Tem futuro a Comunidade Sul-Americana?
13 de dezembro de 2004Criada oficialmente no cenário histórico de Cuzco, a antiga capital dos incas no sul do Peru, a Comunidade Sul-Americana de Nações (CSN) deve ser mais do que mera retórica, assegurou na ocasião o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. E, na visão de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, ela poderá assemelhar-se dentro de 20 anos à atual União Européia.
É ambicioso o projeto dos chefes de governo que uniram forças tendo como meta integrar no longo prazo a economia, o comércio, a infra-estrutura, a diplomacia e o sistema financeiro dos membros do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai), da Comunidade Andina (Colômbia, Equador, Bolívia, Peru, Venezuela) e, ainda, do Chile, Guiana e Suriname. Na Alemanha, ele é visto com certo ceticismo.
Base econômica débil
Não é tanto a ambição de tomar a União Européia (UE) como modelo que levanta questionamentos. Hartmut Sangmeister, professor do Instituto de Ciências Econômicas da Universidade de Heildelberg, a considera positiva. Ele não aceita o argumento de que as diferenças existentes entre os países predestinem o projeto ao fracasso. "Na Europa também existiu essa heterogeneidade até há não muito tempo", lembra o professor. Só que a meta de uma união segundo os moldes da UE deveria ser vista num futuro distante. "É preciso partir de um período de três a quatro décadas."
A debilidade das bases econômicas comuns é que gera o maior ceticismo. As inúmeras tentativas anteriores de criar projetos regionais de integração raramente passaram da fase de declarações de intenção, lembra Sangmeister. "Sobretudo no comércio inter-americano, mal houve progressos."
Este aspecto é ressaltado também pelo professor Detlef Nolte, vice-diretor do Instituto de Estudos Ibero-Americanos de Hamburgo. O intercâmbio econômico entre os países sul-americanos é muito reduzido, se comparado a outros blocos, tais como a União Européia ou o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), afirma Nolte.
Contendas pendentes
No âmbito político, as condições para uma atuação conjunta em foros internacionais são melhores do que no setor econômico, na avaliação do especialista de Hamburgo. Mas ela lembra, ao mesmo tempo, que também nesta área há grandes divergências entre os países sul-americanos.
Uma contenda entre muitas é a que persiste entre a Bolívia e o Chile com relação a um acesso ao Oceano Pacífico para a Bolívia. Os dois países nem sequer mantêm relações diplomáticas oficiais. Esta questão levanta dúvidas quanto à viabilidade de uma cooperação no marco da CSN, na opinião de Nolte.
Hegemonia do Brasil será aceita?
Outra incógnita, para os observadores alemães, é se os 11 demais países estarão dispostos a apoiar o Brasil como motor desta nova comunidade. Para países como o Uruguai e a Argentina – cujos chefes de Estado, aliás, não compareceram à cerimônia oficial em Cuzco – um gigante à porta de sua casa pode ser muito mais incômodo do que um gigante distante como os Estados Unidos, acredita o vice-diretor do instituto hamburguês.
"As relações são ambivalentes, e primeiro seria preciso solucionar uma série de disputas e de tensões, antes que esta comunidade tenha caminho livre para se desenvolver", afirma Detlef Nolte.