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"Temos que deter Putin", diz militar brasileiro na Ucrânia

Diego Zúñiga
24 de setembro de 2022

O tenente da reserva brasileiro Sandro Silva comanda um pelotão internacional que integra as forças ucranianas. Em entrevista à DW, ele explica as razões que o levaram a pegar em armas contra os russos.

Sandro Silva com roupa militar, com camuflagem
"Todos os aspectos da guerra fazem você apreciar quão importante é a vida", diz SandroFoto: Sandro Silva

Ele diz que a experiência de combate mais difícil que teve foi em Severodonetsk. Tem um amigo hospitalizado há meses em Kiev depois de ter sido ferido por morteiros, viu colegas caírem em confrontos, e mesmo assim Sandro Silva, de 37 anos, tem certeza de que está fazendo a coisa certa.

Atravessou o mundo, deixou a família e os amigos no Brasil e ingressou nas Forças Armadas ucranianas como comandante de um pelotão da legião estrangeira - integrado por dezenas de latino-americanos - que luta contra os russos em todo o front de batalha.

Tenente da reserva do Exército brasileiro, Silva pratica artes marciais mistas e é um aventureiro inveterado. "Eu viajei e trabalhei em diferentes países por 12 anos, e pude conhecer muitos ucranianos e russos. Também aprendi sobre política, história e o que leva um louco a fazer coisas que faz um líder como Vladimir Putin", diz o oficial, em entrevista à DW de algum lugar da Ucrânia que prefere não revelar, "por razões de segurança".

DW: Por que um brasileiro atravessa o mundo para lutar na Ucrânia?

Sandro Silva: Sou militar, sei o que aconteceu no passado com os nazistas e entendo o que o passado nos diz sobre o futuro. Eu simplesmente não posso ficar de braços cruzados sem fazer nada. Um dia, eu estava vendo o que estava acontecendo na Ucrânia e pensei: "Eu tenho capacidade, tenho o preparo militar, falo inglês, não estou de acordo com o que a Rússia está fazendo, pessoas com quem me importo muito vivem na Ucrânia", e ficaria com o coração partido por não ter feito nada.

Como foi o processo de recrutamento?

Os ucranianos buscam pessoas para funções específicas, e eu fui selecionado por um dos comandantes de pelotão do Departamento Principal de Inteligência (GUR, na sigla ucraniana). Para terminar de responder à outra pergunta, o que me levou a vir foi a sensação de fazer algo grande, para ajudar a Ucrânia a combater a agressão.

O que sua família e seus amigos dizem?

Minha família me apoia, minha esposa me apoia, mas ao mesmo tempo ela constantemente me pede para eu voltar logo para casa. Os amigos também apoiam, mas não todos. Alguns não entendem a importância dessa luta ou entendem apenas uma pequena parte de tudo o que está acontecendo aqui.

A propaganda russa diz que os voluntários só vão à Ucrânia pelo dinheiro.

A propaganda russa é puro lixo. Sim, há um salário, mas o país está em guerra, e por lei você não pode tirar dinheiro da Ucrânia, não pode transferi-lo. Além disso, é pouco dinheiro, você usa para comprar alguma comida ou roupa, não é que você vem e se garante para o resto da vida. De fato, quando [o presidente Volodimir] Zelenski recrutou voluntários, não havia dinheiro, e chegaram 20 mil pessoas para ajudar. O dinheiro chegou depois, quando os soldados começaram a ser registrados no Exército e passaram a receber um salário. Mas ninguém vem, fica dois meses e volta milionário para casa.

O senhor sente que mudou desde que veio para a Ucrânia?

Muito. Há dias ou noites difíceis, nos movimentamos o tempo todo, não comemos nem dormimos bem, combatemos... Todos os aspectos da guerra fazem você apreciar melhor quão importante é a vida. Às vezes você fica com medo e quer ir para casa, mas pensa nas razões pelas quais está aqui e segue em frente. Isso muda as pessoas, muda a percepção sobre a vida, o amor, aqueles que você ama.

E como é a relação entre vocês no front de batalha?

