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Um urso 'diferente'

20 de fevereiro de 2010

Suas origens já contam 30 anos. À sombra da Berlinale, o prêmio para produções de e sobre gays e lésbicas teve sua 24ª edição: novas tendências, homenagem ao veterano Werner Schroeter. E uma pitada de Hollywood.

'The kids are all right', de Lisa Cholodenko, ficou com o prêmio principalFoto: picture-alliance/dpa
Estátua do Teddy foi desenhada pelo cartunista Ralf KönigFoto: Barbara Dietl

A bem da verdade, ele mais parece uma ratazana sentada: ombros caídos, barriga grande, corpo em forma de pera, focinho mais comprido do que devia ser, patinhas dianteiras pendendo desleixadas, uma orelha caída. Acima de tudo, a estátua do Teddy Award, criação do cartunista alemão Ralf König, lembra que aqui nada vale ser levado cem por cento a sério, e que a irreverência está sempre na ordem do dia.

Mas, peculiaridades anatômicas à parte, o irresistivelmente simpático símbolo de um dos maiores festivais de cinema queer do mundo tem todo o direito de ser um urso. Nem ameaçador como seu modelo na natureza, nem engraçadinho como um teddy bear de pelúcia, ele descende diretamente do Urso de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Além de evocar um ícone gay corrente, com uma leve piscada de olho para um determinado segmento da cena – a dos homens parrudos, barbados e peludos.

Tudo começou há 30 anos

Em 1980, Manfred Salzgeber assumiu a frente da seção da Berlinale Info-Schau, mais tarde denominada Panorama. Ativista do movimento gay, ele passou a dar maior espaço para as obras de temática homossexual em sua programação.

Movido pelo desejo de que os filmes pudessem ser discutidos após as apresentações, instituiu cinco anos mais tarde os Nachtcafés, rodadas de debates de que participaram cineastas como Derek Jarman e Gus van Sant. Para tal, Salzgeber contava com o apoio de Wieland Speck, que o sucederia em 1992, mantendo-se na direção no Panorama até hoje e detendo o título "Daddy of the Teddies".

Wieland Speck é o 'Pai dos Teddies'Foto: Berlinale 2009

Em 1987, tornou-se realidade a ideia de um prêmio para filmes de e sobre gays e lésbicas, o Teddy Award. O primeiro laureado foi ninguém menos do que Pedro Almodóvar por A lei do desejo, estrelado por um praticamente desconhecido Antonio Banderas.

O júri era formado por participantes dos Nachtcafés "que viram todos os filmes", um grupo aberto, intitulado International Gay & Lesbian Film Festival Association (IGLFFA). Sua fundação foi inspirada pela ideia de que o Teddy se projetasse para além da cena gay, proporcionando aos filmes do gênero a presença generalizada, na mídia e no meio profissional que lhes fora negada até então.

Cinco anos mais tarde, a Berlinale reconhecia oficialmente o Teddy Award, incluindo-o pela primeira vez em sua lista de prêmios. Os concorrentes ao prêmio para produções de temática homossexual ou transgênero são selecionados a partir de qualquer uma das seções programa do festival internacional, desde a Mostra Competitiva ao Berlinale Shorts ou Forum. Duas produções brasileiras fizeram parte da programação em 2010: Os famosos e os duendes da morte e Fucking different São Paulo.

"Gays against Guido"

A cerimônia de entrega do Teddy é um evento social disputado. Fama, beleza, excentricidade, glamour, excessos de elegância ou de mau gosto: estes e outros são argumentos igualmente válidos para quem quer ver e ser visto.

'Postcard to Daddy' revela feridas do abuso sexualFoto: Internationale Filmfestspiele Berlin

Patrono do prêmio e presença obrigatória é o afirmativamente homossexual prefeito da capital alemã, Klaus Wowereit. Informal, sem segurança ostensiva ou entourage, ele se misturava perfeitamente ao restante do público da Station Berlin, na noite da sexta-feira (19/02). Entre incontáveis outras personalidades gays mais ou menos conhecidas do público internacional, uma presença marcante foi o irreverente diretor Rosa von Praunheim (Can I be your bratwurst, please?).

