Ministro tomou decisões que tiveram profundo impacto no mundo político, como prisão de Delcídio do Amaral e afastamento de Cunha. Morte lança relatoria da Lava Jato num período de incertezas.
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Em seus quatro anos de atuação no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Teori Zavascki foi regularmente definido pela imprensa como uma "pessoa discreta". Pouco afeito a conceder entrevistas e se envolver em polêmicas, ele contrastava com os ministros mais midiáticos do Supremo, como Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. E coube a Teori tomar algumas das decisões mais importantes do tribunal nos últimos anos.
Sem ter tomado parte de grandes julgamentos públicos, como o do mensalão, ele só passou a ser mais conhecido no final de 2014, já com dois anos de Supremo, quando foi escolhido para ser o relator da Operação Lava Jato no tribunal. Enquanto o juiz Sérgio Moro julgava empreiteiros e outras figuras sem mandato, Teori era responsável por analisar o caso das dezenas de políticos envolvidos com o escândalo de desvios na Petrobras – e que tinham foro privilegiado. Era ele quem decidia sobre pedidos de habeas corpus relacionados à operação e a autorizava a abertura de inquéritos.
Em 2012, quando a então presidente Dilma Rousseff procurava um nome para preencher a vaga no STF deixada por Cezar Peluso, um assessor do Planalto disse que a petista queria alguém "muito experiente, muito preparado tecnicamente, que fosse discreto e educado, fora do tribunal e nos julgamentos". E completou: "Nada de espetáculo".
Trajetória
Nascido em agosto de 1948 na cidade de Faxinal dos Guedes, oeste de Santa Catarina, em uma família de descendentes de poloneses e italianos, Teori pavimentou sua carreira no Rio Grande do Sul. Ele formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1972 e era mestre e doutor em Direito Processual Civil pela mesma universidade.
Sua carreira na magistratura teria início em 1989, quando se tornou desembargador federal na região Sul. Em 2003, tornou-se ministro do Superior Tribunal de Justiça, onde atuou praticamente todo o tempo em matérias de Direito Público.
Quando Dilma finalmente anunciou a escolha de Teori para o STF, em 2012, poucos jornalistas e personalidades do mundo do Direito não ligadas ao STJ já tinham ouvido falar do ministro. Rapidamente, algumas informações começaram a aparecer sobre sua vida pessoal. Como o fato de ele ser torcedor do Grêmio e de gostar de despachar ouvindo Mozart e Beethoven.
Após assumir sua vaga no STF, tornou-se alvo de críticas de setores da direita brasileira no início de 2014 ao decidir pela absolvição de vários réus do mensalão da acusação de formação de quadrilha quando seus casos foram novamente analisados pelo tribunal.
Lava Jato
Teori voltou aos holofotes com a Lava Jato, especialmente em março de 2015, quando autorizou a abertura de inquérito para investigar 47 políticos suspeitos de participação nos desvios da Petrobras.
Ele tomou (e também evitou tomar) decisões que tiveram profundo impacto na política brasileira. Determinou, por exemplo, a prisão do senador Delcídio do Amaral (e posteriormente homologou sua delação). Essa foi a primeira vez desde a redemocratização que um senador em exercício teve a prisão decretada.
Teori também negou um pedido apresentado pela ex-presidente para paralisar o processo de impeachment e concedeu, em maio de 2016, uma liminar que afastou o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), do cargo.
Esta última decisão não ocorreu sem algumas críticas, já que Teori demorou cinco meses para proferir a decisão, deixando o terreno livre para que o deputado articulasse o processo de impeachment contra Dilma na Câmara. Teori também só tomou a decisão quando o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, colocou em pauta a discussão de outro pedido de afastamento de Cunha.
No período em que foi responsável pela relatoria, Teori pouco falou com a imprensa e adotou uma atitude de esfinge em muitos casos. Isso não evitou que sua atuação não fosse alvo de críticas e especialmente cobranças pela demora em analisar os casos da Lava Jato envolvendo políticos.
Críticas
Em dezembro de 2016, ele se defendeu afirmando que a maioria dos inquéritos da Lava Jato sobre os quais ainda não havia decisão continuava em poder da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. "Eu tenho em torno de cem inquéritos sobre matéria penal no meu gabinete. Eu não tenho nada atrasado. Depende muito mais do MP e da polícia do que dos juízes", disse na ocasião. "No meu gabinete, os processos não ficam parados."
Apesar de nunca ter se envolvido em polêmicas abertas no STF, chegou a abandonar a postura discreta em alguns momentos. Um deles ocorreu em outubro, quando criticou, durante uma audiência no STF, a atuação da força-tarefa da Lava Jato durante a apresentação de uma denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a hoje famosa "coletiva do PowerPoint". Na ocasião, ele chamou a apresentação de espetáculo midiático. "Realmente essa espetacularização do episódio não é compatível nem com aquilo que foi objeto da denúncia nem com a seriedade que se exige na apuração desses fatos."
Nos últimos dias, o ministro vinha analisando as homologações das delações de executivos da empreiteira Odebrecht. Com a morte de Teori, a relatoria da Lava Jato entra num período de incerteza. A primeira consequência deve ser o atraso na homologação da delação da Odebrecht. Também há dúvidas se os inquéritos da operação serão redistribuídos para outro ministro do Tribunal ou se eles terão que aguardar a nomeação de um novo ministro – a ser escolhido pelo presidente Michel Temer.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.