sua ofensiva no mês passado.
Testemunhas locais relataram, sob condição de anonimato, que milhares de combatentes talibãs invadiram oito distritos do Vale do Panjshir durante a madrugada.
"A província de Panjshir caiu completamente nas mãos do Emirado Islâmico do Afeganistão", afirmou o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, em mensagem no Twitter, acrescentando que alguns combatentes da resistência foram mortos em batalha, e outros fugiram.
"Com esta vitória e os mais recentes esforços, nosso país saiu do espiral de guerra, e nosso povo terá uma vida feliz em paz e liberdade em todo o país", completou.
Em coletiva de imprensa em Cabul, o porta-voz disse ainda que o Talibã enviou seus militantes para "lutar" no Vale do Panjshir pois as forças de resistência locais "rejeitaram o diálogo".
Mujahid garantiu à população de Panjshir – que em sua maioria é de etnia diferente dos talibãs e que resistiu ao grupo durante seu primeiro regime, entre 1996 e 2001 – que não haveria "ato discriminatório" contra os locais. "Eles são nossos irmãos e trabalharão juntos para um propósito comum e o bem-estar do país", afirmou o porta-voz.
A resistência ao Talibã se formou nessa região logo após a tomada de poder em Cabul pelo grupo, em meados de agosto. Ela é liderada pelo vice-presidente do governo deposto, Amrullah Saleh, e por Ahmad Massoud, filho do lendário combatente anti-Talibã Ahmad Shah Massoud, morto dois dias antes dos ataques terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos.
Imagens publicadas nas redes sociais mostram membros do Talibã em frente ao portão do complexo do governo em Bazarak, capital da província, após lutarem ao longo do fim de semana contra combatentes da chamada Frente de Resistência Nacional do Afeganistão (NRFA), liderada por Massoud. A veracidade das imagens não pôde ser confirmada.
Mais cedo, o Talibã afirmara que suas forças haviam chegado à capital Bazarak e capturado grandes quantidades de armas e munições.
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Resistência diz que vitória é falsa
Ali Maisam Nazary, chefe de relações exteriores da NRFA, por sua vez, afirmou que a declaração de vitória do Talibã é falsa e que as forças de oposição seguem lutando. "Estamos presentes em todas as posições estratégicas ao longo do vale e continuamos a luta", disse Nazary no Facebook.
No domingo, Massoud havia dito que a frente de resistência estava aberta a iniciar negociações de paz e apelou ao Talibã para que encerrasse sua ofensiva.
Em postagem no Facebook, o líder da NRFA afirmou que o grupo, que inclui ex-membros das forças de segurança afegãs e milícias locais, estaria preparada para parar de lutar se o Talibã encerrasse seus ataques. Mas não houve resposta dos talibãs.
O número exato de mortos nos combates no Vale do Panjshir não é conhecido, mas ambos os lados relataram vítimas. No domingo, a NRFA informou que seu principal porta-voz, Fahim Dashti, morreu durante os combates com os talibãs. Dashti havia sobrevivido ao ataque suicida que matou Ahmad Shah Massoud em 9 de setembro de 2001.
Província resistiu a ocupações
O Vale do Panjshir ("literalmente vale dos cinco leões") tem representado um papel militar decisivo na história afegã, pois sua localização geográfica o isola quase inteiramente do resto do país. O único acesso é por uma estreita passagem criada pelo rio Panjshir, um gargalo fácil de defender militarmente.
A maior parte dos 150 mil habitantes da região é da etnia tadjique, enquanto os talibãs são majoritariamente pachtos.
O vale é, além disso, conhecido por suas esmeraldas, que no passado serviram para financiar a resistência contra os governantes. Antes da tomada do poder pelo Talibã, a província de Panjshir exigia insistentemente mais autonomia do governo central.
O vale preservou sua independência tanto durante a ocupação pela União Soviética (1980-1985) como no primeiro domínio talibã (1996-2001). Ao longo do governo sustentado pela Otan em Cabul de 2001 a 2021, ele era uma das regiões mais seguras de todo o país.
ek (AP, AFP, DPA, Reuters)
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.