"Taxi" de Jafar Panahi é grande vencedor da Berlinale
Marco Sanchez14 de fevereiro de 2015
Com uma boa seleção, o festival confirma seu viés político ao dar o Urso de Ouro para o diretor iraniano, proibido de fazer filmes em seu país. "Que horas ela volta?" de Anna Muylaert leva prêmio do público do Panorama.
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A Berlinale reforçou o caráter político de sua seleção e deu o Urso de Ouro para Taxido iraniano de Jafar Panahi, um dos favoritos desde o começo da competição.
"Ele criou uma carta de amor ao cinema", disse o presidente do júri, Darren Aronofsky, ao anunciar o prêmio, recebido pela emocionada sobrinha do diretor, que também está no filme.
Panahi foi acusado de propaganda contra o governo iraniano, ele foi preso em 2010, condenado a seis anos de prisão e proibido de trabalhar com filmes por 20 anos. Mesmo assim, o cineasta continua filmando clandestinamente.
No filme, Panahié um motorista de taxi que conversa com seus passageiros sobre suas impressões da vida e do país. A câmera no painel do carro captura o espírito da sociedade do país.
Ótima seleção, difíceis escolhas
A boa seleção de filmes deste ano dificultou a vida do júri, que dividiu os prêmios em mais de uma categoria.
As arrebatadoras atuações de Charlotte Rampling e Tom Courtney levaram os Ursos de Prata de melhor atriz e ator pelo excelente 45 yearsde Andrew Haigh. "Queria agradecer a chance de expressar de verdade um pedaço da vida", disse Rampling ao receber o prêmio.
O prêmio de melhor diretor ficou com o romeno Radu Jude pelo divertido faroeste experimental Aferim!e com a polonesa Malgorzata Szumowska por Body.
O Chile se firmou como um dos mais criativos polos cinematográficos da atualidade. O documentário O botão de pérolade Patricio Guzmán levou o Urso de Prata de melhor roteiro. Pablo Larraín recebeu o Grande Prêmio do Júri por El Club.
O Prêmio Alfred Bauer, para filmes que abrem novas perspectivas na arte cinematográfica, foi para o guatemalteco Ixcanulde Jayro Bustamante, que buscou inspiração nos costumes indígenas para construir um filme único, poético e poderoso.
O prêmio de contribuição artística foi dividido entre os fotógrafos Evgeniy Privin e Sergey Mikhalchuk pelo apocalíptico Under the electric cloudse Sturla Brandth Grøvlen por Victoria. O filme de Sebastian Shipper é um plano-sequência de 140 minutos, uma alucinante noite de uma espanhola em Berlim.
Outros vencedores
O documentário inglês Tell spring not to come this yearde Saeed Taji Farouky e Michael McEvoy, e Que horas ela volta? de Anna Muylaert levaram os prêmios do público da Panorama. O filme da brasileira ainda foi escolhido como o melhor filme pela Confederação Internacional dos Cinemas de Arte.
O júri ecumênico premiou O botão de pérola de Patricio Guzmán (Competitiva), Ned Riflede Hal Hartley (Panorama) e Historie de Judasde Rabah Ameur-Zaïmeche (Forum).
Ponto positivo para o cinema brasileiro
Apesar de fora da competição, o cinema brasileiro teve presença marcante em diferentes mostras e mostrou algumas direções que a nossa prolífera cinematografia está tomando em busca de um reconhecimento artístico internacional.
As recentes mudanças no país e os processos da juventude foram dois temas que pontuaram diversas produções brasileiras em Berlim. Dois exemplos são o divertido e experimental Brasil S/A de Marcelo Pedroso e Ausência de Chico Teixeira.
A bem sucedida repercussão de Que horas ela volta?com o público em Berlim parece ser o início de uma bem sucedida carreira para o filme. Muylaert constrói um tocante retrato da relação entre empregados e patrões, que revela as consequências do desenvolvimento econômico dos dois lados da porta da cozinha.
Beira-marde Filipe Matzembacher e Marcio Reolon foi uma das surpresas da mostra Forum. A jornada de dois amigos em um frio fim de semana no litoral gaúcho é uma sensível jornada dos pequenos gestos da transição para a vida adulta.
Walter Salles declarou seu amor ao cinema com Jia Zhang-ke, um homem de Fenyang, um intimista documentário sobre o cineasta chinês.
Um amor compartilhado com os mais de 310 mil expectadores, um novo recorde, que enfrentaram o frio e longas filas para assistir os quase 400 filmes que fizeram a Berlinale 2015.
A disputa pelo Urso de Ouro na Berlinale
Entre diretores consagrados e novos nomes, a Berlinale apresenta uma seleção que reserva espaço para descobertas e surpresas. Conheça os concorrentes ao principal prêmio do Festival de Berlim.
