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"Temos que lutar pela liberdade"

Sabine Kieselbach (kg)22 de novembro de 2015

Em entrevista à DW, escritor britânico de origem indiana, que já foi condenado à morte no Irã, afirma que Europa não deve se intimidar com a ameaça terrorista e critica ideia de "guerra contra o terror".

Foto: picture alliance/Geisler-Fotopress/P. Back

O escritor britânico de origem indiana Salman Rushdie é um dos principais representantes da literatura contemporânea. O autor é odiado em alguns países islâmicos desde a publicação do livro Os versos satânicos, de 1989, que levou o ex-líder iraniano aiatolá Khomeini a promulgar uma fatwa (pronunciamento legal do Islã) exigindo a morte de Rushdie.

Em entrevista à DW, o escritor que acaba de publicar o romance Dois anos, oito meses e 28 noites (C. Bertelsmann), critica a ideia de uma guerra contra o terrorismo. "Não se pode vencer essa guerra. Não se pode estabelecer um tratado de paz com terroristas", afirma.

Rushdie destaca a importância de a Europa lutar para manter as liberdades conquistadas e não se intimidar com as ameaças. O autor que se inspira em contos antigos diz que cada pessoa guarda uma força interior. "De repente, temos a capacidade de lidar com qualquer tipo de desastre."

DW: Em seu novo romance Dois anos, oito meses e 28 noites que somam por sinal 1.001 noites exatamente o senhor descreve uma guerra entre humanos e jinns (criaturas sobrenaturais). Quem vence?

Salman Rushdie: O livro tem um final feliz. Na verdade, eu não quero entregar o final (risos). Quando eu comecei a escrever esse livro, muitas coisas que temos nos ocupado no momento não existiam. Não havia, por exemplo, o "Estado Islâmico", por isso é estranho ver como o livro quase que por acidente se tornou bem atual.

O que o inspirou quatro anos atrás, quando começou esse trabalho?

Eu queria criar algo selvagem e completamente imaginário. Isso me levou novamente a seguir a direção das histórias antigas no estilo de Mil e uma noites. Na Índia, há muitas outras que fizeram eu me apaixonar por esse tipo de história, em primeiro lugar. Günter Grass [escritor alemão] teve um papel importante para mim. Ele se valeu de fábulas da Floresta Negra ou dos Irmãos Grimm para transformá-las em literatura contemporânea, como nos livros O linguado, O tambor ou A ratazana.

Os recentes ataques terroristas em Paris provocaram ainda mais medo?

Sim, mas apesar dos acontecimentos, fiquei impressionado com a vontade da capital francesa de deixar todo o medo de lado e voltar a viver a vida típica de Paris. Continuar a comer em restaurantes, ir a concertos e a partidas de futebol, continuarem parisienses. Essa é exatamente a resposta certa.

"Dois anos, oito meses e 28 noites", o novo livro de Salman RushdieFoto: C. Bertelsmann Verlag

O presidente da França, François Hollande, declarou guerra contra o EI. Estamos em guerra?

Certamente há alguém que está em guerra contra nós. Sempre tive reservas com o termo usado pelo governo Bush de "guerra contra o terror", porque não se pode vencer essa guerra. Não se pode formar um tratado de paz com terroristas. A guerra é dirigida contra pessoas comuns, mas também é uma guerra contra a cultura. Prazeres que valorizamos no Ocidente liberal, como música, entretenimento, boa comida e jogos de futebol, são inimigos dos fanáticos. A diversão parece ser o principal motivo de ódio, por isso, devemos continuar a fazer isso.

Por que escolheu escrever um livro sem elementos autobiográficos?

Já falei o suficiente sobre mim, eu penso. Vamos falar sobre as outras pessoas. Pessoas que estão levando suas vidas comuns e, de repente, algo assustador que muda suas vidas acontece. Como lidar com isso? Dentro de todas essas pessoas comuns há uma espécie de magia "jinn" latente. Elas são descendentes de um amor muito antigo entre a princesa Jinn e um ser humano. Frequentemente, encontramos no meio de nós ajuda moral, intelectual e emocional que não sabíamos que tínhamos. E, de repente, as pessoas têm a capacidade de lidar com qualquer tipo de desastre.

O senhor foi um dos principais críticos dos membros da PEN, associação internacional de escritores para a defesa da liberdade de expressão, que se opuseram ao jornal francês Charlie Hebdo. Qual foi o principal motivo?

Eles estavam errados, porque gostem ou não da revista, os jornalistas do Charlie Hebdo foram mortos por causa das caricaturas que desenharam. A PEN é uma organização de liberdade de expressão. Não reconhecer pessoas que foram ameaçadas e continuaram a trabalhar e, por isso, foram assassinadas é algo totalmente patético. Muitos críticos não sabiam, por exemplo, que esses cartunistas franceses não eram figuras odiadas, eles eram amados, e que a revista que caracterizavam como racista era na verdade famosa por ser anti-racista, que o principal alvo era a Frente Nacional [partido francês de extrema-direita]. Eu achei terrível eles terem desvirtuado os mortos de forma a protestar contra eles.

O senhor foi um dos convidados da Feira do Livro de Frankfurt e, na sua apresentação, você disse: "Nossa profissão, a profissão de escrever, parece cada vez mais uma cruzada". Uma cruzada contra o quê e contra quem?

Devemos nos empenhar em proteger essas liberdades preciosas que foram penosamente conquistadas. Nos últimos séculos, todos se beneficiaram das ideias de liberdade que se desenvolveram na Europa. Do continente europeu, as ideias se espalharam nas Américas, mas o ponto é: vivemos na parte mais sortuda do mundo, onde temos essa liberdade e esperamos continuar a tê-la. A maior parte do mundo não tem isso. China? Não. Boa parte do mundo islâmico? Não. A maior parte da África? Não. Se temos essas coisas devemos preservá-las. Temos que lutar por elas quando for necessário.

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