Durante quase 30 anos, ela comandou um quilombo na região do atual estado do Mato Grosso. Lei federal de 2014 institui dia com seu nome e homenageia mulheres negras.
Anúncio
Ao longo do século 18, o Quilombo do Piolho, também chamado de Quilombo do Quariterê, foi uma importante comunidade de resistência na região onde hoje é o Mato Grosso, próximo da atual fronteira com a Bolívia. Ali viviam não só escravizados negros que haviam conseguido fugir, como também indígenas, brancos pobres e mestiços.
O espaço teria sido criado e era comandado por um líder rebelde conhecido como José Piolho. Com sua morte, por volta de 1750, sua viúva assumiu as rédeas. E entrou para a história. Ela era Tereza de Benguela, uma mulher provavelmente nascida no ano de 1700 no antigo reino de Benguela, na África Central.
"Tereza foi uma líder quilombola, e as poucas menções conhecidas a ela a designam pelo termo ‘rainha', o que era comum [nesse contexto]", explica a historiadora Maria Helena Pereira Toledo Machado, professora na Universidade de São Paulo (USP) e autora de, entre outros, Geminiana e seus filhos — escravidão, maternidade e morte no Brasil do século XIX. "Sobre ela, o que sabemos são fragmentos apenas. Mas é muito importante para a historiografia estar recuperando esses personagens que preenchem o espaço vazio que é a atuação dos africanos e afrobrasileiros na história do Brasil."
"Ela se tornou a rainha do Pantanal. Quando o líder do quilombo faleceu, Tereza se tornou uma liderança forte", diz o jornalista Guilherme Soares Dias, pesquisador e fundador do Guia Negro. O epíteto "rainha negra do Pantanal" foi também a opção da escola de samba Unidos do Viradouro quando, no carnaval de 1994, homenageou a figura histórica.
Acredita-se que ela tenha fugido para o quilombo no início da década de 1740 e, lá, conhecido e se casado com José Piolho. É importante contextualizar que, nessa época, essa região mais a oeste do território colonial brasileiro estava em desenvolvimento por conta da mineração.
A professora Machado conta que "com o desenvolvimento da mineração" acabam se formando "muitos quilombos em áreas de fronteira e áreas mais despovoadas", geralmente combinando escravizados fugidos e indígenas deslocados "fugindo do avanço dos bandeirantes". Este parece ter sido o caso do Quilombo do Piolho.
Focos de resistência
Em seu sistema, Tereza criou um parlamento que se reunia semanalmente e contava com um conselheiro nomeado. Ela tinha autoridade sobre as estruturas política, econômica e administrativa. Por meio de saques a vilas próximas e trocas com homens brancos, o quilombo conseguiu ter armas, instrumentos de trabalho e até teares. Eles plantavam algodão e produziam tecidos que eram comercializados fora dos domínios do quilombo.
"Os grandes quilombos funcionavam como espécie de micronações, enclaves independentes no interior do sistema colonial", contextualiza o historiador Petrônio Domingues, professor na Universidade Federal de Sergipe (UFS). "Sem dúvida, eram focos de resistência à estrutura escravista, mas não necessariamente tinham no horizonte a derrubada do regime de cativeiro. Invariavelmente, lutavam era pela liberdade, vida com autonomia e meio de subsistência."
"[Ela] era uma rainha rígida e disciplinadora ao extremo, aplicando duros castigos físicos aos desertores, como enforcamentos, fraturas e enterramento vivo", afirma o pesquisador Paulo Rezzutti em seu livro Mulheres do Brasil: a história não contada.
Contraponto ao sistema escravocrata
Calcula-se que tenham vivido ali no quilombo pelo menos 100 pessoas. Historiadores analisam esse tipo de comunidade de resistência como um importante contraponto ao sistema escravocrata brasileiro. "Alguns quilombos eram como uma ideia de resistência, e sua existência ameaçava a escravidão como regime, mesmo que isso não fosse a sua razão de ser", explica o historiador Francisco Phelipe Cunha Paz, pesquisador doutorando na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da Associação Brasileira de Estudos Africanos.
