Atentado no aeroporto de Istambul é mais um baque para o setor no país, já abalado nos últimos meses por outros ataques. Clima de medo entre turistas pode afetar economia nacional como um todo.
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A metrópole Istambul tem fama de ser a porta para a Turquia, o encontro não só de dois continentes, como também de duas religiões mundiais. Cerca de 1.500 anos atrás, o imperador romano Justiniano 1º mandou construir na então Constantinopla o templo de oração mais imponente do mundo cristão. Nove séculos mais tarde, os otomanos, ancestrais dos turcos, conquistaram a cidade e transformaram a edificação numa mesquita, a Hagia Sophia (sagrada sabedoria).
Em janeiro de 2016, nas proximidades do local de culto, 12 turistas alemães foram mortos numa explosão. Em consequência, caiu sensivelmente o número de turistas alemães no país mediterrâneo – sua terceira destinação preferida. Segundo a associação alemã de turismo DRV, a procura do país caiu 35% nos primeiros meses do ano. Em 2015, 5,6 milhões de alemães haviam visitado a Turquia, formando assim o grupo turístico mais numeroso.
Pouco antes dos atentados desta terça-feira (28/06) no Aeroporto Atatürk, em Istambul, o Ministério do Turismo em Ancara havia divulgado que em maio o total de turistas estrangeiros se limitara a 2,5 milhões – 34,7% menos do que no ano anterior. O recuo dos visitantes alemães circula na mesma faixa, e quase não se encontram mais turistas russos na Turquia: seu número caiu 92% em relação a 2015.
Agentes de turismo pessimistas
Deste modo, o novo ato de terrorismo, com 41 mortos, já encontra o turismo turco num estado bastante ruim. "Deve-se partir do princípio que o ataque atingirá ainda mais a já fraca atividade turística na Turquia", avalia Necip C. Bagoglu, representante em Istambul do Instituto Germany Trade and Invest (GTAI), uma agência do governo.
Os representantes do turismo alemão tampouco veem perspectivas de uma recuperação rápida do debilitado ramo econômico no país mediterrâneo. "Trata-se de um novo revés para a Turquia", declarou um porta-voz do conglomerado de viagens Thomas Cook nesta quarta-feira. A TUI, principal firma do setor na Alemanha, prevê uma queda de 50% nas reservas para o país.
O turismo é um dos principais setores econômicos turcos, perfazendo cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. O turismo urbano na metrópole Istambul representa um papel importante, mas o principal foco de atração são as belas praias do país e seus preços acessíveis.
Da Grécia para a Turquia – e de volta
No auge da crise do euro, a Turquia acusou extraordinárias taxas de crescimento no setor, enquanto a concorrente Grécia se debatia com uma situação política insegura e o euro caro. Agora a onda de terror volta a direcionar o fluxo de turistas alemães da Turquia para a Grécia.
O representante da GTAI Necip C. Bagoglu acredita que os atentados terão efeitos negativos para toda a economia nacional como um todo, numa proporção que "cabe esperar para ver".
Na prática, porém, a economia turca ainda está em crescimento. No primeiro trimestre de 2016, o PIB apresentou um aumento real de 4,8% em relação ao ano anterior. Para o ano inteiro, os prognósticos são de um crescimento total de 3,5 a 4%.
Para uma nação industrial como a Alemanha, tais cifras soam bem positivas. Num país emergente como a Turquia, contudo, isso representa, um crescimento mediano. No início da década de 2000, quando o atual presidente Recep Tayyip Erdogan assumiu a chefia de governo, o crescimento econômico chegou à casa das dezenas.
Hagia Sophia na disputa das religiões
A Basílica de Santa Sofia, ou Hagia Sophia, em Istambul, é objeto de uma disputa. Nacionalistas turcos querem transformar atual museu em mesquita; enquanto o patriarca dos cristãos ortodoxos quer que volte a ser igreja.
Foto: picture-alliance/Marius Becker
Marco arquitetônico
No ano de 532, o imperador romano Justiniano 1º, que residia em Constantinopla, ordenou a construção de uma imponente igreja, "como não existe desde a época de Adão e nunca existirá novamente". Mais de 10 mil operários trabalharam nela. Dentro de apenas 15 anos, a estrutura externa era inaugurada. Durante um milênio a basílica foi o maior templo do cristianismo.
