Após prisão de seis pessoas acusadas de planejar atos terroristas na Alemanha, especialista Florian Hartleb afirma que perigo de atentados de extrema direita no país não deve ser subestimado.
Para o cientista político Florian Hartleb, esse perigo é real e crescente, "também devido ao debate polarizador sobre os refugiados". "Quanto mais durar esse discurso polarizador sobre a política de refugiados, mais provável se torna a formação de tais grupos terroristas de direita", afirmou, em entrevista à DW.
Hartleb, que estuda principalmente o extremismo de direita e o populismo, é o autor de Einsame Wölfe – der neue Terrorismus rechter Einzeltäter (Lobos solitários – o novo terrorismo praticado por criminosos que agem sozinhos, em tradução livre).
DW: Que tipo de grupo é o Revolução Chemnitz, e qual o seu grau de periculosidade?
Florian Hartleb: O grupo foi descoberto nos estágios iniciais. Não houve um atentado terrorista. Houve ataques e uma ação. A coisa toda deveria ser parte de uma ação simbólica típica do terrorismo, como escolher o Dia da Unidade Alemã. Sabe-se também que alguns líderes são conhecidos na cena extremista de direita.
O grupo defende mesmo nada menos que uma mudança da ordem política democrática?
Não é atípico que terroristas proclamem uma revolução social. Vimos isso também nos anos 1970 e 1980 no caso da RAF [Fração do Exército Vermelho – grupo terrorista de esquerda, na época em atividade na Alemanha Ocidental].
Além disso, o terrorismo de direita é um perigo crescente [na Alemanha] também devido ao debate polarizador sobre os refugiados. Esse perigo também se percebe por meio da cena dos Reichsbürger [Cidadãos do Reich], que cresceu muito, e que se pode, sim, recorrer a atos terroristas, por exemplo quando ocorrem ataques a policiais.
Aparentemente, o Revolução Chemnitz foi formado recentemente a partir de vários grupos. Isso ocorreu de forma espontânea ou existe uma organização real, talvez até mesmo uma liderança forte por trás disso?
É preciso que tudo isso ainda seja investigado. Mas é certo que os eventos em Chemnitz foram o estopim para que se passasse a agir agora.
Um atentado em grande escala foi frustrado. O senhor acha que as autoridades investigadoras passaram a funcionar melhor depois dos incidentes com a célula terrorista NSU?
Há um problema fundamental quanto ao terrorismo de direita: muitos atos não são interpretados como sendo de terrorismo de direita ou são subestimados pelas autoridades.
O Revolução Chemnitz já é o terceiro grupo extremista de direita descoberto na Saxônia. É por isso que eu não consigo entender quando o secretário do Interior do estado, Roland Wöller, diz que tudo está sob controle porque se desmascarou um grupo desde cedo.
Como você diferencia o terrorismo de direita de ataques individuais?
O terrorismo de direita sempre carrega uma mensagem política. Elegem-se minorias étnicas como vítimas e existe uma clara intenção redentora em afirmações como "eu quero libertar a minha pátria". O grupo de Chemnitz até pregou uma revolução.
Trata-se da ponta de um iceberg?
Trata-se da mesma pergunta que havia no caso do grupo terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU): se havia um entorno de simpatizantes que tinham conhecimento de tudo, e até que ponto há uma correlação com grupos neonazistas organizados informalmente, como também com a cena extremista de direita na Saxônia.
Diante do debate sobre os refugiados e dos dramáticos acontecimentos em Chemnitz e Köthen, é preciso também questionar se, neste caso, as pessoas não decidem trocar as palavras pelas armas e passam a cometer atos de terrorismo contra refugiados ou imigrantes.
Quanto mais durar esse discurso polarizador sobre a política de refugiados, mais provável se torna a formação de tais grupos terroristas de direita.
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Após mais de cinco anos de processo, saem as sentenças pelas mortes de nove imigrantes e uma policial na Alemanha, num caso envolvendo extremismo de direita e críticas a instâncias estatais.
