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Terceiro Mundo: depósito de lixo das nações ricas

(av)13 de setembro de 2006

Os casos de envenenamento na África apontam possivelmente para mais um capítulo na história do tráfico de detritos tóxicos entre as nações industrializadas e as em desenvolvimento.

Um dos depósitos venenosos em AbidjanFoto: picture-alliance/dpa

O escândalo do lixo tóxico na Costa do Marfim, o maior ocorrido na África desde 1988, continua se alastrando. As 400 toneladas de presumíveis dejetos de refinaria, altamente tóxicos, despejadas há três semanas em Abidjan já custaram a vida de seis pessoas.

Outros nove mil habitantes da capital marfinense que respiraram os gases emanados sofrem sintomas de envenenamento agudo. Segundo o diretor geral da Saúde local, estes números poderão crescer, pois entre mil e 1500 pessoas têm procurado diariamente os centros médicos. Especialistas vindos da França e da Suíça procuram ajudar a minorar os danos ecológicos.

Bandeira panamenha, navio grego, contratador holandês

Ainda não estão esclarecidas as circunstâncias que levaram à catástrofe. Sabe-se apenas que, na noite de 19 para 20 de agosto último, o navio Probo Koala desembarcou em Abidjan as 400 toneladas de detritos, distribuindo-as por nove depósitos de lixo da cidade de quatro milhões de habitantes.

A embarcação pertence a uma empresa grega e trafega sob bandeira panamenha, porém fora fretada pela firma holandesa Trafigura. Ainda não se conhece a procedência exata da carga tóxica. Sete possíveis implicados já foram detidos, entre os quais três funcionários do porto autônomo de Abidjan.

Na semana passada, o governo da Costa do Marfim renunciou em conjunto em conseqüência do escândalo. Uma comissão de emergência tenta tomar as rédeas da situação. A oposição marfinense critica severamente o governo por suas declarações insuficientes.

Segundo o jornal Le Matin Independent, o presidente Laurent Gbagbo estaria ciente dos carregamentos, sendo portanto acessório da ação ilegal. Cresce a certeza de que uma grande falcatrua se oculta por trás da catástrofe. Já se ouve os primeiros tímidos protestos naquele país do leste africano: "Não somos a lixeira do mundo".

Escândalos e acordos

Lixo tóxico de Mali

Porém este escândalo não é o primeiro do gênero, indicando que certas empresas de nações industrializadas insistem em ver no Terceiro Mundo o depósito para seu lixo tóxico, apesar das leis internacionais estarem mais rigorosas.

Em 1988, a Itália depositou dois mil barris de lixo radioativo em praias da Nigéria. Em 1992 a Alemanha levou para a Romênia e a Albânia 350 toneladas de pesticidas velhos, porém foi forçada a recolhê-los depois que o caso se tornou público.

Estes e outros episódios não só representam catástrofes ecológicas e humanas, como violam a Convenção da Basiléia. Criada em 1989 a partir de uma sugestão da Alemanha, ela foi assinada por 170 nações. O documento proíbe em especial a exportação de detritos para os países em desenvolvimento, onde não possam ser eliminados ou armazenados de forma ecológica.

A Convenção da Basiléia foi reforçada e ampliada por diversos acordos internacionais e regionais ulteriores, como o de Bamako, em Mali, ratificado por 12 países africanos em 1991.

Prováveis restos de limpezas de tanques

Andreas Bernstorff tem muitas histórias sujas para contar: durante sua atuação no Greenpeace, ele documentou mais de 80 escândalos envolvendo lixo tóxico. A maioria dos casos data da década de 80.

O próprio ambientalista pensava ser coisa do passado que nações industriais descarreguem suas substâncias químicas venenosas no Terceiro Mundo. Ele ficou surpreso ao saber do ocorrido na Costa do Marfim.

Até agora, os peritos não identificaram as substâncias que compõem a massa negra e viscosa. Os sintomas provocados – dificuldades respiratórias, sangramento nasal, vômitos, erupções dérmicas e dores de cabeça – levam a crer que contenha derivados de cloro e enxofre.

Bernstorff comenta: "Minha hipótese é que se trate dos restos da limpeza de um tanque de petróleo. Nos navios e refinarias, os tanques têm que ser limpos regularmente para livrá-los da camada de alcatrão que se forma no fundo. Para tal utilizam-se solventes à base de cloro e ácido sulfúrico".

Justificativa irrelevante

Enquanto na Costa do Marfim a catástrofe desencadeou um verdadeiro terremoto político, a Holanda indicia a firma responsável pelo frete do Probo Koala. Segundo Andreas Bernstorff, é "insubstancial" a alegação da Trafigura, de que dispunha de autorização para descarregar o lixo.

A empresa infringiu três acordos internacionais: além dos da Basiléia e Bamako, a UE se compromete no Acordo de Lomé a não exportar lixo para a África.

Michael Dreyer, da Sociedade de Cooperação Técnica (GTZ), concorda com Bernstorff que um escândalo destas proporções – embora um deslize lamentável – não é mais a regra. "A Convenção da Basiléia funciona relativamente bem", afirma, com base na própria experiência.

Eletrônicos e sucata preocupam mais que lixo químico

Falsa promessa de reciclagemFoto: picture-alliance / dpa/dpaweb

Bem mais grave do que o comércio com dejetos tóxicos é o aumento do lixo eletrônico e o sucateamento de navios. Aqui, as estratégias das empresas para encobrir a exportação ilegal são altamente criativas.

Por exemplo, elas não declaram computadores obsoletos como lixo, mas sim com o fim de conserto ou reciclagem. "No porto de Hamburgo, há contêineres cheios de computadores não embalados, que certamente não estarão intactos ao serem descarregados", revela Dreyer.

O lixo eletrônico é exportado sobretudo para a África Ocidental e a Ásia. "Na Nigéria, 85% dos componentes eletrônicos vindos do Oeste europeu ou da América do Norte acaba nos depósitos de lixo, onde são incinerados", acusa Bernstorff.
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