Foto: imago/blickwinkel
Palco de representação estatal
Consta que Justiniano 1º investiu quase 150 toneladas de ouro na construção da Hagia Sophia ("Sagrada Sabedoria" em grego). Mas em breve ela precisou ser reformada: projetada com uma forma plana demais, sua cúpula desabou durante um terremoto. Em breve a basílica passou a ser utilizada como igreja do Estado. Desde meados do século 7º, quase todos os soberanos bizantinos foram coroados nela.
Foto: Getty Images
De igreja a mesquita
O domínio bizantino sobre Constantinopla teve fim em 1453, quando o sultão otomano Mehmet 2º conquistou a cidade e transformou a Hagia Sophia em mesquita. Cruzes cederam lugar à lua crescente, sinos e altar foram destruídos ou desmontados, mosaicos e pinturas murais foram caiados por cima. Com a construção do primeiro minarete, o prédio sacro ganhou aparência muçulmana também por fora.
Foto: public domain
De mesquita a museu
Em 1934, o fundador da República da Turquia, Mustafa Kemal Atatürk (foto), transformou em museu a "Ayasofya", como é denominada em turco, na atual metrópole de Istambul. A secularização acarretou minuciosos trabalhos de restauração. Os antigos mosaicos bizantinos foram revelados, porém cuidou-se também para não destruir os posteriores acréscimos muçulmanos.
Foto: AP
Islã e cristianismo lado a lado
A agitada história da Hagia Sophia se apresenta a cada passo aos visitantes atuais: nesta foto, os nomes "Maomé" (esq.) e "Alá" (dir.) ladeiam Nossa Senhora com Jesus no colo (ao fundo). Notáveis são também as 40 janelas da grande cúpula: além de deixar entrar a luz, elas impedem que rachaduras se expandam, destruindo a estrutura cupular.
Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images
Ícones bizantinos
O mosaico mais imponente da Basílica de Santa Sofia (como também é conhecida no mundo cristão) é uma imagem do século 14, na parede da galeria sul. Mesmo não estando completamente preservado, os rostos ainda estão bem visíveis: no meio aparece Jesus, como senhor do mundo, Maria está à sua esquerda e João, à direita.
Foto: STR/AFP/Getty Images
Proibido rezar
Hoje em dia é proibido orar na Hagia Sophia. Bento 16 também obedeceu essa determinação durante a visita que fez ao local, em 2006, a qual transcorreu sob forte esquema de segurança, devido aos protestos dos nacionalistas contra a presença do papa. Recentemente a associação nacionalista-conservadora Juventude Anatólia reuniu 15 milhões de assinaturas, para que o museu volte a ser mesquita.
Foto: Mustafa Ozer/AFP/Getty Images
Alto valor simbólico
Não faltam construções sacras muçulmanas nas cercanias da Hagia Sophia. Logo ao lado erguem-se os minaretes da Mesquita do Sultão Ahmed, também conhecida como Mesquita Azul (dir.). Os nacionalistas exigem a transformação da basílica em mesquita: ela simbolizaria a tomada de Constantinopla pelos otomanos, constituindo, portanto, um legado islâmico que precisa ser preservado.
Foto: picture-alliance/Arco
Reivindicações ortodoxas
O patriarca de Constantinopla Bartolomeu 1º também reivindica a Hagia Sophia. Há anos o líder honorífico de todos os cristãos ortodoxos apela para que a basílica seja reaberta à liturgia. "A Hagia Sophia foi construída para ser testemunha da fé cristã", argumenta o bispo ortodoxo.
Foto: picture-alliance/dpa
Destino em aberto
O futuro da Hagia Sophia é incerto. Até agora, somente o partido nacionalista MHP reivindica a transformação do museu em mesquita. Dois requerimentos seus já fracassaram no Parlamento. O governo turco não se manifesta sobre essa questão, aparentemente em reação a protestos internacionais. A Unesco também está preocupada: afinal, desde 1985 a Hagia Sophia é Patrimônio Cultural da Humanidade.