Ruim de voto, antigo vice construiu carreira nos bastidores, chamado por adversários de um profissional do mundo das intrigas. Ele chega ao poder com índices de rejeição popular similares aos de Dilma.
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De personalidade discreta, Michel Temer construiu uma longa carreira nos bastidores da política brasileira antes de ser alçado à Presidência da República.
Considerado hábil politicamente, colecionou diversos adjetivos nas últimas décadas, como conciliador e formal. Adversários, por sua vez, o acusam de ser um profissional no mundo das intrigas. Um senador baiano certa vez o definiu como "um mordomo de filme de terror". Pouco conhecido dos brasileiros antes da crise que passou a assolar o governo Dilma, Temer também já foi chamado de "esfinge" por causa da sua capacidade de permanecer enigmático. Já a ex-presidente Dilma Rousseff o qualificou como "traidor" e "usurpador". Aos 75 anos, ele se tornou a pessoa mais velha a assumir a Presidência da República.
Temer é elogiado pelo mercado, mas sofre resistência da população. Pesquisas divulgadas na última semanas mostram que o vice só tem a aprovação de pouco mais de 10% dos brasileiros. Outras sondagens indicam que quase metade dos brasileiros não vê diferença entre ele e Dilma.
Temer assumiu a presidência interinamente em 12 de maio, quando Dilma foi afastada temporariamente pelo Senado. Fez poucas aparições públicas nesse período, especialmente para evitar a hostilidade da população – a exemplo do que ocorreu na abertura dos Jogos Olímpicos, quando foi vaiado. Para tentar conquistar simpatia, tem favorecido eventos supervisionados e controlados.
A carreira de Temer é marcada por esse comportamento distante do público. Ele nunca ocupou um cargo executivo de destaque, como prefeito e senador. Foi deputado por seis mandatos e chegou a ocupar a presidência da Câmara entre 1997 e 2001 e entre 2009 e 2010. Seu poder reside, sobretudo, em sua capacidade de lidar com as diferentes alas do seu partido, a velha política de bastidores. Nos últimos 15 anos Temer ocupou a presidência do PMDB, a maior agremiação política do Brasil, que, apesar de não disputar diretamente uma eleição presidencial há 20 anos, participou de todos os governos desde a redemocratização, em 1985.
Ruim de voto
Filho de um casal de libaneses que emigrou para o Brasil nos anos 1920, Temer nasceu na pequena cidade de Tietê, no interior de São Paulo. É o caçula de oito irmãos. Sua origem árabe é celebrada no vilarejo libanês dos seus pais, que batizou uma rua com o nome dele quando ele foi eleito vice-presidente. Recentemente, um grupo de moradores apagou o prefixo "vice" das placas, deixando apenas "presidente Temer".
Com formação na área jurídica, Temer atuou como professor de direito constitucional. É casado com uma ex-modelo 43 anos mais jovem. O casal tem um filho de 6 anos.
Temer entrou na vida pública no início dos anos 80, ao ingressar no PMDB. Seu primeiro cargo foi a chefia da Procuradoria-Geral de São Paulo. Depois foi secretário de Segurança Pública (SSP) do mesmo Estado. Em 1986, candidatou-se ao primeiro mandato, como deputado constituinte. A partir de 1995, instalou-se de vez em Brasília, passando a ocupar sucessivos mandatos como deputado federal. Foi subindo até assumir a presidência da Câmara e, em 2001, a chefia do PMDB.
Apesar da carreira sempre ascendente, nunca foi bom de voto. Nas duas primeiras oportunidades em que foi eleito, amargou primeiro a suplência antes de assumir o mandato. Em 2006, recebeu 99 mil votos, e só foi reconduzido mais uma vez à Câmara graças à soma de votos da coalizão. Seus aliados mais próximos admitem que ele é ruim de palanque e enfrenta dificuldades por causa do seu modo excessivamente formal, que se reflete também nas suas roupas e no cabelo, sempre impecavelmente alinhado. A discrição com o público é compensada pela desenvoltura diante de plateias menores.
Mesmo transitando bem nas diferentes alas do PMDB, Temer também colecionou desafetos, como Renan Calheiros, hoje presidente do Senado e seu principal rival dentro do partido. E também acumulou sua fatia de escândalos. Foi citado por dois delatores da Operação Lava Jato, que o acusaram de ser beneficiário do esquema. Em 2009, seu nome apareceu 21 vezes numa planilha da empreiteira Camargo Corrêa aprendida pela Polícia Federal. Nenhuma das investigações provocou maiores consequências.
Dificuldades com Dilma
No comando do PMDB, Temer sempre teve que lidar com os diferentes feudos e a fragmentação típica do partido. Comandou esses grupos numa aproximação com o ex-presidente Lula em 2003, deixando para trás a aliança com o PSDB durante o governo de FHC. O gesto iniciaria uma parceria que duraria todo o mandato do petista.
Ao contrário da rotina dos anos Lula, a aliança começou a sofrer abalos sob Dilma. Vários setores do PMDB começaram a se queixar de que a presidente não dividia o poder com seu parceiro de coalizão. Aliados afirmam que o vice também começou a ser isolado por Dilma e outros petistas, que davam preferência a partidos menores, minando a posição do PMDB.
Em dezembro de 2015, Tener finalmente revelou o que pensava sobre a relação quando rompeu publicamente com Dilma por meio de uma carta, na qual acusou a então presidente de tratá-lo como um "vice decorativo".
Muitos reagiram com surpresa por o discreto Temer ter tomado uma posição tão dura, mas especialistas dizem que ele apenas seguiu a tendência que já havia se formado entre a maioria dos peemedebistas. A partir daí, Temer passou de vez para o lado dos rebeldes e articulou, em março, a saída do PMDB do governo, encerrando uma parceria que durou 13 anos. Na sequência, passou a se dedicar a derrubar Dilma, só que sem fazer pessoalmente grandes discursos e acusações públicas, mas sempre atuando nos bastidores.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.