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Teatro Oficina reinventa Schiller

Felipe Tadeu24 de junho de 2007

Grupo de Zé Celso Martinez Corrêa é uma das principais atrações do 14° festival Internationale Schillertage, em Mannheim.

Zé Celso, o Teatro Oficina em pessoaFoto: Felipe Tadeu

O Teatro Oficina Uzyna Uzona, liderado pelo diretor paulista Zé Celso Martinez Corrêa, fez valer mais uma vez o mote de sua turbulenta existência em quase cinco décadas de artes dramáticas.

Com muita coragem, lucidez, impiedosa ironia e preparo físico, a companhia brasileira foi armar seu circo de criatividades no Nationaltheater de Mannheim, que de 15 a 23 de junho, sediou a tradicional mostra teatral dedicada a Friedrich Schiller, dramaturgo, poeta, filósofo e historiador alemão.

O Oficina encarou a árdua tarefa de encenar Die Räuber (Os Bandidos), escrita em 1781, na cidade que acolheu o genial autor nascido em Marbach como um de seus filhos mais legítimos. E se saiu muito bem.

Cartaz do festivalFoto: Foto: Felipe Tadeu

"Esta montagem foi uma encomenda que recebemos, e é a primeira peça que fiz para a Alemanha", afirmou Zé Celso, que não escondia a felicidade de estar tão próximo do público alemão, como no evento que neste ano tinha como tema Bestie Mensch (Besta Humana).

Schiller, Goethe, Klaus Kinski, Rainer Fassbinder e outros ícones da cultura alemã foram devidamente homenageados pela irreverente trupe do Oficina, que, num espetáculo que ultrapassou as quatro horas de duração, soube cativar a platéia, tal a força do roteiro e o engajamento dos atores.

Umbanda e subversão

Quando os 19 atores subiram à cena para desempenhar a trágica história concebida por Schiller, o Oficina já chegou hasteando seu estandarte da brasilidade, entoando um canto de umbanda que situava os espectadores num remoto país africano da América do Sul.

À frente do elenco, estavam Aury Porto, Marcelo Drummond, Ricardo Bittencourt e Sylvia Prado, que se destacaram na turba de marginais que se apoderou do espaço cênico do Teatro Nacional de Mannheim, para conjugar todos os males da civilização contemporânea.

Condoleezza Rice interpretada por Zé da PaivaFoto: Felipe Tadeu

De Bin Laden ao papa Bento 16, de Fernando Henrique Cardoso a Condoleezza Rice (brilhantemente encarnada por Zé da Paiva), nenhuma autoridade política planetária estava a salvo da lábia ácida do Oficina. E o compromisso em seguir à risca o texto de Friedrich Schiller foi, claro, preterido pelos brasileiros.

Zé Celso, o eterno tropicalista que estourou em 1967 no Brasil com sua leitura de O Rei Da Vela, de Oswald de Andrade, adaptou a trama do autor alemão à (sua) megalópole de São Paulo do ano de 2006, quando a cidade foi aterrorizada pelas ações do PCC − Primeiro Comando da Capital.

A barbárie enfocada em Os Bandidos elege o apresentador de televisão e empresário Sílvio Santos como inimigo público número um a ser combatido pelas falanges revolucionárias, enquanto os irmãos Karl e Franz Moor da peça de Schiller tornam-se Cosme e Damião, mitos do sincretismo religioso brasileiro.

Os atores Marcelo Drummond e Ricardo Bittencourt tiveram que desempenhar seus papéis com especial determinação, pois subiram ao palco com o pé quebrado (Marcelo) e uma das mãos engessada (Ricardo), devido a acidentes ocorridos durante o ensaio geral da peça.

Conversa com o público

Boa parte da platéia que se manteve até o fim das quase cinco horas de espetáculo ainda encontrou forças para entrar a madrugada de sábado debatendo com Zé Celso e toda a equipe do Oficina. Na conversa com os espectadores (alemães, em sua maioria), o diretor ressaltou que seu trabalho é "desde a montagem de O Rei da Vela, um teatro de todas as artes, de todas as mídias, inclusive a digital".

Ao explicar quem era Sílvio Santos, Zé Celso soube aproveitar a sua privilegiada tribuna para relatar aos presentes sobre sua luta de 27 anos contra as empresas SS, sigla que na história alemã tem significado repugnante. "Sílvio Santos quer fazer a sede do Teatro Oficina virar um shopping center. Nós, que estamos cercados por suas organizações, queremos ampliar o teatro e torná-lo um Anhangabaú da Felicidade", disparou sarcasticamente.

Memória de um tempo revolucionário

O diretor brasileiro, que em março completou 70 anos de idade, continua distribuindo saúde e muita disposição, que fazem dele um dos artistas mais significativos do teatro no Brasil. "O Teatro Oficina Uzyna Uzona é tido em São Paulo como memória de um tempo revolucionário, refúgio de uma simpática obstinação, onde se preservam idéias e ideais", enalteceram os organizadores do festival no programa do evento.

Não é de hoje que Zé Celso é admirado na cena teatral alemã. Quando esteve no exílio, de 1974 a 1978, Zé Celso havia sido convidado pela Schauspielhaus de Bochum para que encenasse na Alemanha Galileu Galilei, de Bertolt Brecht. Em 2004, o Teatro Oficina Uzyna Uzona montou Os Sertões, de Euclides da Cunha, no Ruhrfestspielen em Recklinghausen, levando a peça dividida em cinco partes, com 24 horas de duração, um ano depois para o Berliner Volksbühne, de Berlim.

O Teatro Oficina pretende encenar Os Bandidos também no Brasil, até porque vêm mais festas por aí. Em 2008, a companhia fundada por Zé Celso, Renato Borghi, Amir Haddad e Jorge da Cunha Lima estará comemorando 50 anos de atividades. E resistência.

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