"Terrorismo é desculpa para suprimir direitos em Hong Kong"
William Yang ma
29 de maio de 2020
Ao impor uma lei de segurança, Pequim afirma querer proteger Hong Kong de ameaças terroristas. Residentes do território semiautônomo não estão convencidos da justificativa, afirma à DW o advogado Wilson Leung.
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O Congresso Nacional do Povo, órgão máximo legislativo da China, aprovou nesta quinta-feira (28/05), a controversa proposta de lei de segurança nacional para Hong Kong. O plano provocou nova onda de protestos no território semiautônomo, onde manifestantes pró-democracia acusam Pequim de tentar minar o modelo "um país, dois sistemas", que garante liberdades no território inexistentes na China continental, criando um molde legal para punir dissidentes, como já ocorre no continente, e aumentar seu poder sobre a região.
"O medo é que Pequim use a nova lei para reprimir o contraditório, a oposição e o ativismo, inclusive o pacífico", afirma o advogado e ativista pró-democracia Wilson Leung, em entrevista à DW. Atuante num tribunal de Hong Kong, Leung estudou ciências políticas e direito na Escola de Economia e Ciência Política de Londres, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e na Universidade de Hong Kong.
DW: Por que muitos honcongueses estão preocupados com o anúncio de que uma lei de segurança formulada e adotada por Pequim deve ser aplicada futuramente na região administrativa especial?
Wilson Leung: O medo é que Pequim use a nova lei para reprimir o contraditório, a oposição e o ativismo, inclusive o pacífico. Isso já está acontecendo no continente, onde o mesmo método é usado contra dissidentes.
Subversão é um dos crimes visados pela lei. Desse modo, a liderança chinesa já tomou medidas contra Liu Xiaobo, o pastor Wang Yi e Wang Quanzhang. Há um grande medo de que isso também venha a acontecer em Hong Kong.
Existem sinais de que isso poderia ir nessa direção?
Sim. O [jornal ligado ao Partido Comunista Chinês] Global Times já mencionou [o empresário pró-democrático] Jimmy Lai, cujos tuítes certamente poderiam ser usados como evidência de que ele tenta minar o poder do Estado. E o ex-presidente-executivo de Hong Kong, CY Leung, já disse que a vigília anual de 4 de junho em Hong Kong [aniversário da supressão dos protestos estudantis na China em 1989] poderia ser proibida sob a nova lei.
O que o senhor diz sobre a justificativa da liderança de Pequim de que a lei é necessária para o combate do terrorismo?
Eu digo que as ditaduras em todo o mundo, incluindo a do Partido Comunista Chinês, estão exagerando fortemente a ameaça do terrorismo para reprimir os direitos de milhões. Relatores especiais da ONU alertaram repetidamente Pequim sobre o perigo de uma interpretação ampla demais das leis locais antiterrorismo existentes em Hong Kong, mais recentemente no final de abril.
E, apesar dessas medidas já existentes contra o terrorismo, os líderes em Pequim e Hong Kong sentem-se compelidos a justificar a nova e restritiva lei de segurança com uma suposta ameaça terrorista. Então dá para ver que a coisa toda é apenas uma desculpa.
Não houve preparativos para ataques de ativistas?
Evidências de atos ou planos terroristas em Hong Kong são extremamente frágeis. Houve algumas prisões por supostos achados de bombas em circunstâncias duvidosas. Nesses casos, quase não havia conexão com os manifestantes e certamente não com a corrente principal do movimento democrático. Se trata aqui da bem conhecida instrumentalização de frases como "terrorismo" e "segurança nacional" para suprimir direitos. Face aos eventos na região noroeste de Xinjiang, acho isso extremamente perturbador.
O senhor realmente acredita que poderiam se repetir em Hong Kong as medidas já implementadas contra a minoria muçulmana em Xinjiang?
Certamente não em termos do número de pessoas que foram colocadas em campos de detenção. Mas a abordagem básica é a mesma: você exagera um número muito limitado de incidentes violentos para privar muitos de seus direitos.
Haverá maneiras de se defender contra o abuso da nova lei de segurança?
Será muito difícil se defender legalmente contra o abuso desta lei. Antes de tudo, é muito improvável que ela venha a ficar subordinada à Declaração de Direitos de Hong Kong, que protege a liberdade de expressão, entre outras coisas. Essa é uma legislação local do território. A nova lei de segurança é uma lei em nível nacional. É mais do que duvidoso que esta lei nacional venha a ser restringida por uma lei local.
Ainda mais importante é o fato de que a competência final para interpretar a Lei Básica de Hong Kong cabe ao Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo. Então, ele poderia dizer: "A nova lei não é passível de restrições pela Declaração de Direitos". Com essa interpretação, a nova lei estaria automaticamente fora do escopo da "Declaração de Direitos".