Ele lembra que as "ações de resistência negra" foram se construindo "uma a uma a seu tempo e em seus territórios". E mesmo que não houvesse "uma consciência coletiva de derrubada do regime" não se pode "diminuir a importância dessas rebeliões escravas e quilombolas".
Cada vez mais, a existência do quilombo incomodava a aristocracia da região. Em 1770, uma expedição de bandeirantes foi organizada com o objetivo de pôr fim à comunidade. Foram cinco dias de batalhas, com revides de arma de fogo e flechadas por parte do grupo de Tereza. Por fim, o Quilombo do Piolho foi completamente destruído, alguns conseguiram fugir, outros foram mortos, e a maioria acabou presa.
Não há um consenso sobre o fim de Tereza. Rezzutti conta em seu livro que, ao ver seu sonho destruído, a rainha negra teria enlouquecido e se suicidado, como "gesto supremo de rebelião […] à dominação dos brancos".
Outras versões afirmam que ela teria conseguido fugir. Há ainda o relato de que a líder teria sido presa e, em seguida, degolada pelos invasores da comunidade.
Anúncio
Filme e carnaval
Em 2023 o cineasta Salles Fernandes lançou o curta-metragem Tereza de Benguela, buscando retratar como teriam sido os últimos dias da líder rebelde. Ele conta que se encantou com a história de Tereza anos atrás e passou a pesquisar mais. "Não havia quase nada feito sobre ela", diz. "Este foi o primeiro trabalho cinematográfico a homenagear Tereza de Benguela."
"Além de fazer esse resgate de sua história, a gente percebe que agora as pessoas têm uma imagem, têm uma noção de como ela foi", comenta. Ele diz que espera no futuro fazer um longa sobre o mesmo tema.
Em 2014 foi criado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em 25 de julho, mesmo dia em que a Organização das Nações Unidas (ONU) celebra o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Domingues cita essa iniciativa para comentar que a história de Tereza "vem se tornando, em escala crescente, conhecida no imaginário nacional".
"Ela, assim como Zumbi, é apropriada como um símbolo, um símbolo de luta e resistência negra […] e essa apropriação tem um caráter de gênero", diz ele. "Tereza de Benguela converteu-se em ícone sobretudo das mulheres negras."
O mês de novembro em imagens
O mês de novembro em imagens
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Protesto de agricultores franceses contra acordo UE-Mercosul entra no 3º dia
Agricultores franceses fizeram barricadas, fecharam a fronteira entre a Espanha e a França e jogaram chorume em frente a prédios públicos em protesto contra um possível acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul. O CEO do Grupo Carrefour na França, Alexandre Bompard, endossou a manifestação e interrompeu a compra de carne produzida pelos países do bloco sul-americano. (20/11)
Foto: Gaizka Iroz/AFP/Getty Images
PF desbarata complô de militares para matar Lula, Alckmin e Moraes
A Polícia Federal prendeu um membro da corporação e quatro militares ligados às forças especiais do Exército suspeitos de planejarem um golpe de Estado após as eleições de 2022 e de um complô para assassinar o presidente Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Inquérito envolve ainda o general Braga Netto, ex candidato a vice de Jair Bolsonaro. (19/11)
Foto: Evaristo Sa/AFP
Líderes do G20 no Rio de Janeiro
Brasil recebe líderes das 20 principais economias do planeta no Rio de Janeiro. Declaração final do encontro defende combate à pobreza, desenvolvimento sustentável, taxação de super-ricos e pede soluções diplomáticas para conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio. (18/11)
Foto: Kay Nietfeld/dpa/picture alliance
Biden visita a Floresta Amazônica
O presidente dos EUA, Joe Biden, chegou neste domingo a Manaus na primeira visita à Amazônia de um presidente americano em exercício, antes de seguir para o Rio de Janeiro para a cúpula do G20. Ele visitou uma reserva florestal, encontrou-se com líderes locais e sobrevoou de helicóptero uma parte da floresta e o encontro dos rios Negro e Solimões. (17/11)
