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"Talibã pode se dividir e fortalecer EI"

Gabriel Domínguez (mp)31 de julho de 2015

Especialista afirma que morte do mulá Omar pode enfraquecer processo de paz no Afeganistão e gerar divisões no movimento extremista. Segundo ele, facções poderiam se unir ao "Estado Islâmico".

Taliban Kämpfer Afghanistan
Foto: picture-alliance/dpa/Ton Koene

O Afeganistão confirmou na última quinta-feira (31/07) a morte do mulá Omar, líder histórico do Talibã, corrida possivelmente dois anos antes, no Paquistão. Para seu lugar, o movimento extremista anunciou o mulá Mohammad Mansour.

Em entrevista à DW, o analista político Michael Kugelman, especialista em Ásia do instituto Woodrow Wilson, diz que a morte de Omar beneficia os que se opõe ao processo de paz no Afeganistão. Segundo ele, sem seu líder, o Talibã pode enfrentar fragmentação, e algumas facções poderiam declarar lealdade ao “Estado Islâmico”.

"O Talibã ameaça se dissolver, e poderia não mais existir como nós o conhecemos hoje", afirma Kugelman.

DW:Por que a morte do mulá Omar foi anunciada pelo governo afegão somente agora?

Michael Kugelman: Não há uma resposta clara. Por que o governo afegão faria algo que poderia comprometer um processo de negociação de paz promissor, que ele mesmo quer desesperadamente que de certo? Cabul pode ter tido antes outras oportunidades para dar a notícia. No ano passado as autoridades afegãs sugeriram – apesar de não terem confirmado – que Omar poderia estar morto.

A explicação mais forte é que o Afeganistão acredita que a morte de Omar pode dissipar todas as especulações sobre Omar, e permitir ao Talibã se concentrar mais inteiramente nas conversações de paz. Mas, de fato, possivelmente acontecerá o contrário. O Talibã vai agora ser consumido por uma crise de sucessão de liderança que vai distraí-lo das negociações. Aqueles que lucram com o anúncio da morte de Omar são os que se opõem ao processo de paz. É simples assim.

O mulá Omar não é visto publicamente desde 1996Foto: Getty Images/AFP/BBC NEWS

Qual é a sua avaliação sobre a reação do Talibã até agora e a nomeação do mulá Mohammad Mansourcomo o sucessor de Omar?

O Talibã costuma ser silencioso. Logo após o anúncio de Cabul, um porta-voz talibã negou a morte de Omar. Isso foi como bloquear, ao menos temporariamente, mais discórdia dentro das fileiras do Talibã, que já está fragmentado. O Talibã ainda não admitiu que Omar está morto, mas o mulá Mohammad Mansour foi nomeado pelo conselho de liderança talibã com substituto de Omar. Esta é efetivamente uma forma indireta de reconhecer a morte de Omar. Esta nomeação de Mansour não é uma surpresa. Ele foi, por muito tempo, o segundo na escala de comando do Talibã afegão e, até certo ponto, bem próximo a Omar.

Alguns analistas dizem que possivelmente a nova nomeação divida os talibãs, e que lideranças do movimento vão se opor à nomeação. Qual é a sua opinião?

Mansour definitivamente não é unanimidade. Em uma organização fragmentada como o Talibã qualquer pessoa com aspirações a líder supremo será polarizadora. Ele adotou algumas medidas nos últimos meses para consolidar o seu poder, que envolveram prejudicar rivais. Isso certamente não vai acrescentar nada a sua reputação. Só nas últimas semanas, um grupo de comandantes-chave procurou desafiar a sua autoridade, na esperança de que isso possibilitasse um dos filhos de Omar assumir as rédeas do poder. A decisão do conselho de líderes não é a última palavra sobre esta questão. É, na verdade, meramente a abertura do que provavelmente vai ser um processo de sucessão bastante perigoso.

O Talibã é um movimento fragmentadoFoto: picture-alliance/AP Photo/R. Gul

Como a morte de Omar pode afetar o Talibã afegão e suas facções tanto politicamente como em termos ideológicos?

Não há dúvidas de que a morte de Omar é uma mudança de jogo para o Talibã. O movimento tem sido há bastante tempo assolado pelos rachas e disputas internas – muito impulsionadas pelo longo silêncio e absenteísmo de Omar. O processo de paz dividiu mais o Talibã.

No entanto, ao longo disso tudo, os membros de todas essas facções ficaram unidos na visão de que seu líder, de alguma forma, continuava no poder. Com o fim de uma força unificadora com essa, o Talibã ameaça se dissolver, e poderia não mais existir como nós o conhecemos hoje. Eu acho que poderia haver uma dispersão em diversas facções. Algumas delas poderiam declarar sua lealdade ao “Estado Islâmico”.

Qual era o papel do mulá Omar nos seus últimos anos com líder talibã?

O papel que ele desempenhou não é claro. Ele foi sempre uma figura reclusa, e eu duvido que ele tenha se envolvido em operações no dia a dia do grupo quando estava vivo. O seu papel mais importante era de guia espiritual e de servir como fonte de inspiração e legitimidade aos membros do Talibã e para outros radicais islâmicos. Neste sentido, seu papel de chefe foi manter unida uma organização em fragmentação, o que ele aparentemente estava fazendo muito bem.

Qual é o impacto que sua morte pode ter nas próximas conversações de paz?

Morte tem efeito no processo de paz, segundo analistaFoto: AFP/Getty Images/F. Naeem

O anúncio da morte não terá nada além de um impacto deletério no processo de paz. A atual rodada de negociações havia sido adiada a pedido do Talibã. O anúncio da morte vai intensificar divisões dentro do Talibã e encorajar várias facções a reivindicarem liderança. Acima de tudo a organização vai enfrentar uma crise grave, o que vai fazer com que fique difícil se concentrar nas negociações de paz. Até que se trate da transição de liderança de uma vez por todas, o Talibã também não vai ser capaz de, simultaneamente, participar da mesa de negociações. Isso sugere que qualquer coisa que seja dita nas conversações não seja particularmente crível. As conversas certamente não estão mortas, mas elas perderam o seu momentum.

O “Estado Islâmico” continua sendo motivo de grande preocupação. A morte de Omar vai levar certamente alguns guerrilheiros talibãs a desertar para o EI. Eu imagino que outros vão fazer a mesma coisa se as conversações forem retomadas. E se as conversações estiverem retomadas e de alguma forma tiverem hesito – e aqui há um grande “se” – cada vez mais descontentes, linhas-dura, contrários a paz, poderiam se juntar ao EI.

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