De terno azul ciano quase fosforescente, camisa, gravata e chapéu em diversos tons de rosa, e enroscado em seu jovem amante, Von Praunheim ostentava um button amarelo – cuidadosamente enquadrado pelas câmeras de TV – com os dizeres "Gays against Guido", em azul. Trata-se de uma campanha em nível nacional contra o "individual-liberalismo" do atual ministro alemão do Exterior, Guido Westerwelle, cujo coming out relativamente tardio não serviu para torná-lo mais simpático à comunidade.

Do documentário íntimo a Hollywood

Paralelamente às quatro categorias do Teddy, o vencedor do Prêmio dos Leitores da Revista Siegessäule foi Postcard to Daddy, em que Michael Stock documenta o processo de elaboração psicológica do abuso sexual a que foi submetido pelo próprio pai, durante anos. Assim como I shot my love, Postcard concorreu simultaneamente como Melhor Documentário. O troféu é uma miniatura da Coluna da Vitória (Siegessäule), monumento histórico de Berlim.

Diretor Werner Schroeter recebeu o Special Teddy AwardFoto: picture-alliance/dpa

Com imagens em parte oníricas, Open, de Jake Yuzna, Prêmio do Júri, narra o encontro entre Cynthia, um(a) hermafrodita, e Gen e Jay, que cultivam a pandroginia: através de sucessivas cirurgias plásticas, o casal tenta fundir suas características faciais a ponto de se tornar um único ser.

Como Melhor Curta destacou-se The feast of Stephen, de James Franco. Baseado no poema homônimo do norte-americano Anthony Hecht, o filme ilustra os sentimentos ambivalentes de um jovem homossexual ao observar um jogo de basquete, entre desejo e fantasias de violência. Franco também integra como ator o elenco de Howl, indicado para Melhor Filme do Teddy, e concorrente ao Urso de Ouro da Berlinale.

Numa possível reverência a Hollywood, The kids are all right foi eleito Melhor Longa-Metragem. Dirigidas por Lisa Cholodenko, Julianne Moore e Annette Bening interpretam um casal de lésbicas cujos filhos adolescentes pedem para conhecer seu pai biológico (Mark Ruffalo). Uma premiação recebida com júbilo pela plateia da cerimônia.

Beleza baiana e gênio repudiado

Na categoria Melhor Documentário/Ensaio, o escolhido foi La bocca del lupo, do italiano Pietro Marcello. Na decaída zona portuária de Gênova, ele acompanha uma história de amor inusitada entre Enzo "um siciliano de bigode e coração de ouro" e o transexual Mary.

Atriz Jessica Barbosa (d) ao lado do diretor J.D. Tikhomiroff, numa coletiva de imprensa

A entrega deste prêmio proporcionou um extra agradável: a convocação de Jessica Barbosa à cena. A belíssima baiana estrela a produção Besouro, apresentada na seção Panorama Special da Berlinale, reservada a produções independentes de grande porte. Antes de apresentar o documentário vencedor, ela teve oportunidade até de mostrar alguns passos de capoeira no palco da Station Berlin. Mas, nisso, os sapatos altos atrapalharam um pouco.

Nesta 24ª edição da competição, o diretor Werner Schroeter foi contemplado com o Special Teddy Award pelo conjunto de sua obra. Nascido em 1945 na Turíngia, ele é cultuado e abominado, sobretudo por seus experimentos cinematográficos na década de 1970. Segundo palavras de Rainer Werner Fassbinder, citadas pelo escritor Rolf Wondratschek durante sua laudatio: Schroeter é o único gênio que a Alemanha mereceria se não o repudiasse.

Autor: Augusto Valente
Revisão: Roselaine Wandscheer

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