"Tesouro de Munique" vai a público pela primeira vez
2 de novembro de 2017
Exposições na Alemanha e na Suíça exibem obras confiscadas pelo regime nazista. Trabalhos integravam coleção de mercador de arte de Hitler, que esteve escondida por décadas.
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Quase seis anos depois de as autoridades terem confiscado centenas de obras de arte em várias casas do colecionador alemão Cornelius Gurlitt, duas exposições, na Alemanha e na Suíça, levam o acervo ao público pela primeira vez, a partir desta quinta-feira (02/11).
O projeto, chamado "Dossier Gurlitt”, inclui duas exibições, em Bonn, no oeste da Alemanha, e Berna, na Suíça, com cerca de 450 trabalhos. A mostra traz peças roubadas pelos nazistas de proprietários judeus e obras consideradas "arte degenerada" pelo regime do Terceiro Reich.
Apelidada de "Tesouro de Munique", a coleção foi descoberta em 2012. Cerca de 1.200 peças eram mantidas pelo octogenário em seu apartamento em Munique e em torno de 250 estavam na casa que ele possuía em Salzburg, na Áustria.
O acervo inclui criações de artistas famosos, como Monet, Cézanne, Renoir, Dix, Nolde e Beckmann. Cornelius Gurlitt, herdara a coleção de seu pai, Hildebrand Gurlitt, um dos mercadores de arte de Adolf Hitler.
A exposição inaugurada nesta quinta-feira no Museu de Arte de Berna se chama "'Arte degenerada' – confiscada e vendida" e inclui cerca de 200 obras da Coleção de Gurlitt, peças que o regime de Hitler confiscou de museus e outras instituições por considerar produtos "inferiores”, "não germânicos”, produzidos por "judeus” ou "comunistas”.
Os nazistas não se importavam em comercializar aqueles trabalhos para financiar sua máquina de guerra. Entre as atrações, estão pinturas expressionistas e construtivistas de artistas como Otto Dix e Franz Marc.
A origem das obras
Já em Bonn, a exposição, aberta no museu Bundeskunsthalle na sexta-feira, sob o nome "O roubo de arte nazista e suas consequências”, tem como foco a origem dos trabalhos que foram confiscados pelo regime nazista – em grande parte, de colecionadores judeus. A mostra traz obras de mestres como Claude Monet e Albrecht Dürer, que ficaram escondidas do público por décadas.
Antes de morrer, em maio de 2014, aos 81 anos, Cornelius Gurlitt doou a coleção para o Museu de Arte de Berna. Um acordo fechado entre o museu e o autoridades alemãs estipulou que a força-tarefa estabelecida pelo governo alemão para investigar a origem das obras continuasse seus trabalhos visando determinar se elas foram de fato roubadas e a quem elas pertenciam. A intensão é que todas as peças saqueadas sejam devolvidas aos herdeiros dos antigos proprietários.
Os especialistas inicialmente identificaram mais de 90 trabalhos que provavelmente foram saqueados pelos nazistas, incluindo obras de Henri Toulouse-Lautrec, Henri Matisse, Edvard Munch e Rembrandt. Apenas quatro obras – incluindo uma pintura de Camille Pisarro – foram devolvidas aos herdeiros legítimos até agora.
A exposição em Berna vai até 4 de março de 2018. Em Bonn, a exibição fica em cartaz até 11 de março.
MD/dpa/ap
Caso Gurlitt: um thriller no mundo da arte
Em novembro de 2013, um rico acervo de obras de arte desaparecidas durante o nazismo foi encontrada no apartamento do colecionador Cornelius Gurlitt em Munique. Um ano depois, a novela cultural continua rendendo.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Gerten
Cronologia de um tesouro
Em setembro de 2010 funcionários da alfândega param um idoso num trem entre Zurique e Munique. Cornelius Gurlitt portava consigo uma quantidade de dinheiro suspeitosamente grande. Embora isso não seja proibido, os guardas da fronteira o denunciam às autoridades fiscais. Em 2011, uma revista no apartamento de Gurlitt em Munique leva a uma descoberta surpreendente.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Gerten
Em meio ao lixo
Entre o lixo e as latas de alimentos vencidas, espalhados pelo apartamento, os investigadores descobriram milhares de obras de arte dadas como desaparecidas durante a Segunda Guerra Mundial. Por trás dessa coleção de valor inestimável ocultam-se episódios envolvendo dor e injustiça profundas.
Foto: babiradpicture
Escândalo artístico do século
Deduz-se que se trata de obras saqueadas pelos nazistas: o regime e seus representantes confiscavam a assim chamada "arte degenerada" e roubavam os colecionadores judeus. A coleção contém quadros de Pablo Picasso, Henri Matisse, Marc Chagall, Paul Klee, Max Liebermann (na foto, "Dois cavaleiros na praia") e outros clássicos do modernismo. O nome Gurlitt já era notório no mundo da arte na Alemanha.