Que outros perigos para a proteção contra a arbitrariedade o senhor vê com a nova lei de segurança?
O grande medo aqui é que a nova lei não esteja sujeita às restrições impostas pelos mecanismos de proteção dos direitos humanos de Hong Kong. Também é questionável se o uso indevido da lei poderá ser tratado pelos tribunais de Hong Kong. Afinal, as autoridades do continente é que deverão ser responsáveis pela aplicação da lei. Será que elas poderão ser presas e interrogadas pelas autoridades de Hong Kong se houver suspeita de violação? Isso é bastante improvável.
Portanto, a questão é se a nova lei de segurança estará ou não totalmente fora do sistema legal de Hong Kong. Se o Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo fizer tal interpretação, os tribunais de Hong Kong não terão competência sobre ela.
Duas décadas depois de Hong Kong retornar ao domínio chinês, predomina entre muitos moradores a insatisfação com a ingerência de Pequim e o desejo por mais democracia.
Foto: Reuters/D. Martinez
1997 - Devolução à China
Após 156 anos de domínio britânico, Hong Kong era devolvida à China exatamente à zero hora de 1º de julho de 1997. Soldados do Exército de Libertação Popular içaram a bandeira chinesa, em sinal de supremacia sobre a antiga colônia britânica. O contrato para a devolução já havia sido assinado em 1984.
Foto: Reuters/D. Martinez
1998 - Ameaça de crise econômica
A crise financeira asiática de 1997-98 levou economias emergentes a impor controles comerciais ou à compra de ativos para tranquilizar investidores. Hong Kong surpreendeu o mercado em agosto de 1998 com uma intervenção de 15 bilhões de dólares para se defender de ataques especulativos. Os apoiadores da iniciativa dizem que isso salvou a cidade.
Foto: Reuters/L. Chan
1999 - Reagrupamento de famílias
As esperanças de um rápido reagrupamento das famílias separadas pela fronteira foram logo destruídas. Embora a Suprema Corte de Hong Kong tivesse concedido amplos direitos de residência, o governo chinês derrubou a decisão a pedido do governo de Hong Kong. Na foto, mais de cem visitantes da China continental protestaram para obter permissão de residência imediata em Hong Kong.
Foto: Reuters/B. Yip
2000 - Sucesso com a bolha
Em fevereiro de 2000, investidores entraram numa fila diante do banco HSBC para comprar ações da empresa Tom.com. Ao se lançar na bolsa de valores, a empresa – que existia apenas na internet – do bilionário Li Ka-shing conseguiu angariar quase 100 milhões de dólares pouco antes de estourar a bolha "dot-com".
Foto: Reuters/B. Yip
2001 - Conflito com grupo espiritual
Seguidores do movimento espiritual Falun Gong protestam regularmente em Hong Kong desde que o grupo foi banido pela China em 1999, sob a acusação de divulgar superstições e manipular as pessoas psicologicamente. Em 2002, 16 seguidores foram condenados por causa de protestos diante da representação da China em Hong Kong. A Suprema Corte do território reverteu metade das sentenças.
Foto: Reuters/K. Cheung
2002 - Famílias desesperadas
A questão das autorizações de residência acirrou-se em 2002, quando Hong Kong começou a deportar 4 mil chineses continentais que haviam perdido batalhas legais para residir no território. Houve protestos dos solicitantes e de seus apoiadores. Na foto, parentes de migrantes chineses depois de terem sido expulsos de um parque no centro de Hong Kong.
Foto: Reuters/K. Cheung
2003 - Nas mãos de um vírus
A Sars, uma doença viral semelhante à gripe, atingiu Hong Kong de tal forma que, em março de 2003, a Organização Mundial da Saúde a declarou uma pandemia. Até a cidade ser considerada livre da doença, em junho, 299 pessoas morreram, entre elas Tse Yuen-man. A médica de 35 anos esteve entre os primeiros voluntários a cuidar de pacientes com Sars. Em seu funeral, ela recebeu as mais altas honras.
Foto: Reuters/B. Yip
2004 - Frustração com Pequim
Centenas de milhares de pessoas participaram de protestos no sétimo aniversário da devolução à China. Pequim descartou o sufrágio universal em Hong Kong em 2007 ou 2008 e continuou freando as reformas políticas. Além disso, a China decretou que o governo de Pequim precisa aprovar qualquer alteração no direito de voto em Hong Kong, o que praticamente elimina qualquer aspiração democrática.
Foto: Reuters/B. Yip
2005 - Violência em protestos
Reuniões da Organização Mundial do Comércio regularmente são alvos de protestos dos adversários da globalização. Em Hong Kong, no final de 2005, não foi diferente. A polícia usou canhões de água e gás lacrimogêneo contra os manifestantes.