Foto: Berlinale 2015
Mulheres fortes
Atrás e diantes das câmeras, mulheres fortes dominam a Berlinale em 2015. Isabel Coixet é a segunda diretora, depois de Margarethe von Trotta, a ter a honra de abrir o festival – com "Nobody wanst the night", estrelado por Juliette Binoche. A polonesa Malgorzata Szumowska volta a Berlim com "Body" (foto), que mostra a relação de um promotor com sua filha anoréxica e sua terapeuta.
Foto: Jacek Drygała
Antes de a censura chegar
Em um cenário apocalíptico, Alexey German Jr. mostra em Berlim seu mais novo filme, "Under electric clouds". O diretor russo tenta condensar o clima atual de seu país em símbolos de um futuro devastado. Talvez uma das últimas chances de ver o livre e florescente novo cinema vindo da Rússia, já que há uma pressão no país para a "regulamentação" de produções consideradas "anti-russas".
Foto: Berlinale 2015
Grandes diretores
Em "Einsenstein in Guanajuato", Peter Greenaway mostra a viagem do icônico cineasta soviético ao México em 1931. No entanto, a maneira como a sexualidade de Einsenstein foi retratada fez com que o filme fosse banido na Rússia. Além de Greenaway, a competitiva exibe novos filmes de Terrence Malick ("Knight of cups"), Benoit Jacquot ("Diary of a chambermaid") e Jafar Panahi ("Taxi").
Foto: Berlinale 2015
Diversidade asiática
Vencedora em 2014, a China tem presença discreta, com apenas a produção de época "Gone with bullets". O Japão pode surpreender com a comédia de fantasia "Chasuke's Journey", do diretor Sabu. Mas o filme asiático mais esperado é o vietnamita "Big father, small father and other stories", de Phan Dang Di, que explora a vida de um estudante de fotografia em Ho Chi Minh (antiga Saigon), nos anos 1990.
Foto: DNY PRODUCTIONS
Forte presença alemã
Três consagrados cineastas alemães disputam o cobiçado Urso. Werner Herzog apresenta o internacional "Queen of the desert", estrelado por Nicole Kidman. "Als wir träumten" (foto), de Andreas Dresen, mostra um grupo de jovens amigos após o fim da Alemanha Oriental. De Lepzig nos anos 1990, para a Berlim atual, "Victoria", de Sebastian Schipper, acompanha as desventuras de uma espanhola pela cidade.
Há mais de uma década, a Argentina ganhou destaque na cena mundial. Nos últimos anos, no entanto, o foco começou a se espalhar por outros países da América Latina. E a seleção de dois filmes chilenos na competitiva mostra a força do atual cinema do país. Além de "El Club", de Pablo Larraín, ("No"), o Chile apresenta o enigmático documentário "El botón de nácar" (foto), de Patricio Guzmán.
Foto: Hugues Namur
Surpresa da Guatemala
Umas das grandes surpresas deste ano é "Ixcanul", do diretor guatemalteco Jayro Bastumante. Para contar a história da jovem Maria, ele voltou a Caqchiquel, região onde cresceu, para investigar como vivem as populações locais. O filme, falado em espanhol e caqchiquel, busca não ser um retrato das populações indígenas, mas uma história desenvolvida dentro dessa cultura.
Foto: La Casa de Producción
Complexas relações humanas
Com "Weekend" e a série de televisão "Looking", Andrew Haigh conseguiu retratar problemas e desilusões dos jovens gays em uma sociedade onde a homossexualidade não é mais um tabu. Ele muda seu foco em "45 Years". Seu novo filme mostra um casal de meia idade e sem filhos que, às vésperas de celebrar 45 anos juntos, perdem o chão ao serem obrigados a lidar com desconhecidas emoções.
Consagrada com seus curtas-metragens, a italiana Laura Bispuri resolvei ir até a Albânia em seu filme de estreia. "Sworn virgin" mostra a vida das mulheres que fazem voto de castidade, se vestem e vivem como homens na patriarcal sociedade do país. Outro destaque é "Aferim!", do romeno Radu Jude. Passado em 1835, o filme é um western experimental e reflete conflitos atuais do país.
Foto: Alba Rohrwacher, Flonja Kodheli
O júri
O destino dos 19 filmes selecionados está nas mãos do júri, presidido por Darren Aronofsky (Cisne Negro). O diretor americano tomará sua decisão ao lado do alemão Daniel Brühl, da eterna "Amelie" Audrey Tautou, da peruana Claudia Llosa (vencedora do Urso de Ouro em 2009 por "A teta assustada"), do sul-coreano Bong Joon-ho, da produtora Martha De Laurentiis e do diretor e roteirista Matthew Weiner.