Áreas indígenas e protegidas são as que menos emitem carbono
28 de janeiro de 2020
Estudo aponta que esses territórios são responsáveis por apenas 10% de todas as emissões de CO2 na floresta. Cientistas reforçam importância de fortalecer e preservar áreas sob a administração de povos indígenas.
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As terras indígenas (TIs) e as áreas nacionas protegidas (ANPs) da Floresta Amazônica representam apenas 10% de todas as emissões de carbono das florestas tropicais dos nove países amazônicos, revelaram pesquisadores nesta segunda-feira (27/01).
O estudo, publicado na revista científica americanaProceedings of the National Academy of Sciences, comprova a importância das terras indígenas para a manutenção dos estoques de carbono, que ajudam a regular o clima e evitar que o aquecimento global seja mais intenso.
A Amazônia, como a maior floresta tropical do mundo, é considerada fundamental para o combate às mudanças climáticas, pois armazena uma grande quantidade de carbono. As árvores absorvem dióxido de carbono do ar, em um processo conhecido como "sequestro de carbono". No entanto, quando são cortadas, liberam CO2 ao serem queimadas ou ao apodrecerem.
A pesquisa mostra que de 2003 a 2016 a Amazônia foi uma fonte líquida de carbono para a atmosfera: a região liberou cerca de 1.290 milhões de toneladas de carbono, quando contabilizados perdas e ganhos.
Pesquisas anteriores se concentraram amplamente nas emissões de carbono ligadas ao desmatamento. O novo estudo, porém, também leva em conta as emissões causadas por fatores naturais, como a seca, e ganhos obtidos com o crescimento da floresta.
Por meio de imagens de satélite e visitas de campo, a pesquisa mostrou que o crescimento de árvores ajudou as terras indígenas – que cobrem cerca de um terço da Amazônia – a registrarem a menor perda líquida de carbono.
Terras indígenas e áreas protegidas armazenaram mais da metade (58%) do carbono da região em 2016, mas foram responsáveis por apenas 10% da variação líquida, com 86% das perdas nessas terras compensadas por ganhos com o aumento da floresta.
Enquanto isso, áreas fora de TIs e ANPs foram responsáveis por cerca de 70% das perdas totais de carbono e quase 90% da variação líquida.
Das quatro categorias de terras consideradas pelo artigo, as TIs tiveram a menor perda líquida de carbono (-0,1%). Nas ANPs, essa cifra foi de -0,6% e, em terras sem proteção, de -3,6%.
Os autores defendem que o crescimento contínuo de florestas em territórios indígenas permitiu que essas terras compensassem as emissões de degradação e perturbação. Ainda assim, 47% da perda total de carbono em áreas protegidas em geral foi atribuída a esses dois fatores.
Importância da preservação
Ao publicar o artigo, os cientistas reforçam a importância de preservar as áreas indígenas. O estudo destaca que, "embora as emissões dentro dos territórios indígenas e áreas naturais protegidas permaneçam bem abaixo dos níveis externos, o desmatamento insustentável de florestas está em ascensão na região dos nove países".
"Nosso trabalho mostra que as florestas sob a administração de povos indígenas e comunidades locais têm melhores resultados de carbono do que as terras sem proteção, o que significa que seu papel deve ser fortalecido para que os países da bacia amazônica consigam manter esse recurso globalmente importante, ao mesmo tempo em que cumprem seus compromissos sob o Acordo Climático de Paris", avalia Wayne Walker, autor principal do estudo e cientista do Woods Hole Research Center, organização de pesquisa científica que estuda os impactos das mudanças climáticas.
O estudo usou e atualizou os dados publicados pela primeira vez na revista Science em 2017.
Participaram da pesquisa cientistas, especialistas em política e líderes indígenas ligados ao Woods Hole Research Center, Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Rede Amazônica de Informação Socioambiental (Raisg) e Fundo de Defesa Ambiental (EDF).
Criado em 1961 por decreto presidencial, ele está localizado no norte de Mato Grosso e, atualmente, é casa de 16 etnias. A principal via de ligação entre as aldeias é o rio Xingu.
Foto: DW/N. Pontes
Convívio com o rio Xingu
O Parque Indígena do Xingu foi a primeira área demarcada no país. Com cerca de 27 mil quilômetros quadrados, atualmente é casa de 16 etnias: aweti, ikpeng, kaiabi, kalapalo, kamaiurá, kĩsêdjê, kuikuro, matipu, mehinako, nahukuá, naruvotu, wauja, tapayuna, trumai, yudja, yawalapiti. O rio Xingu, onde os indígenas pescam, tomam banho e lavam roupas, é a principal via de ligação entre as aldeias.
