Ex-capitão de 75 anos foi condenado à prisão perpétua por participação na morte e tortura de dissidentes no âmbito da Operação Condor, a aliança de ditaduras da América do Sul que atuou nos anos 70 e 80.
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O ítalo-uruguaio Jorge Troccoli, um ex-capitão da Marinha que participou da Operação Condor, a aliança de ditaduras do Cone Sul nas décadas de 1970 e 1980, foi preso neste sábado (10/07) no sul da Itália, informaram fontes judiciais.
"Trocoli foi detido e está na prisão de Fuorni, Salerno, no sul da Itália", dissea advogada Alicia Mejía, que representa algumas das vítimas do repressor sul-americano.
Na sexta-feira, um Tribunal de Roma confirmou a sentença à prisão perpétua para 14 repressores sul-americanos, incluindo Troccoli, de 74 anos, que viveu na Itália por vários anos. Ao todo, 11 militares uruguaios e três chilenos acusados pela morte de cidadãos italianos e sul-americanos durante a Operação Condor foram condenados.
"O meu cliente ia se entregar. Estava à espera do resultado de uma série de exames médicos em razão de algumas patologias que sofre há muito tempo. Na véspera esteve no hospital de Battipaglia para fazer alguns exames. Vários agentes o levaram para o quartel e depois para a prisão", disse seu advogado, Francesco Saverio Guzzo.
"A prisão de Troccoli mostra que o Estado está executando as sentenças", comentou Jorge Ithurburu, presidente da organização de defesa dos direitos humanos 24Marzo. "Troccoli ainda não contou onde estão os corpos de suas vítimas, ele ainda pode", completou Ithurburu.
O ex-capitão foi processado na Itália pelo desaparecimento e morte de 25 pessoas, incluindo 20 cidadãos uruguaios e 5 ítalo-uruguaios.
Um total de 21 militares e policiais do Uruguai, Bolívia, Peru e Chile, que participaram de operações entre as ditaduras sul-americanas para sequestrar e executar dissidentes, foram processados e condenados na Itália em 2019.
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Julgamento
Na audiência realizada na sexta-feira, eram 20 os indiciados, mas foi constatada a morte de três réus e foi realizado um pedido de esclarecimento sobre a situação de outros três peruanos: o ex-presidente Francisco Morales Bermúdez e os militares Germán Ruiz Figueroa e Martín Martínez Garay.
Por essa razão, o Supremo decidiu apenas o caso de 11 repressores uruguaios e três chilenos, todos eles, exceto Troccoli, condenados à revelia.
O caso dos três réus peruanos será estudado em outro processo perante a Suprema Corte italiana.
Os uruguaios são Troccoli, José Ricardo Arab Fernández, Juan Carlos Larcebeau Aguirregaray, Pedro Antonio Mato Narbondo, Ricardo José Medina Blanco, Ernesto Abelino Ramas Pereira, José Sande Lima, Jorge Alberto Silveira Quesada, Ernesto Soca, Gilberto Vázquez Bissio e Juan Carlos Blanco.
Os ex-soldados Luis Alfredo Maurente Mata e José Horacio "Nino" Gavazzo também já morreram. O mesmo aconteceu com outros dois réus bolivianos que faziam parte inicialmente do processo, o ex-presidente Luis García Meza Tejada e seu ministro do Interior, Luis Arce Gómez.
Há uma semana, a Justiça italiana já havia ratificado a prisão perpétua de três ex-soldados chilenos que não recorreram: o coronel Rafael Ahumada Valderrama, o suboficial Orlando Moreno Vásquez e o brigadeiro Manuel Vásquez Chauan.
jps (AFP, EFE, ots)
A ditadura brasileira (1964-1985)
Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.