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"Teste de muçulmano" gera debate sobre discriminação pelo Estado

Simone de Mello17 de janeiro de 2006

Requerentes de cidadania obrigados a se pronunciar sobre homossexualismo, casamento forçado e organizações terroristas. Uma medida estadual referente à naturalização de muçulmanos na Alemanha provoca polêmica.

Turca usa bandeira alemã como véu numa manifestação em 2004Foto: dpa

Os muçulmanos que pretendem requerer a cidadania alemã no Estado de Baden-Württemberg têm que se submeter a uma detalhada inspeção desde o início deste ano. Numa extensa entrevista, o requerente é obrigado a responder uma série de perguntas para provar sua lealdade à ordem democrática. A Secretaria estadual do Interior declarou ter dúvidas de que o compromisso com a Constituição assinado no processo de naturalização corresponda de fato à mentalidade dos muçulmanos que adquirem a cidadania alemã.

Islamismo na escola: aula em alemão sobre o Alcorão numa escola de ColôniaFoto: dpa

Baden-Württemberg é o primeiro Estado alemão a destacar os muçulmanos como um grupo à parte no processo de naturalização. O catálogo de 30 perguntas especula a postura do candidato sobre igualdade de direitos entre homem e mulher, liberdade de religião, vingança de morte e sobre os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA. A nova regulamentação atinge requerentes provenientes dos 56 países da Conferência Islâmica. O governo de Baden-Württemberg está sendo veementemente acusado de cometer discriminação religiosa.

O que acha do 11 de setembro?

"O que o senhor acha da afirmação de que a mulher tem que obedecer ao marido e este tem o direito de agredi-la, caso ela não o obedeça?" "O senhor acha que casamento forçado é condizente com a dignidade humana?" "Suponhamos que pessoas da vizinhança ou de seu círculo de amizades planejem ou cometam um atentado terrorista: como o senhor se comportaria?"

"Na sua opinião, os responsáveis pelos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e de 11 de março de 2004 em Madri são terroristas ou combatentes libertários?" "Imagine que o seu filho maior de idade lhe diga que é homossexual e pretende viver com outro homem: como o senhor reagiria?" Estas são apenas algumas das perguntas aplicadas na entrevista do processo de naturalização com requerentes muçulmanos.

Cabe ao Estado interrogar sobre moral?

A medida foi criticada como declaração de desconfiança indiscriminada contra uma comunidade de três milhões de muçulmanos na Alemanha. O governo do Estado se defendeu, alegando que as perguntas podem ser aplicadas a qualquer requerente, independente da nacionalidade. No entanto, o teste indaga sobre especificidades de moral e de conduta geralmente associadas ao extremismo islâmico.

O ex-juiz do Tribunal Constitucional Ernst Gottfried Mahrenholz declarou à revista Spiegel que o catálogo de perguntas sobre lealdade à Constituição, inclinações e preferências pessoais discrimina os muçulmanos. O Partido Verde cogitou apelar ao Parlamento, a fim de impedir que uma determinação administrativa contenha indagações de teor moral. "Um Estado de Direito não deve indagar sobre postura moral", declarou a líder da bancada verde no Bundestag, Renate Künast.

Guetos: "conseqüência da indiferença multicultural"?

Turca naturalizada vota pela primeira vez na Alemanha em 2002Foto: AP

Os defensores da medida defendem tratamento especial aos muçulmanos, advertindo para os perigos de uma falsa integração. "Os muçulmanos são os que mais demonstram falta de conhecimento da nossa Constituição", declarou o governador de Baden-Württemberg, Günther Oettinger (CDU).

O porta-voz da bancada democrata-cristã e social-cristã no Parlamento, Hans-Peter Uhl, retornou à crítica contra a sociedade multicultural, afirmando que "a transformação de bairros inteiros em guetos com sociedades paralelas impermeáveis é conseqüência da indiferença multicultural". Os políticos do Partido Liberal Democrata sugeriram uma reformulação do catálogo de perguntas, sem exigir a revogação da medida.

Muçulmanos sob proteção ambiental?

A pesquisadora turca naturalizada alemã Necla Kelek, especialista em migração, orientou o governo do Estado de Baden-Württemberg a formular as perguntas da entrevista. Em seu novo livro Die Verlorenen Söhne (Os Filhos Perdidos), ela faz um apelo: "Vamos parar de colocar os migrantes e sua postura quanto a questões centrais da democracia sob proteção ambiental".

Passantes em Kreuzberg, um dos bairros mais multiculturais de BerlimFoto: AP

"Eu gostaria de saber se eles estão dispostos a reconhecer o 'espírito das leis' nesta República, se aceitam a Alemanha como se fosse seu lugar de origem, se protegem as mulheres contra discriminação e violência, se colaboram para que seus filhos possam decidir quando, com quem e se realmente querem casar – este é o autêntico 'teste de muçulmano'", escreve Kelek.

"O que falta não é cultura dominante e sim republicanismo"

O parlamentar europeu verde Cem Özdemir, também de origem turca, acusou a pesquisadora Necla Kelek de "ressentimentos antiislâmicos, falta de poder de diferenciação e de rigor científico". Ele condenou a controversa medida como discriminatória, acrescentando que isso de fato combina com um Estado que proíbe professoras muçulmanas de usar véu, mas continua permitindo símbolos de outras religiões.

Cem ÖzdemirFoto: dpa

Özdemir acusou a Secretaria do Interior de Baden-Württemberg de justificar sua medida através de informações, pesquisas e estatísticas pouco sérias. Em artigo ao diário Die Welt, ele lembrou que uma pesquisa de 2002 da própria Fundação Konrad Adenauer, ligada aos democrata-cristãos, revelou que 50% dos muçulmanos residentes na Alemanha defenderiam o país em caso de agressão por parte de um Estado islâmico. Entre os alemães do Leste do país, esta cota se limitava a 42%, segundo a mesma enquete.

"A forma de tratamento do islamismo na Alemanha mostra que a República Federal não carece de teste de mentalidade ou cultura dominante, mas sim de republicanismo", acusa o parlamentar europeu.

Medida anticonstitucional?

O Conselho Central dos Muçulmanos da Alemanha reagiu com indignação à medida do Estado de Baden-Württemberg, ameaçando apelar ao Tribunal Constitucional Federal e conclamando os requerentes a não responder as perguntas e sim buscar auxílio jurídico.

O tribunal vai decidir dentro de dois meses sobre a constitucionalidade de outro aspecto da medida. O novo procedimento de naturalização também implica a seguinte determinação: "Os resultados da entrevista devem ser documentados e assinados pelo requerente de cidadania. O requerente deve ser informado de que informações inverídicas serão avaliadas como ludíbrio das autoridades e – mesmo depois de anos – poderão levar à cassação da cidadania".

De acordo com o artigo 16 da Lei Fundamental alemã, uma vez concedido, o passaporte alemão não pode ser cassado – uma reação jurídica contra as expatriações do regime nazista.

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