Foto: gemeinfrei
Confiscadas, roubadas, vendidas
Hildebrand Gurlitt, pai de Cornelius Gurlitt, era um comerciante de arte durante o nazismo. Ele negociou "arte degenerada" para o "Museu do Führer", a ser construído em Linz, e vendeu pinturas confiscadas de proprietários judeus ou de museus no exterior. Depois da guerra, alegou que sua coleção particular e todos os registros de negócios haviam desaparecido no bombardeio de Dresden em 1945.
Foto: picture-alliance/dpa
Um domador de leões faz barulho
Em 2011, o filho de Hildebrand Gurlitt, Cornelius, vende a obra “O domador de leão", de Max Beckmann. Uma etiqueta de 1931 da Galeria Flechtheim colada na parte de trás da pintura gera suspeitas no mundo da arte. Flechtheim, negociante de arte judeu, havia fugido da Alemanha em 1933, deixando para trás muitas obras de arte. A pintura foi leiloada por 864 mil euros.
Foto: Reuters
Em busca dos proprietários legítimos
Em novembro de 2013, a coleção de arte apreendida em Munique é divulgada. Desde 2011, o historiador de arte Meike Hoffmann (ao centro) é o encarregado de determinar a proveniência das pinturas e de encontrar os donos. Uma tarefa extremamente complicada, carregada de questões morais, legais e históricas.
Foto: Reuters
Quem é o dono?
Pesquisadores de proveniência, como Meike Hoffmann, procuram pela origem e a história de uma obra de arte. Pistas possíveis são etiquetas na parte de trás das pinturas, ou documentos de comerciantes de arte e casas de leilões. Cornelius Gurlitt herdou as pinturas de seu pai, mas descendentes de famílias judaicas afirmam ser os donos legítimos e exigem as obras de volta.
Foto: picture-alliance/dpa
Revisão da lei
Nos termos da legislação alemã, o caso Gurlitt é claro: o direito dos proprietários de recuperarem as obras saqueadas pelos nazistas expirou depois de 30 anos. A Secretaria de Justiça da Baviera propôs uma emenda da lei no tocante ao prazo de prescrição, para os casos em que os implicados tenham conhecimento de possuir arte roubada. O projeto está sendo examinado.
Foto: picture-alliance/dpa
Pressão crescente
Os governos da Alemanha e da Baviera prometeram esclarecer tudo sobre o caso Gurlitt, e designaram uma força-tarefa. Até agora pouco aconteceu: só duas pinturas foram identificadas como saque nazista. Os especialistas liderados por Ingeborg Berggreen-Merkel ainda estão investigando a origem das obras, mas alguns dos presumíveis herdeiros são idosos e podem não viver para ver o resultado.
Foto: DW/H. Mund
Espera incompreensível
David Toren, de 89 anos, está processando a Alemanha e o estado da Baviera. Ele quer de volta a pintura “Dois cavaleiros na praia”, de Max Liebermann, que pertenceu ao seu tio avô David Friedmann, morto pelos nazistas em 1942. Descendentes de colecionadores judeus que tiveram obras confiscadas estão ficando impacientes.
Foto: DW/S. Czimmek
Novela Gurlitt – parte dois
Novas manchetes agitam o mundo da arte: os advogados de Cornelius Gurlitt revelam uma série de pinturas de Monet, Manet, Corot, Courbet e Renoir numa casa aparentemente abandonada na Áustria, pertencente à família Gurlitt. A alegação é que as obras de arte são parte de uma coleção particular. Será que também essas podem ter sido saqueadas pelo regime de Hitler?
Foto: picture-alliance/dpa
Gurlitt cede
Meses depois, Cornelius Gurlitt faz um acordo com o governo alemão, permitindo que todos os quadros suspeitos de arte roubada pelos nazistas sejam submetidos a investigação da proveniência. Em troca, recebe de volta as obras apreendidas em 2012. Em 6 de maio de 2014, o colecionador morre em Munique, aos 81 anos de idade. Mas a novela não acaba aí.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Gerten
Museu suíço entra em cena
Surpreendentemente, Cornelius Gurlitt deixou sua coleção para o Museu de Belas Artes de Berna. No testamento, ele menciona as boas lembranças da temporada na Suíça. O governo alemão saúda esse último desejo, mas uma parte da família Gurlitt se sente preterida.
Foto: Kunstmuseum Bern
Documento controvertido
Dois primos de Gurlitt, não mencionados no testamento, encomendam um relatório psiquiátrico para determinar se o colecionador estava em seu juízo perfeito ao redigir o documento legal. O relatório é negativo, porém o testamento não é contestado. Em 24 de novembro de 2014, o Museu de Belas Artes de Berna confirma que aceita a coleção Gurlitt.