Tráfico se reinventa na Alemanha em meio à pandemia
10 de setembro de 2020
Relatório aponta que consumo de drogas continua a crescer no país. Traficantes se adaptaram rapidamente às restrições causadas pelo coronavírus, e houve aumento de encomendas pela internet e de distribuição pelo correio.
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Autoridades da Alemanha apontam um aumento no consumo de drogas ilegais no país. As estatísticas indicam crescimento constante nos últimos nove anos, tendência que nem mesmo a pandemia de coronavírus conseguiu interromper.
De acordo com o Departamento Federal de Investigações (BKA, na sigla em alemão), a alta nos registros de delitos ligados a entorpecentes se deve menos a uma fiscalização bem-sucedida que ao efetivo aumento no consumo.
De acordo com o chefe do BKA, Holger Münch, o nível de fiscalização foi tão alto em 2019 quanto no ano anterior.
De longe, o maior aumento verificado em 2019 foi o de delitos relacionados à cocaína, que apresentaram alta de 12,2%. "Percebemos que ela não é mais uma droga de elite", afirmou Münch nesta terça-feira (08/09) em Berlim, durante a apresentação das últimas estatísticas sobre criminalidade relacionada a entorpecentes na Alemanha.
Embora a venda de drogas nas ruas tenham sido dificultadas neste ano devido às restrições impostas para conter a pandemia de covid-19, a polícia percebeu que "não houve falta no mercado", de acordo com Münch. Ele afirmou que narcóticos ainda são fabricados e transportados, seja por ar ou por mar. O consumo também permaneceu constante.
Münch ressaltou que os traficantes se adaptaram rapidamente aos novos tempos. A distribuição de droga através de pedidos pela internet e pelo envio de quantidades menores pelo correio teria aumentado.
De acordo com o relatório da situação das drogas no país, em 2019 foram descobertos 31 laboratórios para fabricação de drogas sintéticas ilegais em todo o país, correspondendo a um aumento de cerca de 63%.
No geral, o número de delitos de drogas registrados em 2019 aumentou 2,6% em comparação com o ano anterior, para 359.747 casos. De longe, a maioria dos delitos esteve relacionado à cannabis (217.929).
De acordo com a lei alemã sobre narcóticos, quem cultiva substâncias intoxicantes como a cannabis sem permissão, fabrica, comercializa ou compra está sujeito a pena de prisão de até cinco anos ou multa. Formalmente, o consumo de entorpecentes não é criminalizado na Alemanha. Mas todas as ações que levam a ele são passíveis de punição.
Portar pequenas quantidades de cannabis para consumo pessoal não é considerado infração penal. Entretanto, a definição do que é considerado "pequena quantidade" difere conforme o estado alemão.
Em 2019, segundo o BKA, a maioria dos suspeitos traficantes de drogas sintéticas era de alemães (80%). Entre os supostos traficantes de heroína, um a cada dois tinham cidadania alemã. Entre os suspeitos de traficar cocaína, 57% eram estrangeiros.
A maior quantidade de cocaína apreendida na Alemanha até hoje foi em julho de 2019 durante uma inspeção de rotina no porto de Hamburgo. A polícia descobriu 4,5 toneladas de cocaína num contêiner com soja do Uruguai que deveria ir, via Hamburgo, para a Bélgica. O valor estimado do carregamento foi de quase um bilhão de euros.
MD/dpa/ots
Drogas com passado alemão
Muitos entorpecentes produzidos hoje em laboratórios clandestinos espalhados pelo mundo são criações de cientistas, militares e empresas da Alemanha.
Na Segunda Guerra
Nas campanhas na Polônia, em 1939, e na França, em 1940, Hitler enviou soldados drogados para o front. Na ocupação da França, teriam sido dados às tropas 35 milhões de comprimidos de Pervitin, que tinha o apelido de "chocolate de tanque" ou "pílula de Hermann Göring". A substância ativa, metanfetamina, é um estimulante do sistema nervoso central. Mas também os Aliados dopavam seus soldados.
Foto: picture-alliance/dpa-Bildarchiv
Alerta, destemido e sem fome
A droga foi produzida por um japonês, inicialmente em forma líquida. Químicos da fábrica berlinense Temmler aperfeiçoaram o produto e o patentearam em 1937. Um ano mais tarde o medicamento era lançado no mercado. Ele era usado contra cansaço, sensação de fome e sede e medo. Hoje em dia, o Pervitin é comercializado ilegalmente sob novo nome: Crystal Meth.
High Hitler?
Historiadores divergem se Adolf Hitler era dependente de Pervitin. Nas anotações de seu médico pessoal, Theodor Morell, aparece um "X" com frequência. Nunca foi esclarecido o que ele significa. Sabe-se, no entanto, que Hitler recebia medicamentos fortes, a maioria provavelmente muito aquém das atuais leis de combate às drogas.
Foto: picture alliance/Mary Evans Picture Library
"Milagrosa" heroína
A criatividade dos produtores de drogas na Alemanha já havia começado muito mais cedo. "Fim à tosse graças à heroína", era o slogan da fabricante alemã Bayer no final do século 19 para o seu sucesso de vendas. Em pouco tempo, a heroína passou a ser prescrita contra epilepsia, asma, esquizofrenia e doenças cardíacas, mesmo em crianças. Como efeito colateral, a Bayer apontava prisão de ventre.
Pai da aspirina e da heroína
O químico e farmacêutico Felix Hoffmann é celebrado especialmente como o inventor da aspirina. Sua segunda grande descoberta aconteceu quase por acaso, enquanto experimentava com ácido acético. Ele resolveu combinar este ácido com morfina, obtido do suco da papoula usada para produzir ópio, criando assim a heroína. O produto só se tornaria ilegal na Alemanha em 1971.
Cocaína para oftalmologistas
Já desde 1862, a alemã Merck fabricava cocaína, usada na época pelos oftalmologistas como anestésico local. Ao pesquisar folhas de coca da América do Sul, o químico Albert Niemann havia isolado um alcaloide, que chamou de cocaína. Niemann morreu pouco depois de sua descoberta, vítima de um problema pulmonar.
Foto: Merck Corporate History
Freud e cocaína
Sigmund Freud consumia cocaína para fins científicos. Em seus "Escritos sobre a cocaína", o pai da psicanálise escreveu que ela não traz inconvenientes. Segundo ele, a substância transmite euforia, energia para viver, e motiva a trabalhar. Seu entusiasmo, no entanto, acabou com a morte de um amigo por causa da droga. Naquele tempo, a cocaína era prescrita contra dor de cabeça e dor no estômago.
Foto: Hans Casparius/Hulton Archive/Getty Images
O barato do Ecstasy
Embora o americano Alexander Shulgin seja considerado o inventor da pílula Ecstasy, a receita para sua produção estava em mãos da fabricante alemã Merck. Em 1912, foi dada entrada para a patente de uma substância oleosa sem cor chamada metilenodioximetanfetamina (MDMA ). Na época, os químicos consideraram que ela não teria valor comercial.
Foto: picture-alliance/epa/Barbara Walton
Efeitos de longo prazo
Os efeitos destas descobertas são implacáveis. As Nações Unidas calculam que em 2013 morreram 190 mil pessoas no mundo devido ao consumo de drogas ilegais. Em relação a bebidas alcoólicas, que não são proibidas, os números são mais impressionantes: a Organização Mundial da Saúde estima que em 2012 5,9% de todos os casos de morte no mundo (3,3 milhões) foram uma consequência do consumo de álcool.