Toffoli manda Lava Jato enviar dados de investigações à PGR
10 de julho de 2020
Presidente do STF atende a pedido da Procuradoria-Geral da República para obter acesso às bases de dados das forças-tarefas em São Paulo, Rio e Curitiba. Órgão apontou "resistência" ao compartilhamento de informações.
Anúncio
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou que as forças-tarefas da Operação Lava Jato nos estados enviem à Procuradoria-Geral da República (PGR) todas as bases de dados de investigações.
A decisão vale para as bases da operação em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba e foi tomada em caráter liminar (provisório) nesta quarta-feira (08/07).
"Defiro a liminar determinando-se a imediata consignação ao procurador-geral da República de todas as bases de dados estruturados e não estruturados utilizadas e obtidas em suas investigações", declarou o ministro.
Com a determinação, Toffoli atendeu a um pedido da PGR, protocolado pelo vice-procurador Humberto Jacques de Medeiros, que disse ao STF ter enfrentado "resistência ao compartilhamento e à supervisão de informações" por parte dos procuradores da República.
Na decisão, Toffoli enfatizou que todas as unidades do Ministério Público integram uma única instituição, que é comandada pela PGR. Segundo ele, a procuradoria "hierarquicamente detém competência administrativa para requisitar o intercâmbio institucional de informações".
O ministro afirmou ainda que há indícios de "graves fatos" que apontam investigações, por parte da Lava Jato, de políticos com direito a foro privilegiado, como os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Estes, segundo Toffoli, teriam tido os nomes "artificialmente reduzidos" em uma denúncia apresentada na Justiça Federal em Curitiba.
"Necessário, portanto, coarctar, no seu nascedouro, investigações, ainda que de forma indireta, de detentores de prerrogativa de foro, em usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Aliás, o que se busca garantir, além da preservação da competência constitucional da Corte, é o transcurso da investigação sob supervisão da autoridade judiciária competente, de modo a assegurar sua higidez", disse.
A decisão foi tomada pelo presidente do Supremo porque é ele quem responde pelo tribunal durante o plantão do Judiciário, que está em recesso.
Antes da determinação de Toffoli, a PGR havia reiterado que todo o material probatório obtido pelas forças-tarefas de procuradores da Lava Jato pertence à instituição.
Segundo a força-tarefa no Paraná, por sua vez, decisões judiciais citadas anteriormente pela PGR não "autorizam o compartilhamento ou acesso indiscriminado a informações", sem indicação de um propósito específico.
O banco de dados do Ministério Público Federal (MPF) local possui documentos apreendidos, informações sobre transações financeiras no Brasil e no exterior feitas por investigados, além de relatórios de inteligência financeira, obtidos com autorização judicial, que envolvem empresários, agentes públicos, partidos e políticos.
As tensões entre a Procuradoria-Geral da República e as forças-tarefas da Lava Jato em primeira instância ganharam destaque após uma visita da subprocuradora Lindora Araújo, coordenadora da Lava Jato na PGR, à força-tarefa em Curitiba no final de junho.
Uma das principais auxiliares do procurador-geral da República, Augusto Aras, Araújo foi acusada por procuradores de realizar manobra ilegal para copiar bancos de dados sigilosos de investigações, sem formalizar um pedido ou apresentar documentos ou justificativas para tal. A corregedoria do MPF chegou a abrir uma sindicância para apurar o caso.
Na decisão desta quinta-feira, porém, Toffoli disse ter visto "transgressões" por parte dos procuradores que se recusaram a entregar dados para a subprocuradora.
"Reafirmo, portanto, à luz do quanto exposto, que os reclamados [procuradores] incorreram, neste primeiro exame, em evidente transgressão ao princípio constitucional da unidade do Ministério Público", escreveu o presidente do Supremo.
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.