Não se trata de 'cancelamento', esse termo que hoje é usado para tudo, mas de pagar por seus atos e palavras. Violência contra a mulher é um assunto muito sério, e que precisa parar de ser banalizado, também no esporte.
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Ano passado, fui almoçar na casa de uma conhecida alemã e, no fim do almoço, ela perguntou se eu gostava de história. Eu disse que sim.
Ela me chamou para um canto e me mostrou um álbum de fotos que ficou escondido por anos na casa dos seus pais. Nele, seu avô colou fotos dos anos da guerra, onde serviu ao exército nazista. Hanna (nome fictício) só teve acesso ao tal álbum quando seu pai morreu. Ela não só não tinha orgulho, como nunca soube desse passado. "Por que meu pai não me contou nada? Por que não jogou isso fora??", ela se perguntava.
Lembrei da cara de choque e de vergonha de Hanna quando li as mensagens do tenista Thiago Wild, divulgadas no fim de semana pela imprensa brasileira. Nas mensagens, trocadas por Thiago com a biomédica e influenciadora Thayane Lima, sua ex-mulher, que o acusa de violência doméstica e abuso psicológico, ele parece se vangloriar do passado nazista de sua família.
Segundo os prints divulgados, em diálogo com a ex em 2019, ela teria perguntado: "Sua mãe não gosta de gays, negros e judeus, não é isso?" Ele teria respondido: "Sim. Minha família por parte de mãe é nazista. Literalmente. O meu bisavô, pai do pai da minha mãe, era o antecessor do Hitler". "Foi ele quem trouxe o dito da Áustria, e ensinou a vida pro Hitler". A conversa, reproduzida em redes sociais e na imprensa brasileira, mostra que Thiago em seguida mandou fotos do avô perto do ditador nazista e comentou: "O Hitler em posição de sentido logo na frente do biso".
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Antepassados nazistas?
O caso, com motivos, virou um escândalo. Thiago seria tataraneto de Dietrich Klagges, que foi integrante do Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP) e ex-ministro do Interior do estado de Braunschweig, único governo estadual, além da Turíngia, que na época era liderado com participação do partido nazista e onde Hitler conseguiu sua naturalização alemã depois de diversas tentativas frustradas. O bisavô, Friedrich Seyboth, teria sido médico das tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial e virado prisioneiro de guerra.
Sua ascendência, em si, não é um problema. Ninguém escolhe ser bisneto de alguém ou deve ser responsabilizado por crimes praticados por antepassados. O problema é como nos relacionamos com nossas origens e as nossas ações.
Na Alemanha é comum que as pessoas, assim como minha amiga Hanna, tenham antepassados nazistas, inclusive porque servir à guerra foi obrigatório. Só que, na maioria dos casos, as pessoas morrem de vergonha disso.
Thiago, um tenista de destaque, que podia virar a nova sensação do esporte (ele virou notícia no mundo todo ao derrotar Daniil Medvedev, atual número 2 no ranking mundial, no campeonato de Roland Garros) ainda não foi condenado por nada.
Mas, de acordo com as trocas de mensagens divulgadas, ele tem uma personalidade que vai além do "polêmico", e suas ideias se aproximam de comportamentos criminosos.
E, pior, ele parece se orgulhar de todos esses traços.
"Opressor e machista"
Nas trocas de mensagens com a ex, ele teria avisado: "Sim, tá namorando um cara opressor e machista e sempre soube que eu era."
Ou seja, ele parece dizer "sou assim, gosto e não vou mudar".
E ele prova, de fato, que é machista e opressor. Em outras mensagens, ele demonstra um comportamento violento. Nas mensagens divulgadas, Thiago, o machista orgulhoso, chama a namorada de burra, anta, imbecil. Como um bom opressor, reclama das fotos que ela posta em rede social: "Você vai apagar as fotos de piranha. Ou quando eu voltar vou apagar eu mesmo", teria ameaçado.
As mensagens são de doer o estômago e não é sem motivos que ela o processou por assédio moral. Em uma briga, ela reclama do comportamento do namorado e ele responde: : "E tu com as pobres que tu vive, pretas f*** e sei lá quem mais".
A influenciadora registrou uma ocorrência no fim de 2021 em uma delegacia do Rio de Janeiro por violência psicológica, injúria e lesão corporal. Ele teria machucado seu dedo e destruído coisas no apartamento onde viviam. Após a denúncia, Thiago passou a ser investigado pela polícia. Ele foi indiciado em outubro de 2021 e, seis meses depois, denunciado pelo Ministério Público do Rio por violência doméstica e psicológica. O processo corre em segredo de Justiça. Nesta terça-feira (06/06), Thiago divulgou que vai se apresentar ao Ministério Público do Rio de Janeiro no âmbito do processo.
O tenista ainda não foi condenado. Mas é difícil imaginar que depois disso tudo ele tenha futuro no esporte.
"Ah, mas não é justo que ele seja cancelado", dizem alguns. Não se trata de "cancelamento", esse termo que hoje é usado para tudo. Mas de pagar por seus atos e palavras. Violência contra a mulher é um assunto muito sério, e que precisa parar de ser banalizado no esporte, assim como o racismo. Não tem como. Algumas coisas são inaceitáveis.
Após a divulgação das mensagens no último fim de semana, em comunicado à imprensa, Thiago afirmou que "Eu e meus pais jamais tivemos ou concordamos com quaisquer posturas racistas, nazistas ou homofóbicas e repudiamos veementemente a campanha difamatória em curso".
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.
Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.