Visita de presidente sul-coreano a Tóquio é a primeira em 12 anos. Relações estavam estremecidas desde quando Japão invadiu a península, na primeira metade do século 20.
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O primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, e o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, se encontraram nesta quinta-feira (16/03) em Tóquio para reforçar as cooperações bilaterais principalmente em termos de segurança, devido aos investimentos e testes militares feitos pela Coreia do Norte nos últimos anos na região.
Os líderes das duas potências asiáticas também aproveitaram para confirmar que vão retomar as visitas diplomáticas recíprocas, que estavam emperradas nos últimos tempos. Esta foi a primeira vez que um presidente sul-coreano visitou Tóquio em 12 anos.
Parceiros-chave dos Estados Unidos na região, Japão e Coreia do Sul enfatizaram a "urgência" em melhorar as colaborações mútuas frente aos avanços de Pyongyang em seus programas nuclear e de mísseis, descritos por ambos como "uma ameaça a toda a Ásia".
Justamente horas antes da chegada de Yoon a Tóquio, a Coreia do Norte disparou um míssil balístico intercontinental que caiu no mar do Japão.
Além da retomada dos diálogos sobre segurança, os vizinhos falaram em "promover uma estreita cooperação e, juntamente com os EUA, tomar medidas firmes" diante de testes de armamentos, a exemplo do realizado nesta quinta pelos norte-coreanos, declarou Kishida.
Na mesma linha, Yoon afirmou que os dois países "normalizarão completamente" o chamado Acordo Geral de Segurança de Informação Militar (GSOMIA), que havia sido suspenso pela Coreia do Sul em 2019.
Por meio desse acordo, os dois países podem compartilhar dados de seus sistemas de radar que permitem detectar lançamentos de mísseis a partir da Coreia do Norte, ainda que o repasse de informações não ocorra em tempo real.
O primeiro-ministro japonês disse ainda que Tóquio e Seul também concordaram em retomar os diálogos sobre segurança com Pequim em nível vice-ministerial.
Laços econômicos
Além de questões de segurança, que é a maior preocupação de ambos os países na Ásia oriental, Japão e Coreia do Sul aproveitaram para implementar novamente também laços econômicos.
A mídia japonesa noticiou que uma das possíveis consequências do encontro entre os líderes pode ser um convite de Kishida para que Yoon, que tinha a reaproximação diplomática com o Japão como uma de suas bandeiras nas últimas eleições, há um ano, participe da cúpula do G7, em maio, em Hiroshima. A outra é uma posterior visita do primeiro-ministro japonês a Seul.
"O fortalecimento de laços entre Japão e Coreia do Sul no atual ambiente estratégico é urgente. Espero que essa visita alimente a confiança e a amizade e eleve significativamente as relações [entre os dois países]", declarou Kishida a repórteres, em uma coletiva de imprensa conjunta com Yoon.
Yoon e Kishida também informaram que darão início a novas conversas sobre segurança econômica. Nesta quinta, Tóquio anunciou que irá retirar as restrições de exportação sobre itens que afetam a indústria de semicondutores da Coreia do Sul. Com isso, Seul irá remover o protesto junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre essa questão.
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Relações estremecidas
O encontro desta quinta-feira marca um novo capítulo nas relações entre os dois países, que se distanciaram nos últimos anos devido a impasses relacionados à era colonial, quando o Japão anexou a península coreana ao seu império em 1910, incorporação que durou até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Nesse período, especialmente durante a guerra, o Japão é acusado de cometer atrocidades como a escravização de trabalhadores e a exploração sexual de mulheres. Disputas territoriais por diversas ilhas também entram nas argumentações.
Em 2018, a Suprema Corte da Coreia do Sul ordenou que empresas japonesas pagassem indenizações a vítimas e parentes.
O Japão rejeitou essa decisão, argumentando que as disputas da era colonial haviam sido resolvidas em 1965, quando as relações diplomáticas foram retomadas e Tóquio concedeu empréstimos bilionários a Seul.
Os japoneses, que depois da sentença impuseram sanções econômicas à Coreia do Sul, também disseram que manteriam seu pedido de desculpas histórico proferido em 1998.
No início de março, o governo sul-coreano aprovou um plano para compensar os cidadãos – ou seus descendentes – sujeitos a trabalhos forçados pelo Japão na primeira metade do século 20, sem qualquer envolvimento financeiro direto de Tóquio.
Especialistas céticos
Em janeiro, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, visitou Seul e Tóquio com o objetivo de reforçar a cooperação de ambos os territórios, localizados em uma região considerada importante para a segurança euro-atlântica.
Depois do encontro desta quinta, a aparente reaproximação foi bem recebida por parceiros ocidentais, especialmente pelos EUA.
Para Yuki Asaba, professor de estudos coreanos da Universidade de Doshisha, em Kyoto, no Japão, "a Coreia do Sul não pode mais se dar ao luxo de discutir questões bilaterais específicas".
Park Won-gon, professor de estudos norte-coreanos na Universidade Ewha de Seul, acredita que, apesar da reaproximação, os países ainda enfrentam desafios entre si.
"É significativo que as relações Coreia-Japão estejam finalmente começando a se normalizar, mas isso é um pouco complicado em termos de resultados. Tudo depende do nível que o primeiro-ministro Kishida está disposto a pedir desculpas pela história", disse ele à AFP.
gb/md (AFP, AP, EFE, Lusa, ots)
Guerra da Coreia, 70 anos depois
Combates na península coreana duraram mais de três anos. De um lado, o sul, apoiado pela ONU. Do outro, o norte, reforçado por China e URSS. Guerra acabou em 1953, com milhões de mortos e a divisão das Coreias cimentada.