Foto: dapd
Beate Zschäpe, o rosto da NSU
Entre 2000 e 2006, nove homens de origem estrangeira foram mortos com a mesma pistola na Alemanha. A polícia tateava no escuro, e a mídia falava de "assassinatos do kebab". Em 4 de novembro de 2011, uma casa explodiu em Zwickau, no leste do país. Entre os destroços foram encontrados a arma do crime e outros objetos incriminadores. Quatro dias mais tarde, Beate Zschäpe se entregou à polícia.
Foto: dapd
O (presumível) trio da NSU
Em 1998, Zschäpe se unira aos amigos ultradireitistas Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos na célula terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). O trio viveu incógnito em diversos locais por quase 14 anos, por último em Zwickau, no estado da Saxônia. Segundo os investigadores, eles teriam cruzado a Alemanha cometendo assassinatos e atentados a bomba, financiando-se através de assaltos a bancos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Burgi
As vítimas
Ao que se sabe, a NSU matou ao menos nove homens e uma mulher. A primeira vítima, Enver Şimşek, sucumbiu em setembro de 2000 a ferimentos graves. As demais vítimas foram (a partir do alto, esq.) Abdurrahim Özudogru, Süleyman Taşköprü, Habil Kılıç, a policial Michèle Kiesewetter, Mehmet Turgut, Ismail Yasar, Theodorus Boulgarides, Mehmet Kubaşık e Halit Yozgat.
Foto: picture-alliance/dpa
Atentados a bomba em Colônia
Na rua Keupstrasse, em Colônia, habitada majoritariamente por turcos, uma bomba cheia de pregos explodiu em 9 de junho de 2004. Mais de 20 pessoas ficaram feridas, em parte gravemente. Antes, em 19 de janeiro de 2001, uma outra fora detonada na Probsteigasse. Uma jovem de 19 anos de origem iraniana sofreu queimaduras, cortes, fratura do crânio e perfuração do tímpano.
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Fim de uma fuga
Em 4 de novembro de 2011, um assalto a banco fracassou em Eisenach, na Turíngia. Os criminosos conseguiram inicialmente escapar, mas foram perseguidos pela polícia. Pouco mais tarde, os cadáveres de dois homens foram encontrados num trailer fumegante. Os indícios eram de suicídio. Ambos foram identificados como Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, supostos integrantes da célula terrorista NSU.
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Último esconderijo
Poucas horas após a morte dos supostos assassinos da NSU, uma casa residencial foi pelos ares em Zwickau. Com a explosão, Beate Zschäpe aparentemente tentou eliminar as pistas na moradia que dividia com seus amigos Böhnhardt e Mundlos. Entre as ruínas, os policiais encontraram, entre outros, a arma do tipo Ceska utilizada na série de assassinatos da NSU e um vídeo de reivindicação.
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Reivindicação cruel
Num macabro vídeo, utilizando a apreciada figura de desenhos animados Pantera Cor-de-Rosa, a NSU reivindicou os assassinatos de nove turcos e uma policial. No entanto, uma das vítimas, Theodorus Boularides, tinha origem grega.
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O início do processo
Em 6 de maio de 2013, começou o processo da NSU no Tribunal Superior Regional de Munique. A única sobrevivente do trio terrorista, Beate Zschäpe, apresentou-se de terno escuro, aparentando autoconfiança. O procurador-geral da República a acusou, entre outros crimes, de "ter matado, em dez casos, um ser humano de forma traiçoeira e por motivação torpe".
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Cúmplices da NSU?
Além de Zschäpe, quatro homens foram acusados no processo da NSU como presumíveis acessórios dos crimes. Apenas Ralf Wohlleben (abaixo, dir.), ex-membro do partido de extrema direita NPD, pode ter seu nome completo citado na imprensa. Os demais, André E., Carsten S. e Holger G. estão protegidos pelo direito de personalidade.
Zschäpe quebra o silêncio
Em 9 de dezembro de 2015, após dois anos e meio de silêncio, Beate Zschäpe se pronunciou, fazendo ler uma declaração em que inculpa Böhnhardt e Mundlos pela série de assassinatos. Em meados do ano, ela se desentendera com seus três advogados indicados, passando a ser representada adicionalmente por Hermann Borchert e Mathias Grasel.
