1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
CatástrofeTurquia

Terremoto na Turquia e Síria: balanço de uma catástrofe

Burak Ünveren | Pelin Ünker | Rainer Sollich
6 de março de 2023

Passado um mês desde os abalos sísmicos, o drama das vítimas está longe de ter fim. Além de mortos, desabrigados e danos materiais, catástrofe tem repercussões sociais e políticas.

Vista aérea de cidade turca devastada
Devastação na província de Kahramanmaraş, TurqiaFoto: ISSAM ABDALLAH/REUTERS

As cifras são assustadoras: pelo menos 50 mil mortos, 214 mil prédios desabados ou em estado precário; somente na Turquia, as mortes e a destruição abrangem 11 províncias. Além disso, milhões perderam suas moradias e dependem de ajuda urgente.

Um mês após o devastador terremoto na Turquia e na Síria, ainda não é possível fazer um balanço completo das perdas e danos. Desde já, porém, está claro que se trata de uma das mais graves catástrofes naturais das últimas décadas na região.

Conta-se que o volume das vítimas crescerá, pois várias ainda não foram identificadas e outras sequer registradas oficialmente, e sobreviventes ainda procuram por seus familiares. Consultado pela DW sobre o número de desaparecidos no país, o Ministério da Justiça turco declinou de responder.

Negligência e irresponsabilidade custaram vidas

Logo após o desastre, entre os sobreviventes a raiva se uniu ao luto. Como podem ter desabado tantos edifícios, supostamente à prova de terremotos? Grande parte da culpa pela gravidade das consequências é atribuída à negligência do Estado turco.

Constatou-se que em muitos casos não se cumpriram as normas de construção. As autoridades consideram quase mil indivíduos suspeitos de corresponsabilidade pelo grande número de vítimas e danos. Até o momento, 236 foram presos e 330 estão sob "controle judicial". Foram expedidos mandados de prisão contra outros 270 suspeitos – cinco estão no exterior, 82 já foram soltos e 32 morreram.

Além disso, diversas medidas preventivas recomendadas simplesmente não foram aplicadas. Há anos, relatórios do Afad, o departamento de defesa civil da Turquia, alertam sobre os graves efeitos de um eventual abalo sísmico. Em seu documento Planos para minimização dos riscos de catástrofe, de 2020, o órgão previa um terremoto de magnitude 7,5 na província de Kahramanmaraş. Ignorado pelas autoridades, ao que tudo indica, esse prognóstico se concretizou em 6 de fevereiro de 2023.

Pai e filho retiram seus pertences de casa destruída em Antáquia, TurquiaFoto: ELOISA LOPEZ/REUTERS

Vítimas infantis desamparadas

Um dos grandes temas de debate na sociedade turca é o futuro das crianças atingidas, cujo número chega a 5 milhões, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Em 1º de março, o Ministério da Família e Assistência Social registrava um total de 1.911 vítimas infantis resgatadas dos destroços sem a necessidade de intervenções médicas pesadas – 1.543 já foram devolvidas às famílias. Quase cem se encontram sob custódia provisória do ministério, enquanto 81 ainda aguardam identificação.

O órgão rechaça boatos de que algumas teriam sido entregues a grupos e associações islâmicas ligadas ao governo. No entanto, a emissora Halk TV reportou que 60 crianças desamparadas foram acomodadas em três casas do bairro Beykoz, em Istambul, onde estariam sob a guarda de grupos islamistas.

Uma reportagem da DW revelou também que nove crianças foram tomadas dos pais e inseridas num assim chamado "curso de Alcorão", promovido pela comunidade radical Ismailaga. Em ambos os casos, uma associação pelo bem-estar de mulheres e crianças apresentou denúncia.

Custos financeiros e restrição de liberdades

Segundo o Departamento de Estatísticas (TÜIK), as 11 províncias da área da catástrofe totalizam 14 milhões de habitantes. A economia da região, centrada em têxteis, aço e energia, além de agropecuária, é responsável por cerca de 9,8% do PIB nacional.

O Banco Mundial calcula os danos materiais em até 34,2 bilhões de dólares. Em seu estudo detalhado sobre o impacto econômico do terremoto, por sua vez, o economista Mahfi Egilmez, ex-secretário de Estado no Ministério das Finanças turco chegou a 48,7 bilhões de dólares.

Seu cálculo inclui a remoção das ruínas e destroços, construção de novos prédios e reparos dos danificados e da infraestrutura, aos quais somam-se 2,5 bilhões de dólares em assistência financeira estatal.

A gigantesca tarefa de reconstrução incide numa época de crise econômica na Turquia. Especialistas antecipam que a destruição aumentará a demanda por diversos produtos e serviços, incrementando a inflação já elevada. O economista Murat Kubilay estima que a taxa alcançará no mínimo 50% até o fim do ano.

As liberdades de opinião e de imprensa, que há anos se encontram sob pressão governamental na Turquia, foram ainda mais restringidas após os tremores. O órgão regulador dos meios de comunicação privados, RTÜK, multou três emissoras de TV em cerca de 8 milhões de liras turcas (400 mil euros ou 2,2 milhões de reais) por seu noticiário sobre a catástrofe.

Também nos estádios de futebol manifestações de opinião indesejadas são objeto de punição. Após acusar o presidente Recep Tayyip Erdogan e seu governo de "20 anos de mentiras e fraude" e exigir sua renúncia durante uma partida, os torcedores do importante clube Fenerbahce foram proibidos de assistir a jogos futuros. Numa manifestação semelhante, fãs do Besiktas inundaram o campo com bichinhos de pelúcia, recordando sobretudo as vítimas infantis do desastre.

Controlada por rebeldes, Jindayris, na Síria, foi duramente atingida pelos abalos sísmicosFoto: Aaref Watad/AFP/Getty Images

Guerra civil e catástrofe na Síria

Há 12 anos a Síria enfrenta uma guerra civil, basicamente já vencida pelo regime de Bashar al-Assad com ajuda da Rússia e do Irã. No norte do país, o terremoto golpeou uma região já exaurida: segundo a mídia, cerca de 8,8 milhões de pessoas foram atingidas, e muitas estão desabrigadas. Até agora registraram-se 5.900 mortes, mas a cifra real deve ser muito mais elevada.

Nos primeiros dias após o terremoto, as vítimas sírias não receberam qualquer tipo de assistência; entre outros motivos, devido ao fechamento das passagens de fronteira. Nesse ínterim, ocorrem entregas de ajuda para o país, porém muitas não chegam até sua destinação, pois grande parte da área devastada não está sob o controle de Assad.

A cidade de Idlib, por exemplo, é considerada o último reduto do rebeldes, sob o poder de milícias na maioria fundamentalistas islâmicas, e seus mais de 2 milhões de habitantes são refugiados de outras partes do país. Assim, o auxílio oficialmente direcionado à Síria nunca chega lá, denunciam observadores e atingidos.

No noroeste, antes mesmo do terremoto cerca de 1,8 milhão de pessoas já viviam em barracas, abrigos ou casas simples. Agora, muitos têm que pernoitar ao relento sob temperaturas glaciais, ou morar em casas destroçadas ou em seus próprios automóveis.

Esse é o caso do pai de família Ammar Fayyad, de Idlib: "Meu filho e eu estamos traumatizados. As barracas custam de 200 a 400 dólares, não temos como pagar. Então decidimos ficar aqui."

Pular a seção Mais sobre este assunto