Foto: DW/N. Pontes
Terra demarcada
Criado em 1961 por decreto presidencial como Parque Nacional do Xingu, a área incide sobre 10 municípios do norte de Mato Grosso. Embora os principais idealizadores tenham sido os irmãos Villas Bôas, o projeto foi escrito pelo antropólogo Darcy Ribeiro. As primeiras expedições datam de meados de 1880, comandadas pelo etnólogo alemão Karl von den Steinen. Hoje é chamado de Parque Indígena do Xingu.
Foto: DW/N. Pontes
Esforço logístico na floresta
O acesso a maior parte das aldeias do Xingu é feito por meio de barco. Existem poucas estradas que levam à área. Uma delas sai da cidade de Canarana (MT) e vai até a aldeia Kalapalo, num percurso de 250 km de estrada de terra. Para os indígenas, o transporte é difícil e caro: para cada viagem de barco é preciso calcular a quantidade de combustível necessária, que é trazido em galões da cidade.
Foto: DW/N. Pontes
Diaurum: o início do Parque
Os pés de manga foram plantados por Claudio Villas Bôas quando a aldeia Diauarum começou a ser formada (foto). Ela foi o segundo ponto de apoio com serviços do governo, como escola. Susana Grillo, a primeira professora a dar aula para crianças no território, entre 1975 e 1978, disse à DW Brasil que, na década de 1990, a aldeia foi o primeiro centro de formação de professores indígenas.
Foto: DW/N. Pontes
Cultura forte do povo kaiabi
Os kaiabi que fundaram a aldeia Ilha Grande, médio Xingu, foram trazidos da região do rio Teles Pires, onde sofriam com a invasão de empresas seringalistas. Atualmente, 250 pessoas moram na aldeia, que conta com posto de saúde e escola até o quarto ano fundamental. Na foto, cacique Sinharo se prepara para uma apresentação cultural com mulheres kaiabi.
Foto: DW/N. Pontes
Agricultura de subsistência
Nas aldeias do Xingu, cada família tem sua roça para subsistência. Na Ilha Grande, os indígenas cultivam batata, vários tipos de mandioca, cará, inhame, batata doce, milho, banana, abacaxi e amendoim (foto). A mandioca é muito usada para produzir farinha, beijus e mingaus. Alguns alimentos vêm da cidade, como sal e arroz.
Foto: DW/N. Pontes
Cacica Mapulu Kamayurá
Cacica Mapulu Kamayurá é uma das lideranças femininas mais antigas no Xingu. Detentora de conhecimentos ancestrais, ela recorre à medicina tradicional indígena para cuidar dos moradores. Na foto, ela conta a outras mulheres as suas principais preocupações: ameaça da perda de terra e desmatamento. Ela ganhou, em 2018, o Prêmio de Direitos Humanos, do ministério que hoje é gerido por Damares Alves.
Foto: DW/N. Pontes
Floresta preservada às margens do Xingu
O Parque do Xingu é marcado por grande biodiversidade e fica numa região de transição ecológica, com cerrados, campos, florestas de várzea, florestas de terra firme e florestas em Terras Pretas Arqueológicas. Entre duas usinas hidrelétricas, Paranatinga 2 e Belo Monte, os indígenas dizem sofrer com a queda do número de peixes. O tucunaré, um dos mais consumidos, está mais difícil de ser fisgado.
Foto: DW/N. Pontes
Fundo Amazônia no Xingu
Diversos projetos de desenvolvimento sustentável e preservação da floresta têm o apoiao de recursos do Fundo Amazônia no parque. Um deles é a Rede de Sementes do Xingu, que oferece sementes nativas para plantios de restauração, unindo comunidades indígenas, pesquisadores, organizações governamentais e não governamentais, prefeituras, movimentos sociais, agricultores familiares e produtores rurais.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento e soja
No entorno do Parque Indígena do Xingu, fazendas de grãos dominam o espaço. Mato Grosso é o maior exportador de soja do país. Estima-se que 66% das florestas nas proximidades foram desmatadas para dar lugar a grandes lavouras nos últimos 30 anos. O uso de agrotóxicos, secas e fogo descontrolado estão entre os principais impactos relatados pelos indígenas com essa mudança na paisagem.