Foto: Manuel Balce Ceneta/AP/picture alliance
No G20 Social, Lula defende "jornadas mais equilibradas"
O presidente Lula recebeu neste sábado a declaração final do G20 Social – iniciativa da presidência brasileira do G20 para sistematizar e levar propostas da sociedade civil aos chefes de governo dos países do grupo. Ele aproveitou o evento para se entrar no debate sobre a jornada de trabalho, em evidência após proposição de PEC que acaba com a jornada 6x1. (16/11)
Foto: Daniel Ramalho/AFP
Scholz pede a Putin "paz justa e duradoura" na Ucrânia
Na primeira conversa em quase dois anos, chanceler federal alemão (foto) defendeu negociações para encerrar a guerra, enquanto líder russo insistiu em "novas realidades territoriais" em solo ucraniano. Em entrevista de TV exibida no mesmo dia, o presidente ucraniano Volodimir Zelenski disse crer que a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos apressará o fim do conflito. (15/11)
Moraes associa atentado suicida em Brasília a "gabinete do ódio" de Bolsonaro
Após Jair Bolsonaro chamar a ação de um homem-bomba em Brasília de "fato isolado", o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reagiu dizendo que o episódio é fruto do clima extremismo que se instalou no país durante o mandato do ex-presidente. Moraes descartou anistia a golpistas: "Pacificação, só com responsabilização de criminosos." A PF apura o caso. (14/11)
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Biden dá as boas-vindas a Trump para iniciar a transição
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, e o atual mandatário, Joe Biden, estiveram reunidos hoje no Salão Oval da Casa Branca inaugurando formalmente a transição para o governo do republicano, que toma posse em 20 de janeiro. Trump enfatizou que "política é difícil" em seu retorno, embora tenha agradecido a Biden por seus esforços para garantir uma transição pacífica. (13/11)
Foto: AP/dpa/picture alliance
Eleições antecipadas à vista
O partido SPD, do chanceler Olaf Scholz, e a sigla de oposição CDU chegaram a um acordo: as eleições antecipadas para o Bundestag (parlamento alemão) serão realizadas em 23 de fevereiro. A decisão veio uma semana depois da demissão do ministro das Finanças, Christian Lindner, do neoliberal FDP, que selou o fim da coalizão tripartidária à frente do país, que contava ainda com os verdes. (12/11)
Foto: Fabian Sommer/dpa/picture alliance
Holanda impõe controles de fronteira para barrar ilegais
O governo holandês anunciou a imposição de controles extras em suas fronteiras terrestres para combater a imigração ilegal. "É hora de enfrentar o tráfico de migrantes de maneira concreta", disse ministra holandesa da Migração, Marjolein Faber. Medida tem caráter temporário, de acordo com as normas da União Europeia. (11/11)
Foto: Marcel van Hoorn/ANP/AFP
Ucrânia lança ataque de drones contra Moscou
Bombardeada com um número recorde de 145 drones, a Ucrânia reagiu atacando Moscou com ao menos 34 drones, na mais pesada investida contra a capital russa desde o início da guerra, em 2022. O ataque ucraniano interrompeu o tráfego aéreo em três grandes aeroportos de Moscou e feriu ao menos uma pessoa em um vilarejo nos subúrbios da cidade. (10/11)
Foto: Tatyana Makeyeva/AFP/Getty Images
Ataque suicida deixa mais de 20 mortos no Paquistão
Um ataque suicida executado em uma estação ferroviária da cidade paquistanesa de Quetta, na conturbada província do Baluchistão, deixou pelo mais de 20 mortos e 40 feridosl. O grupo separatista Exército de Libertação do Baluchistão (BLA) assumiu a responsabilidade em um comunicado divulgado nas redes sociais.(09/11)
Foto: Banaras Khan/AFP/Getty Images
Cúpula da UE termina sob espectro da reeleição de Trump
