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"Torcida de futebol" divide atletas olímpicos

Philip Verminnen9 de agosto de 2016

Cultura do futebol invade arenas de esportes olímpicos, repercute negativamente e recebe reclamações de alguns competidores. Mas há quem aprove comportamento da torcida brasileira.

Torcida brasileira nas arenas dos Jogos Olímpicos
Foto: Getty Images/Elsa

Incentivo ou excesso de patriotismo? Animação por ver os superatletas do mundo ou falta de espírito esportivo? Paixão ou falta de educação? Os primeiros dias dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro testemunharam vaias, barulhos inoportunos e xingamentos. O comportamento da torcida brasileira repercutiu negativamente mundo afora e recebeu reclamações de alguns atletas. Mas há quem aprove.

Num país onde quase todos os esportes olímpicos ostentam um status amador e têm pouca visibilidade durante o hiato entre os Jogos Olímpicos, é normal o público brasileiro não saber quais são as etiquetas em cada modalidade. Isso ficou visível – ou melhor, audível – nas disputas do tênis de mesa, por exemplo.

"Neste esporte, você precisa de silêncio para manter o foco. Havia outras três mesas com jogos, e pensei que não era justo que os outros fossem perturbados por minha causa", afirmou Gui Lin, mesatenista chinesa naturalizada brasileira. Durante seu duelo com a espanhola Galia Dvorak, Lin chegou a levantar a mão durante a partida para pedir o silêncio da torcida.

"Não estamos habituados a isto no tênis de mesa", disse Dvorak, que reconheceu ter ficado chocada e nervosa com as vaias dos torcedores brasileiros durante a partida. "Foi simplesmente estranho. Em outros países, como na China, o público torce muito, mas nunca contra o adversário. Eles torcem pelos seus jogadores, mas nunca fazem este 'ohhh' contra você", completou Dvorak, que derrotou a brasileira, por 4 a 2, no sábado.

O mesatenista sérvio Aleksandar Karakasevic chegou a enviar um protesto formal à Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF). "Tênis de mesa não é futebol", reclamou.

De fato, há diversas modalidades, como tênis, tiro, ginástica ou esgrima que requerem um silêncio da plateia. O barulho não só tira a concentração como impede a comunicação entre atletas e treinadores. "Tinha uma hora que o público vibrava tanto que não escutava nem meu técnico, nem o [adversário] chinês escutava o dele", disse o esgrimista Ghislain Perrier, cearense que foi adotado por franceses quando criança, não fala português, mas está competindo pelo Brasil.

Há reclamações até no vôlei de praia: modalidade conhecida pela descontração e que conta até com um DJ tocando músicas entre os pontos para animar a plateia. "Eu jogo há dez anos e nunca vivi isso. É um tipo de patriotismo. Eu acho que não é nada pessoal contra nós, eles só não sabem o limite entre o que é apropriado para o momento e o que não é mais. Nós também somos seres humanos", disse a tcheca Marketa Slukova.

No Brasil, contra Nova Djokovic e sob xingamentos: Juan Martín del Potro não teve vida fácil na estreia no RioFoto: Reuters/T. Melville

Brasil x Argentina

Atletas da Argentina têm sido os alvos preferidos nos Jogos. A vaia na cerimônia de abertura foi levada para os locais de competições. Durante a surpreendente vitória de Juan Martín del Potro contra o número um do mundo Novak Djokovic, o tenista argentino foi diversamente chamado de "maricón" e reagia sorrindo. Na partida seguinte de Del Potro, torcedores brasileiros e argentinos trocaram socos na arquibancada.

A provocação é mútua, tanto que as estrelas do basquete argentino Luis Scola e Emanuel Ginóbili criticaram os insultos dos argentinos contra os brasileiros. Os "hermanos" têm repetido os cantos usados na Copa do Mundo, como o famoso "Decime qué se siente", que enaltece Maradona como maior do que Pelé.

Mas há quem goste do clima de "torcida de futebol" nas arenas olímpicas do Rio de Janeiro. Djokovic foi um deles: "Foi uma das melhores atmosferas que já vi em uma torcida. Foi fantástico. As horas que vivenciei aqui com a torcida foram fantásticas. Parecia que eu era brasileiro", disse Djokovic. Maior medalhista da história, o nadador americano Michael Phelps, mostrou-se impressionado: "Foi uma loucura. Não sei se já ouvi algo parecido. Era possível sentir durante a prova."

Brasileiros vairam a russa Yulia Efimova por escândalo, mas se esqueceram do doping de João Gomes JúniorFoto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler

Vaias por doping

Mas a torcida pode atrapalhar até o atleta da casa. João Gomes Júnior, nadador dos 100m peito, reclamou da falta de silêncio na hora da largada, quando ouvir o sinal de partida é fundamental para um tempo de reação adequado. "Por um lado ajuda, mas as pessoas também precisam entender que é preciso fazer um pouco de silêncio no momento de largada, que é uma hora de mais concentração", disse.

Também na natação, a torcida presente pegou muito no pé da nadadora russa Yulia Efimova - provavelmente o único momento de vaia que possa ser considerado compreensível. O motivo é o escândalo de um esquema estatal de doping que afetou a Rússia e o fato de Efimova já ter enfrentado dois casos de doping na carreira. Ela estava na lista dos atletas russos banidos dos Jogos de 2016, mas conseguiu na Corte Arbitral do Esporte (CAS) a permissão para competir.

Decisão criticada principalmente pelas concorrentes de Efimova, por Phelps e até pela opinião pública. Mas no Twitter, o usuário Seán Donnelly ironizou o comportamento brasileiro. "É irônico o público do Rio vaiar Efimova enquanto vibra ao máximo com seu nadador [João] Gomes, que recebeu suspensão de seis meses por doping."

Homofobia nos estádios e na internet

Vaias e barulho atrapalham os atletas, mas realmente condenáveis são os insultos homofóbicos, corriqueiros nos estádios de futebol do Brasil. A jogadora americana de futebol Megan Rapinoe, declarada homossexual, foi chamada de "bicha" e "puta" durante as partidas. Ao diário Los Angeles Times ela declarou que os insultos eram "pessoalmente dolorosos".

O comportamento da torcida brasileira não é exclusivo contra atletas estrangeiros. Após ser eliminada dos 200m borboleta, a nadadora Joana Maranhão recebeu uma enxurrada de ofensas na internet e desabafou:

"O Brasil é um país muito racista, muito machista, muito homofóbico. Vem de uma cultura futebolística que as pessoas acham que quando chegam num esporte olímpico elas têm o direito de nos tratar como tratam um jogador de futebol quando não ganham."

Autoridades minimizam

O diretor de comunicações do Comitê Organizador dos Jogos, Mario Andrada, espera que o brasileiro aprenda as formas de conduta em cada modalidade. "Certamente um legado desses Jogos é que brasileiro vai aprender a amar diferentes esportes. Brasileiros são bastante apaixonados, latinos, barulhentos. Nós estamos ajudando o brasileiro a entender a forma ideal de mostrar a paixão. Mas queremos ter paixão", disse.

Já o porta-voz do Comitê Olímpico Internacional (COI), Mark Adams, minimizou as críticas: "Podemos concordar que os brasileiros são bem igualitários e vaiam com igualdade a todos."

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