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Tecnologia genética traz descanso a mortos do Vietnã

Rodion Ebbighausen (av)21 de março de 2016

Governo em Hanói quer identificar 500 mil vítimas anônimas do conflito encerrado em 1975. Projeto é essencial para uma cultura que honra os mortos, afirmam autoridades.

Túmulo caiado e adornado com flores após identificação, em cemitério no centro do Vietnã, em 2005Foto: Getty Images/AFP/H. Dinh Nam

Os espíritos estão presentes no Vietnã, em especial no sétimo mês do calendário lunar, em que se celebra a festa Tết Trung Nguyên. Segundo a crença popular, nessa época os espíritos sobem do submundo para buscar justiça no reino dos vivos.

Para recebê-los, preparam-se pratos rituais, queima-se dinheiro votivo e se acendem lanternas. Pois, se não estão satisfeitos, os ancestrais podem trazer má sorte à família. O culto aos mortos e a recordação dos antepassados são elementos centrais da cultura vietnamita: em nenhum lar falta o altar para evocar os ancestrais.

Isso torna ainda mais doloroso o fato de centenas de milhares de mortos da Guerra do Vietnã terem sido enterrados anonimamente, em valas comuns. Até hoje muitas famílias gostariam de saber o que foi feito de seus mortos, para sepultá-los condizentemente, garantindo assim que suas almas finalmente descansarão em paz.

Tecnologia de ponta em Hamburgo

Nos últimos anos o governo em Hanói já vinha cadastrando o conteúdo de algumas valas e cemitérios comuns. Agora ele decidiu documentar sistematicamente todas as sepulturas de pessoas não identificadas do país.

"Para o Vietnã, o projeto de identificação é um passo decisivo na superação de nosso doloroso passado. Muitas famílias só encontrarão verdadeiramente paz com a identificação e o sepultamento dos seus mortos", explica o secretário de Ciência e Tecnologia da embaixada da República Socialista do Vietnã em Berlim, Tran Dong.

Os restos mortais de cerca de 500 mil pessoas terão que ser exumados, e seu DNA será examinado e comparado com o dos possíveis parentes ainda vivos. "Um projeto dessas dimensões vai durar muitos anos, talvez até décadas", estima Wolfgang Höppner, do laboratório de genética Bioglobe, em Hamburgo.

As instalações pertencem ao consórcio encarregado de realizar o gigantesco projeto. Além do Bioglobe, também participam o Instituto de Medicina Legal da Universidade de Hamburgo e as companhias de tecnologia científica Qiagen e Eppendorf.

"A meta é que, dentro de cinco anos, uma parte desses esqueletos – cerca de 300 mil – tenha sido processada", diz Höppner. Seu laboratório treina especialistas forenses no exame dos restos mortais vietnamitas com a tecnologia de ponta da Qiagen e da Eppendorf.

Horror da Guerra do Vietnã permanece sem expiação (foto de Horst Fass)Foto: AP

Dificuldades técnicas e procedimento burocrático

A tarefa não é fácil: a Guerra do Vietnã terminou em 1975, portanto há no mínimo 40 anos os despojos dos mortos estão expostos ao clima tropical, microorganismos e à ação das raízes da vegetação, dificultando a extração do DNA.

Höppner confirma que "o material está fortemente decomposto e só contém vestígios tênues de DNA, relativamente difíceis de isolar para exame". Por outro lado, está seguro de que esse desafio será superado, pois nos últimos cinco a dez anos houve grandes progressos no campo. "Embora não asseguremos que vamos conseguir prover, para todos os restos encontrados, um perfil apto à identificação", ressalva.

Ele avalia bem a cooperação com os colegas vietnamitas em Hamburgo. "Tudo corre maravilhosamente." Cabe esperar para ver como será daqui a alguns meses, in loco, em Hanói. Porém, até onde Höppner sabe, os laboratórios locais já foram reformados em conformidade com os mais altos padrões científicos. A ventilação é de importância central, para se evitar uma contaminação ainda maior dos despojos.

Devido ao grande número de mortos, a iniciativa para a comparação genética tem que partir dos familiares ainda vivos. Quem quer reaver um parente morto precisa procurar as autoridades, que então tentam uma primeira delimitação da busca, com base em dados como o ano do desaparecimento, a tropa em que a vítima serviu ou o local da última missão de que participou.

Em seguida, amostras de DNA dos familiares vivos são comparadas com as amostras de DNA de restos mortais da região delimitada. "Por fim, calcula-se o grau de probabilidade de que se trate, de fato, do desaparecido. Se ele é alto o suficiente, os restos mortais podem ser entregues à família."

Culto aos antepassados é central à cultura nacionalFoto: James Schuster

Perigo de abusos

Em seu decorrer, o projeto vai gerando um abrangente banco com os dados genéticos de milhares de cidadãos vietnamitas. Höppner concorda que isso suscita a possibilidade de abusos. Por outro lado, ele ressalta a participação da Comissão Internacional para Pessoas Desaparecidas (ICMP, na sigla em inglês).

Criada depois da Guerra da Iugoslávia, ela se ocupa do destino de desaparecidos em catástrofes naturais, guerras e guerras civis em todo o mundo. Nos Estados da ex-Iugoslávia, a ICMP desenvolveu procedimentos para gerir informações sensíveis com a maior segurança possível. No caso vietnamita, porém, um anonimato completo não é praticável, pois impossibilitaria a reunião entre os parentes vivos e mortos.

Ainda assim: "Dou muito valor a que a ICMP também transmita aos vietnamitas a experiência acumulada na Iugoslávia e que lhes mostre maneiras de gerir esse projeto, tornando impossível o abuso", diz Höppner. "Claro, se da parte do governo não houver interesse nisso, não é possível influenciar de fora."

O especialista diz estar convencido, entretanto, que os interessados não disponibilizarão seu DNA se temerem que isso os colocará em dificuldades, ou que os dados possam ser também utilizados para outros fins.

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