Tortura de primavera
14 de abril de 2004Não importa onde está a culpa, se na poluição ambiental de hoje ou se numa infância longínqua extremamente asséptica. Fato é que a chegada da primavera na Europa se transforma em verdadeiro pesadelo para muitos. Na Alemanha, 15% da população reage de forma alérgica a diferentes tipos de pólen, que na primavera e no verão são transportados de um lado a outro pelo vento.
Enquanto a grande maioria da população passa horas do dia em parques, bares ou cafés da cidade, o alérgico sazonal vê-se confinado a ambientes fechados, passa os dias ensolarados espirrando e tossindo, munido de toneladas de lenços de papel.
Vítimas da bétula
Os sintomas da chamada febre do feno (ou polinose) podem ir além de simples espirros espalhados pelo dia, chegando a provocar doenças respiratórias mais sérias, como rinite, sinusite e até asma alérgica. Na maioria dos casos, as reações alérgicas ao pólen aparecem entre os oito e os 20 anos de idade.
O período de sofrimento também varia, dependendo da substância responsável pela alergia. De fins de fevereiro (amieiro) a agosto (gramíneas), as vítimas podem ser atacadas. Um dos momentos mais críticos na Alemanha é o mês de abril, quando a bétula floresce e deixa milhares de pessoas imprestáveis por algumas semanas.
Altos prejuízos
Segundo informações do recém fundado Centro Europeu para Pesquisa de Alergias, com sede no Hospital Universitário Charité, em Berlim, os efeitos das alergias na população ativa dentro da Alemanha causam prejuízos em torno de 25 bilhões de euros por ano, provocados pela ausência no trabalho e baixa produtividade.
Considerada durante décadas como uma “enfermidade de segunda categoria”, ou seja, não digna de muito interesse dos especialistas, a alergia vem recebendo, nos últimos anos, cada vez mais atenção. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMC), 150 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem hoje de asma, sendo que metade dos adultos afetados e a maioria das crianças desenvolve algum tipo de asma alérgica.
Mal de países ricos
Considerada uma enfermidade típica dos países industrializados, a alergia tem seu surgimento aliado à poluição ambiental. Um bom exemplo: a ex-Alemanha Ocidental apresentava um índice muito mais alto de incidência de alergias que a Alemanha Oriental. Desde a reunificação do país, com a industrialização rápida das regiões no leste alemão, o número de alérgicos subiu assustadoramente na região.
Um estudo epidemiológico internacional provou que há uma enorme disparidade no múmero de alérgicos e asmáticos na Europa: enquanto no oeste do continente o problema se agrava a cada dia, no Leste Europeu os indíces de atingidos ainda são bem menores.
A Albânia e a Grécia apresentam as taxas mais baixas de alérgicos no continente, enquanto o Reino Unido encabeça a lista das nações cuja população desenvolve mais alergias. Ou seja, acredita-se que fatores ligados a um estilo de vida urbano e ocidental possam contribuir para o desenvolvimento da enfermidade.
Combatendo preconceitos
O novo Centro Europeu para Pesquisa de Alergias em Berlim, financiado por uma fundação privada, pretende priorizar não apenas projetos de pesquisa na área, mas principalmente iniciar campanhas de esclarecimento da população sobre diagnóstico e terapia.
Torsten Zuberbier, porta-voz do Centro e Secretário-Geral da Rede Européia de Alergia e Asma, comenta: “Queremos que uma criança alérgica a determinados alimentos deixe de ter problemas nas escolas e que adultos não sejam prejudicados profissionalmente em conseqüência da enfermidade".
Financiamento independente
A fundação que sustenta o recém-criado centro é mantida através da ajuda financeira de um grande empresário dinamarquês (cuja família sofre de várias formas de alergia), o qual colocou um capital inicial de dois milhões de euros à disposição da pesquisa sobre o assunto. O objetivo é levar adiante pesquisas básicas, com fins independentes dos interesses da indústria farmacêutica.
Na espera de um avanço das pesquisas na área, o melhor que uma vítima da febre do feno tem a fazer é munir-se de anti-histamínicos e, na melhor das hipóteses, fugir do país em determinado período do ano. De preferência para bem longe ou rumo a regiões costeiras, onde o índice de alergias é muito menor.
Uma brasileira alérgica vivendo na Alemanha conta que saiu de uma crise durante a primavera européia, tendo voado para o Brasil. Ao desembarcar no aeroporto de São Paulo, apesar de toda a poluição do ar, teve a irônica sensação de estar, enfim, podendo respirar.