Conheci muita gente na Ucrânia, tenho muito bons amigos e sei como eles são e não merecem que Putin faça toda essa porcaria. Esse cara está destruindo famílias, e se isso não te comove, você não é humano. A guerra muda você, eu não sou o mesmo e nunca mais serei o mesmo. Apesar disso, acho que tudo isso me fez uma pessoa melhor, vejo o mundo com outros olhos.

O senhor passou por momentos difíceis?

Perdi uma mulher e dois homens em combate, não é fácil contar para as famílias o que aconteceu, sabe? Dizer a eles que eles perderam um irmão, um filho... E, bem, aqui estão todas essas famílias que perderam tudo, suas casas, suas vidas. No final, tudo isso te deixa mais sensível. De vez em quando, eu paro e começo a chorar. Antes, muitas coisas não me comoviam, mas hoje vejo vídeos e eles me deixam mal. Espero que eu consiga lidar com tudo isso.

O que seus companheiros estrangeiros dizem para o senhor? Por que eles decidiram ir lutar na Ucrânia?

Creio que cada um tenha suas próprias razões, mas quando você pergunta para eles: "Amigo, o que você está fazendo aqui?", o que sai é quase sempre o mesmo. Eles falam do orgulho, da liberdade, de lutar contra a tirania e de fazer do mundo melhor.

Quão forte psicologicamente é preciso ser para se enfrentar a experiência da guerra?

Na verdade, você não sabe o quão forte você é mentalmente até estar aqui. Tem gente que vem, vê tudo explodindo e prefere ir embora. E não se trata de ser covarde. Você simplesmente não pode saber como é isso se você nunca viveu isso. Estive dentro de prédios que são constantemente bombardeados com fogo direto de tanques, onde tudo treme e te derruba no chão, onde o telhado literalmente cai em cima de você. Você não pode treinar para isso, mas depois de passar semanas sob fogo, literalmente caminhando sob um tanque disparando, você fica mais forte. Em Severodonetsk houve dias em que, enquanto comíamos, os morteiros explodiam a cem metros da nossa posição e, bem, você não pode parar de fazer as coisas porque há uma explosão. Você está lá, a artilharia está lá e atira.

Tropas ucranianas. "Conheci muita gente na Ucrânia, tenho muito bons amigos", diz brasileiroFoto: Gleb Garanich/REUTERS

Como espera que essa guerra termine?

Putin acabou de anunciar que vai convocar parte de sua reserva, então… Olha, eu estive no sul, estive em todas as frentes, e quando você olha para trás e vê que no começo Putin disse que estava procurando desnazificar a Ucrânia… puro lixo. Depois, ele disse que o país tinha que ser desmilitarizado e atacou toda a Ucrânia, inclusive perto da fronteira com a Polônia. Depois, disse que queria proteger o povo de Donetsk e Lugansk e protegê-lo da Ucrânia nazista e blá, blá, blá. Puro lixo para justificar a invasão.

E o que o senhor acha de tudo isso?

Todos sabemos que Putin quer o sul, que a intenção é tirar da Ucrânia o que a Rússia não tem, o solo fértil para plantar coisas e depois vendê-las ao mundo. Em vez de fazer acordos diplomáticos, fazer tratados comerciais, os russos preferem bombardear, conquistar e invadir, como se fazia há centenas de anos.

Eles querem acesso ao mar, querem o sul, querem saquear a Ucrânia. É por isso que ele tomou a Crimeia em 2014, porque ele quer criar a URSS novamente.

Mas como o senhor acha que isso vai acabar?

Pode ser que a Otan acabe se envolvendo, a China diga "vamos apoiar a Rússia" e pronto, entraremos na Terceira Guerra Mundial, uma guerra nuclear que não queremos enfrentar, porque ela vai destruir o planeta inteiro. Esse cara não é o mesmo Putin de 15 anos atrás, que queria negociar, que deu a volta ao mundo apertando mãos. Ele está envelhecendo, já vimos isso em pessoas como Hitler, que querem mais poder. Isso começou em 2014, e agora ele quer tomar toda a Ucrânia, e sabemos que depois ele vai tomar Belarus. Se não quisermos ver isso, temos que deter Putin agora.

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