Líderes da UE prometeram dar novo impulso à economia do bloco europeu ao término da cúpula que reuniu chefes de governo dos 27 Estados-membros na Hungria. Resultado das eleições nos EUA motivou europeus a avançarem medidas para aumentar competitividade do bloco. Cúpula termina com promessa de reforçar defesa e combater alta nos custos de energia. (08/11)
Foto: Mehmet Ali Ozcan/AA/picture alliance
Biden pede união e promete transição pacífica nos EUA
“Você não pode amar seu país somente quando vence. Você não pode amar seu vizinho somente quando concorda. Algo que esperamos que possamos fazer, não importa em quem você votou, é nos vermos não como adversários, mas como concidadãos americanos. Reduzam a temperatura”, disse o presidente dos EUA, Joe Biden, em discurso na Casa Branca (07/11)
Foto: Ron Sachs/Pool/CNPZUMA Press Wire/IMAGO
Scholz demite ministro das Finanças e governo alemão fica por um fio
A tríplice coalizão partidária que governa a Alemanha desmoronou após o chanceler federal Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (SPD), exonerar o ministro das Finanças, Christian Lindner, que também é presidente do Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão). Num pronunciamento na televisão, Scholz explicou as razões da demissão e dirigiu palavras duras ao ex-ministro. (06/11)
Foto: ODD ANDERSEN/AFP/Getty Images
Trump derrota Kamala e retorna à Presidência dos EUA
Donald Trump foi eleito novamente presidente dos Estados Unidos, protagonizando um retorno dramático e triunfal à Casa Branca. O republicano derrotou de maneira decisiva sua rival democrata Kamala Harris ao superar a marca de 270 votos no Colégio Eleitoral dos EUA. E, em contraste com sua vitória anterior, em 2016, Trump ainda ficou à frente no voto popular. (06/11)
Foto: Brian Snyder/REUTERS
EUA vão às urnas para escolher o novo presidente
Os EUA foram às urnas para definir quem vai comandar a maior potência econômica e militar do mundo. Na disputa estão a democrata Kamala Harris – que pode ser eleita a primeira mulher a ocupar a Casa Branca – e o republicano Donald Trump – que tenta um retorno à Presidência quase quatro anos após deixar Washington em desgraça, na esteira de uma tentativa de golpe. (05/11)
Foto: Timothy D. Easley/AP Photo/picture alliance
Morre Agnaldo Rayol aos 86 anos
Após mais de 60 anos de carreira artística, morreu o carioca Agnaldo Rayol, em consequência de uma queda em sua residência. Cantor romântico, com o auge do sucesso na década de 1960, também protagonizou telenovelas e filmes em papéis de galã, e apresentou programas próprios na TV. Descendente de imigrantes, tocou os corações de seus fãs com canções em italiano, até nos anos 90. (04/11)
Foto: Fotoarena/IMAGO
População joga lama em rei da Espanha durante protestos pós-enchentes
Uma visita do rei e da rainha da Espanha e do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, às áreas atingidas pelas enchentes em Valência, no leste do país, terminou em confusão. Uma multidão atirou lama, pedras e objetos na comitiva e hostilizou as autoridades com gritos de "assassinos". O barro atingiu o rosto do rei Felipe VI e da rainha Letizia. (03/11)
Foto: Manaure Quintero/AFP/Getty Images
Espanha intensifica busca por sobreviventes após enchente
O governo espanhol enviou 10 mil agentes de segurança para auxiliar nas buscas por desaparecidos na região de Valência, leste do país, atingida por uma enchente de grandes proporções que deixou 211 mortos nesta semana. Esse é o maior emprego de forças do Exército espanhol em tempos de paz. A inundação já é considerada a segunda mais mortal deste século na Europa. (02/11)
Foto: Alberto Saiz/AP Photo/picture alliance
Alemanha facilita mudança legal de gênero
Maiores de 18 anos poderão requerer a alteração dos registros oficiais, adotando um novo prenome e gênero, ou até eliminando a indicação de gênero. Menores acima dos 14 anos também podem recorrer às novas regras, sob aprovação paterna ou por recurso legal. Em Berlim, que tem comunidade LGBT+ atuante, cerca de 1.200 requerimentos foram apresentados no primeiro dia de vigência da nova lei. (01/11)