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Trabalho infantil: Brasil longe de meta da ONU

18 de dezembro de 2020

Crise econômica agravada pela pandemia deve tornar ainda mais distante o objetivo, estabelecido junto às Nações Unidas, de erradicar o problema até 2025.

Em 2019, 1,76 milhão de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos trabalhavam em atividades perigosas ou prejudiciais à saúde e ao desenvolvimento
Em 2019, 1,76 milhão de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos trabalhavam em atividades perigosas ou prejudiciais à saúde e ao desenvolvimentoFoto: picture-alliance/dpa/W. Rudhart

O Brasil terá dificuldades para cumprir a meta de erradicar o trabalho infantil até 2025, estabelecida junto à ONU. Em 2019, 1,76 milhão de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos trabalhavam em atividades perigosas ou prejudiciais à saúde e ao desenvolvimento.

Os dados divulgados nesta quinta-feira (17) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma queda do patamar observado no último balanço, em 2016, quando o problema afetava 2,12 milhões de brasileiros.

Embora o trabalho infantil tenha recuado 16,8% entre 2016 e 2019, o ritmo de queda vem desacelerando nos últimos anos, segundo especialistas. Mantida a trajetória atual, o país ainda deverá ter cerca de 1 milhão de crianças e adolescentes trabalhando ilegalmente em 2025, prazo estabelecido para a erradicação do problema nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) das Nações Unidas.

A projeção é de Isa Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Em sua avaliação, a crise econômica provocada pela pandemia e seus efeitos nos próximos anos vão agravar esse cenário, já fragilizado pela desmobilização de políticas públicas nessa área pelo governo federal.

"Historicamente, a escolarização reduz à medida que a faixa etária se eleva. Agora, para sobreviver e colaborar com a renda familiar, os adolescentes estão trabalhando, e isso pode desmotivar o retorno à escola. Trata-se de um espaço que habitualmente não encanta. Imagine, então, após esse tempo de afastamento", diz.

Riscos à formação de jovens

Em 2019, a população entre cinco e 17 anos de idade correspondia a 28,28 milhões no Brasil, segundo o IBGE. Desse total, 2 milhões realizavam, legal ou ilegalmente, atividades econômicas remuneradas ou as chamadas atividades de autoconsumo, como a criação de animais para alimentação doméstica.

As únicas situações em que crianças e adolescentes podem trabalhar legalmente no Brasil são as de jovens aprendizes entre 14 e 15 anos e as de pessoas com 16 e 17 anos em postos com carteira assinada, desde que não estejam alocadas em atividades noturnas, insalubres e perigosas. Excluídos os jovens nessas condições, restam 1,76 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil identificadas pelo IBGE em 2019.

Entre as crianças e adolescentes que eram remunerados pelo trabalho, legal ou ilegalmente, 45,8% do total de 1,54 milhão estavam em ocupadas em atividades que integram a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). São exemplos a operação de máquinas agrícolas, manuseio de materiais tóxicos, comércio ambulante, construção civil e carregamento de cargas.

"Esse dado é estarrecedor, porque revela que temos um quantitativo elevado de crianças e adolescentes em condições indignas de trabalho, extremamente perigosas, insalubres e prejudicial à sua formação, inclusive do ponto de vista psicológico e moral", observa Ana Maria Villa Real, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) e coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente no MPT.

Trabalho infantil como sintoma

O diretor da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, diz que o trabalho infantil apresenta maior resistência à erradicação em segmentos específicos, com dinâmicas próprias.

"No caso do trabalho doméstico, tem a questão fundamental da invisibilização. Já no meio rural, há o peso da reprodução social e a relação direta com a subsistência da família. Tem ainda a parte do trabalho infantil que fica nas sombras, como a exploração sexual e o tráfico de drogas no meio urbano", afirma.

Apesar das singularidades de cada contexto, Sakamoto relaciona o indicador à estrutura socioeconômica em que as famílias estão inseridas. Ele afirma que os programas de transferência de renda são insuficientes para garantir o sustento das famílias, que acabam por levar os filhos para trabalhar.

"O trabalho infantil não é um problema em si, mas um sintoma de desigualdade social crônica, concentração de renda e falta de oportunidades iguais asseguradas às famílias, para que as crianças possam se desenvolver plenamente. Para se ter ideia, uma das coisas que está relacionada ao trabalho infantil é falta de creche e escolas em tempo integral. Nesses casos, o pai leva a criança pra trabalhar porque não tem onde deixar", assinala.

O recorte racial

A leitura é endossada por Villa Real, que chama atenção para a composição racial do indicador: 66,1% das crianças e adolescentes em trabalho infantil são pretos ou pardos.

"O aumento de 6% entre as crianças e adolescentes pretos e pardos em situação de trabalho infantil nos últimos anos reforça o papel do racismo como causa estruturante do trabalho infantil e da pobreza no Brasil. A prevenção e erradicação passam pelo enfrentamento dessas mazelas", avalia.

Na visão da procuradora, a fiscalização é insuficiente para fazer frente ao problema, que envolve situações muito complexas, a exemplo do trabalho infantil no tráfico de drogas e na exploração sexual de crianças e adolescentes. O mesmo vale para os casos ligados ao regime de economia familiar. Apesar das ressalvas, a procuradora observa um sucateamento do trabalho de monitoramento.

Em março de 2019, o governo Jair Bolsonaro extinguiu a comissão responsável pela gestão do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Posteriormente, o presidente a recriou sob tutela do Ministério da Economia.

Para Sakamoto, da Repórter Brasil, o reforço do trabalho de fiscalização passa por medidas simples, como o aumento da verba para combustível e diárias de hotel em áreas remotas. O diretor da ONG elogia a qualificação do corpo de auditores do trabalho em atividade no país.

"Há uma demanda nessa categoria pela contratação de mais agentes, que só perdeu em número de trabalhadores ao longo dos anos. Sem fiscais do trabalho, não tem como verificar denúncias in loco, tirar crianças dessas condições e garantir a inclusão de famílias em redes de assistência social. O problema é que tem havido reduções em de recursos voltados às ações de fiscalização pelo governo federal", critica.

 

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