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Escândalo do informante
Desde o início do processo, era ambíguo o papel do Departamento de Defesa da Constituição, responsável pela segurança interna da Alemanha, nas atividades da NSU. O extremista de direita Tino Brandt (foto), informante do órgão, relatou em juízo como, nos anos 90, criara o grupo Defesa da Pátria da Turíngia (THS). A partir dele, o trio liderado por Zschäpe se radicalizou, criando a NSU.
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Relações mal explicadas
Quando Halit Yozgat foi baleado num internet-café de Kassel, em 6 de abril de 2006, o informante Andreas T. estava no local. Apesar disso, o funcionário da Defesa da Constituição afirmou nada saber sobre o atentado. No processo da NSU, o pai da vítima, Ismael Yozgat, relatou de forma comovedora como segurara nos braços o filho agonizante. No tribunal, levou consigo uma foto de infância de Halit.
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Protestos contra falta de clareza
Já houve uma série de manifestações contra o envolvimento de órgãos estatais alemães no caso da NSU. A organização Keupstrasse Está Por Toda Parte é uma das participantes dos protestos. Ela leva o nome da cidade de Colônia, onde a célula terrorista explodiu uma bomba cheia de pregos.
Foto: DW/M. Fürstenau
Parlamento interfere
O Parlamento federal alemão tentou trazer luz às intrigas no caso da NSU. Em agosto de 2013, o presidente da primeira comissão de inquérito, Sebastian Edathy (dir.), entregou ao líder parlamentar Norbert Lammert seu relatório final de mais de mil páginas. A conclusão foi avassaladora: "fracasso estatal". Mais tarde haveria outras CPIs em nível federal e estadual.
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Promessas quebradas
Em 23 de novembro de 2012, foi realizado na Konzerthaus de Berlim um evento em memória das vítimas da NSU. A chefe de governo Angela Merkel (esq.) prometeu a Semiya Şimşek e outros familiares o esclarecimento total. Mas eles estavam decepcionados diante de dossiês da Defesa da Constituição eliminados ou mantidos em caráter confidencial. Sua suspeita era de que o Estado sabia mais do que admitia.
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Procuradoria Geral exige pena máxima
Em meados de 2017, o procurador-geral Herbert Diemer e colegas apresentaram suas considerações finais. Eles exigiram para Beate Zschäpe a pena máxima, de prisão perpétua, devido à gravidade extrema de seus crimes. Para Ralf Wohlleben e André E., a acusação pediu 12 anos de cárcere, assim como cinco para Holger G. e três para Carsten S..
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Exigência surpreendente
Em abril de 2018, os defensores se pronunciaram. Hermann Borchert e Mathias Grasel, representando Zschäpe apenas desde 2015, reivindicaram para ela um máximo de dez anos de prisão. Entretanto, seus antigos advogados, Wolfgang Stahl, Wolfgang Heer e Anja Sturm (da dir. para a esq.) surpreenderam ao pedir a libertação imediata de Zschäpe da prisão preventiva.
Foto: Reuters/M. Rehle
Juiz respeitado
Manfred Götzl, de 64 anos, é o juiz-presidente no processo da NSU, no Tribunal Superior Regional de Munique, encarregado de pronunciar as sentenças contra Beate Zschäpe e os demais réus. Os advogados de alguns coautores do processo criticaram Götzl, desejando que ele conduzisse a ação com maior rigor. No geral, contudo, ele goza de grande respeito.
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Prisão perpétua para a ré principal
Em 11 de junho de 2018, Beate Zschäpe (esq.), de 43 anos, foi condenada à prisão perpétua pelo Tribunal Superior Regional de Munique. Como os crimes são de extrema gravidade, ela não poderá deixar a prisão depois de cumprir 15 anos de pena. A defesa anunciou que vai recorrer da decisão à instância superior, a Corte Federal de Justiça. Os demais réus receberam penas entre dez e dois anos e meio.