Foto: AP
Fronteira da Guerra Fria
Em 27 de julho de 1950, as tropas da comunista Coreia do Norte atravessam o Paralelo 38, iniciando uma verdadeira campanha de ocupação. Em poucos dias, praticamente todo o país estava sob seu controle. É o início de uma guerra que durará 37 meses, custando 4,5 milhões de vidas humanas, segundo certas estimativas.
Foto: AFP/Getty Images
Antecedentes
Depois de ser ocupada pelo Japão de 1910 a 1945, a Coreia estava dividida desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O território acima do 38º paralelo norte ficou sob controle soviético, o do sul, na mão dos EUA. Em agosto de 1948, Seul proclama a República da Coreia. Em reação, o general Kim Il-sung cria no norte a República Popular Democrática da Coreia, em 9 de setembro do mesmo ano.
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Reforço da ONU
Seguindo o avanço dos norte-coreanos sobre o Paralelo 38, a partir de julho de 1950 as Nações Unidas decidem dar apoio militar à Coreia do Sul, por pressão dos EUA. São enviados para a península 40 mil soldados de mais de 20 países, entre os quais 36 mil norte-americanos. A sorte parece ter virado: logo os Aliados conseguem ocupar quase todo o país.
Foto: AFP/Getty Images
Codinome Operação Chromite
Em 15 de setembro de 1950, tropas ocidentais sob o comando do general Douglas MacArthur desembarcam perto da cidade portuária de Incheon, no sudoeste, capturando uma base central de suporte do Norte. Pouco depois, Seul está novamente na mão dos Aliados, que em outubro também ocupam Pyongyang. O fim da guerra parece próximo. Mas aí a China envia tropas de apoio aos norte-coreanos.
Foto: picture alliance/AP Photo
Ajuda de Mao
Em meados de outubro iniciava-se a intervenção chinesa. De início, a ajuda parte apenas de unidades de pequeno porte. No final do mês ocorre a primeira mobilização em grande escala na Coreia do Norte do "exército de voluntários" de Mao. Em 5 de dezembro, Pyongyang – única capital comunista ocupada por tropas ocidentais durante a Guerra Fria – está novamente nas mãos de norte-coreanos e chineses.
Foto: Claude de Chabalier/AFP/Getty Images
Pró e contra a bomba atômica
Em janeiro de 1951 começa uma grande ofensiva da Coreia do Norte, com apoio chinês. Cerca de 400 mil chineses e 100 mil norte-coreanos forçam as tropas aliadas a recuar fortemente. Em abril, o general MacArthur é destituído de seu posto, depois que o presidente Harry Truman lhe ordenara usar bombas atômicas contra a China. Seu sucessor é o general Matthew B. Ridgway.
Foto: picture-alliance/dpa
Guerra de exaustão
Em meados de 1951, mais ou menos na altura da linha de demarcação que separava o Norte e o Sul antes da guerra, as forças oponentes chegam a um impasse. A partir daí, começa uma encarniçada guerra de exaustão, que durará até o fim das operações de combate, dois anos mais tarde – embora as negociações de paz já tivessem sido iniciadas em julho de 1951.
Foto: Keystone/Getty Images
Batalha de ideologias
O conflito entre as Coreias é considerado a primeira "guerra por procuração" entre o Ocidente capitalista e o Oriente comunista. A maior parte dos soldados lutando nas tropas da ONU vinha dos Estados Unidos. No lado oposto, os norte-coreanos contaram com o reforço de centenas de milhares de chineses e russos.
Foto: AFP/Getty Images
Coreia do Norte em ruínas
Desde o início, foi uma guerra de ataques aéreos e bombardeios. Durante os três anos de combates, as forças aéreas das Nações Unidas realizaram mais de 1 milhão de operações. Ao todo, os americanos lançaram cerca de 450 mil toneladas de bombas, inclusive de napalm, sobre a Coreia do Norte. A destruição foi extensa: ao fim da guerra, quase todas grandes cidades estavam arrasadas.
Foto: AFP/Getty Images
Estimativas conflitantes
Quando, em 1953, as tropas aliadas se retiram da península coreana, o saldo é de milhões de mortos. Os dados sobre o número de soldados caídos são conflitantes. Calcula-se que morreram cerca de meio milhão de militares coreanos, assim como 400 mil chineses. Os Aliados registram 40 mil vítimas, 90% delas americanos.
Foto: Keystone/Getty Images
Troca de prisioneiros
Ainda durante os combates, de meados de maio a início de abril de 1953, ocorreu a primeira troca de presos entre os dois lados. Até o fim do ano, mais detentos seriam repatriados. A ONU devolveu mais de 75 mil norte-coreanos e quase 6.700 chineses. O outro lado soltou 13.500 pessoas, entre as quais 8.300 sul-coreanos e 3.700 soldados dos EUA.
Foto: Keystone/Getty Images
Cessar-fogo
Após mais de dois anos, as negociações de cessar-fogo iniciadas em 10 de julho de 1951 culminam no Armistício de Panmunjom. A divisão da península está sedimentada: o 38º paralelo norte é definido com fronteira entre as Coreias do Norte e do Sul. Mas como um tratado de paz nunca foi assinado, do ponto de vista do direito internacional os dois países se encontram até hoje em estado de guerra.
Foto: AFP/Getty Images
Terra de ninguém
O idílio na cidade fronteiriça de Panmunjom é enganoso. Até hoje, a fronteira ao longo do Paralelo 38 é a mais rigorosamente vigiada do mundo. Ao longo da linha estipulada no acordo de armistício de 1953, o Norte e o Sul são separados por uma zona desmilitarizada de cerca de 250 quilômetros de extensão e 4 quilômetros de largura. Aqui, soldados de ambos os lados se defrontam diariamente.