Foto: Reuters/L. Jae-Won
2006 - Conflito com o Japão
A China e o Japão disputavam um grupo de ilhas desabitadas. Acreditava-se que perto delas houvesse reservas de petróleo e de gás. Em outubro, um barco com ativistas de um comitê para defender as ilhas Diaoyi e que tem base em Hong Kong se aproximou 20km da ilha principal até ser interceptado por um barco de patrulha japonês.
Foto: Reuters/P. Yeung
2007 - Preservar a história
Um píer da era colonial tornou-se pivô de nova polêmica. O governo queria removê-lo para recuperar terras e construir estradas. Ativistas furiosos que consideravam o píer um local histórico lutaram pela sua preservação. O embate atingiu seu ponto alto em agosto, quando a polícia removeu um acampamento de ativistas e pessoas em greve de fome que já durava três meses. Em 2008, o píer foi demolido.
Foto: Reuters/P. Yeung
2008 - Morar em gaiolas
Terrenos cada vez mais caros tornaram os aluguéis impagáveis para muitas pessoas em Hong Kong. Milhares de moradores passaram a viver em gaiolas, onde dispunham de cerca de 1,4 m2. Em geral, um cômodo tem oito dessas caixas de arame. Em 2017, estima-se que 200 mil pessoas vivam assim ou disponham de apenas uma cama em apartamentos divididos.
Foto: Reuters/V. Fraile
2009 - Contra o esquecimento
Moradores de Hong Kong vestidos de preto e branco fizeram uma vigília no 20º aniversário da violenta repressão aos manifestantes pró-democracia na Praça da Paz Celestial em Pequim em 1989. O Victoria Park, no centro de Hong Kong, transformou-se num mar de velas.
Foto: Reuters/A. Tam
2010 - Projetos indesejados
Crescia em Hong Kong a insatisfação devido à falta de democracia e o fato de o governo não ter de prestar contas. As raiva coletiva é descarregada em forma de protestos contra os planos do governo de construir um trajeto para trens de alta velocidade ligando Hong Kong ao continente. O projeto ferroviário, não implementado até hoje, previa a destruição de um vilarejo.
Foto: Reuters/B. Yip
2011 - Protestos com papel
Um controverso projeto de lei que eliminou o mecanismo de eleições suplementares para o Conselho Legislativo gerou vários dias de protestos em frente ao prédio do conselho. Centenas de manifestantes jogaram aviões de papel com mensagens políticas contra o prédio.
Foto: Reuters/B. Yip
2012 - Desafios da administração
Leung Chun-ying (à esquerda) presta juramento como chefe de governo da região administrativa especial, diante do então presidente chinês, Hu Jintao. Ele prometeu mais democracia e moradias mais acessíveis. Apesar de medidas de contenção, os preços continuaram subindo, e as reformas políticas ainda estão emperradas. Leung Chun-ying não concorreu a um novo mandato.
Foto: REUTERS/File Photo/B. Yip
2013 - Hong Kong no foco da imprensa
Quando começaram a ser publicadas notícias sobre Edward Snowden e segredos dos EUA, o especialista em TI estava em Hong Kong. Apesar de os Estados Unidos terem pedido sua extradição, Hong Kong deixou Snowden voar para Moscou, onde ele recebeu asilo político. Enquanto alguns veem em Snowden um denunciante corajoso, outros o consideram um traidor da pátria.
Foto: Reuters/B. Yip
2014 - Protestos de guarda-chuva
Durante dois meses, Hong Kong teve grandes manifestações pró-democracia. A exigência era a escolha completamente democrática do chefe de governo. A marca registrada dos protestos foram os guarda-chuvas usados pelos manifestantes para se proteger do spray de pimenta da polícia. As manifestações são vistas como o maior desafio à autoridade da China desde o movimento por mais democracia, em 1989.
Foto: Reuters/T. Siu
2015 - Liberdade de expressão no estádio
A partida de futebol entre China e Hong Kong pelas eliminatórias da Copa de 2018 foi palco de protestos. Torcedores de Hong Kong empunharam cartazes com os dizeres "Hong Kong não é China" enquanto era tocado o hino nacional chinês. Há muita tensão entre os dois lados desde os "protestos dos guarda-chuvas". O jogo acabou em 0 a 0.
Foto: Reuters/B. Yip
2016 - Até correr sangue
Novos protestos foram realizados em Hong Kong. Mais uma vez, a polícia usou spray de pimenta e cassetetes. A razão: as autoridades tentaram remover vendedores de rua ilegais num bairro operário. Foram as mais violentas batalhas de rua desde os protestos de 2014.
Foto: Reuters/B. Yip
2017 - O tempo passa
No parque memorial rei George 5º, um dos poucos parques onde ainda há uma ligação com o passado colonial, as raízes de uma figueira cobrem uma placa, 20 anos após a devolução de Hong Kong à China pelos britânicos.