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Esporte

Torcida lança manifesto contra reinício da Bundesliga

21 de abril de 2020

Associação de torcidas organizadas na Alemanha se posiciona contra plano de reiniciar campeonatos em maio com jogos-fantasma. "Seria um escárnio para a sociedade e para os engajados na luta contra o coronavírus", diz.

Jogo-fantasma
"Por trás da insistência em jogos-fantasma está dinheiro dos direitos televisivos e dos patrocinadores", diz manifestoFoto: picture-alliance/dpa/R. Weihrauch

Em recente pesquisa de opinião realizada pela TV pública ARD, uma maioria de 52% da população se manifestou a favor da volta dos jogos de futebol no país, mesmo que as partidas sejam realizadas com os estádios vazios, podendo ser vistos somente pela televisão. É um resultado medíocre considerando-se que o futebol é de longe o esporte preferido dos alemães. Outros 30% votaram contra, e 18% declararam que não se interessam por futebol.

O lobby pelo retorno da bola aos gramados está a todo vapor. Começa pelo CEO da Bundesliga, Christian Seifert, que não se cansa de apregoar aos quatro ventos quão importante é o futebol profissional para a população, especialmente em tempos de crise. Não passa um dia sequer sem que Seifert incansavelmente faça algum contato nas altas esferas políticas, visando a liberação dos jogos-fantasma a partir do próximo dia 9 de maio.

Ao mesmo tempo, o chefão da liga conseguiu liberar junto aos canais de TV a quarta parcela dos direitos televisivos da atual temporada, no valor de 280 milhões de euros, aliviando assim os problemas de caixa mais urgentes dos 36 clubes profissionais da Bundesliga.

Enquanto isso, dois governadores já sinalizaram que, dependendo das condições de segurança sanitária, são favoráveis ao reinício do campeonato: Armin Laschet (Renânia do Norte-Vestfália) e Mark Söder (Baviera) disseram, em entrevista ao portal Kicker, não ver maiores problemas na realização de jogos a portões fechados.

Coincidência ou não, 13 clubes das duas divisões profissionais alemãs estão justamente nesses dois estados. São quatro na Baviera e nove na Renânia do Norte-Vestfália. É compreensível, portanto, o empenho dos respectivos governadores para que a bola volte a rolar. Resta saber, se é ética e moralmente defensável.

A associação Fanszenen Deutschlands, uma organização que engloba 70 torcidas organizadas, acha que não e lançou um manifesto no qual critica duramente as intenções dos dirigentes de levar a cabo seus planos de recomeçar os campeonatos das duas principais divisões do futebol alemão.

"O reinício do futebol, mesmo com jogos-fantasma, não se justifica sob nenhuma circunstância, porque é um escárnio para a sociedade e especialmente para todos aqueles engajados na luta diária contra o coronavírus. Há semanas estamos ouvindo relatos sobre a falta de testes para covid-19, e a ideia de testar constantemente todos os jogadores antes e depois dos jogos é simplesmente absurda. Isso sem contar que provavelmente haverá aglomerações de torcedores nas proximidades dos estádios, infringindo assim as regras do distanciamento em vigor", diz o texto.

Um torcedor Ultra de um clube da segunda divisão, que preferiu não se identificar, afirmou em entrevista à revista Der Spiegel : "Vivenciamos diariamente restrições aos nossos direitos fundamentais, todos os dias morrem pessoas em decorrência do coronavírus, máscaras estão em falta, a economia definha. Nesse contexto, não é admissível que 36 clubes-empresa façam de conta agora que para eles possam existir regras especiais."  

Um fã incondicional do Hertha Berlin e membro ativo da torcida organizada, não deixou por menos: "Muitos argumentam que as pessoas querem se divertir e estão loucas pela volta do futebol. Mas para nós, trata-se apenas de um pretexto. O que está por trás dessa insistência em jogos-fantasma é o dinheiro proveniente dos direitos televisivos e dos patrocinadores."

E por falar em dinheiro, é bom lembrar que no ano passado a Bundesliga registrou um faturamento recorde de 4,8 bilhões de euros, e, ainda assim, somos informados pelos cartolas de que 13 dos 36 clubes profissionais estarão à beira da falência caso haja uma interrupção abrupta da atual temporada.

Talvez esteja na hora de explicar para a opinião pública aonde foi parar toda essa dinheirada, já que boa parte dos clubes argumenta que não aguenta ficar parada sem correr o risco da insolvência.

Arrisco-me a dizer que a parte do leão dessas somas extraordinárias de dinheiro acaba indo para o mercado de transferências milionárias no qual todo mundo envolvido no negócio tira proveito: clubes, jogadores, cartolas, assessores e agentes. Na temporada 2017/2018, por exemplo, só os agentes dos jogadores das duas ligas profissionais alemãs auferiram o inacreditável montante de 200 milhões de euros.

Não se pode esquecer também dos salários astronômicos pagos aos jogadores de futebol nas grandes ligas. Quando um clube como o PSG, por exemplo, anuncia orgulhosamente que reduziu em 70% o salário dos seus jogadores, ainda sobraram 30% que um pobre mortal, como o torcedor comum, não vai ganhar em seus 30 ou 35 anos de trabalho assalariado.

O plano da Bundesliga e da Federação Alemã de Futebol é reiniciar todos os campeonatos daqui a pouco mais de duas semanas, com jogos-fantasma. A Fanszenen Deutschlands é frontalmente contra porque, para a associação, futebol com portões fechados é apenas um modelo que visa salvar o negócio no qual o esporte se transformou. As torcidas organizadas entendem que esta é uma boa hora para repensar o modelo da gestão do futebol como um todo, não apenas privilegiando a elite profissional, mas os mais de 25 mil clubes amadores com seus 7 milhões de associados.

No seu manifesto, a Fanscenen afirma: "Aparentemente o futebol profissional alemão tem grandes problemas. Temos um sistema no qual correram rios de dinheiro durante anos e mesmo assim, no curto espaço de um mês, tem clubes às portas da falência. O desafio atual é uma chance de mudar as estruturas do futebol visando sua sustentabilidade, também em tempos de crise como esta que ora enfrentamos."

Jamais se poderia imaginar que dezenas de torcidas organizadas, que são aquelas identificadas fortemente com os clubes e o próprio futebol, viessem a público para lançar um manifesto contra o reinício de um campeonato e a favor da saúde pública.   

São mesmo tempos fora do comum estes que estamos vivendo.

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no TwitterFacebook e no site Bundesliga.com.br

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