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Tradições africanas aumentam risco de transmissão do ebola

Julia Mahncke (pv)6 de agosto de 2014

Em Serra Leoa, Guiné e Libéria, tratamento dado a cadáveres em muitas cerimônias fúnebres representa risco de contágio da doença. Epidemia exige medidas estritas, em que a religião, às vezes, fica em segundo plano.

Foto: CELLOU BINANI/AFP/Getty Images

A morte de um membro da família já é chocante por si só. Mas em Guiné, Serra Leoa e Libéria, onde já morreram mais de 900 pessoas vítimas do vírus ebola e o número de infectados cresce cada vez mais, a epidemia força a população a mudar o seu comportamento.

Dependendo da tradição nesses países, os mortos são lavados ou sepultados, mas o contato durante o último adeus agora é tabu. Especialistas em saúde alertam para cuidados especiais no tratamento dos mortos: os cadáveres não devem ser tocados. O risco de contágio é grande.

"Isso é muito, muito difícil", conta o padre Peter Konteh, diretor da organização de apoio social Caritas, em Freetown, a capital de Serra Leoa. "A aproximação corporal é comum em nossos funerais. Familiares e membros religiosos tocam os mortos para abençoá-los. Conheço imãs [pregadores muçulmanos] que morreram porque foram infectados durante os seus trabalhos."

Colaboradores internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS), a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras e outros grupos alertam para o alto risco de contágio. Eles difundem regras e distribuem panfletos.

"Em muitos momentos, essas equipes estão sob enorme pressão", diz Hansjörg Dilger, etnólogo da Universidade Livre de Berlim. "Deles se espera que consigam ter rapidamente a situação sob controle."

Consequentemente, afirma Dilger, falta tempo aos assistentes para refletir sobre como a população local pode dar o tratamento que querem aos mortos, de acordo com sua cultura, mas sem correr riscos de infecção.

Colaboradores do "Médicos Sem Fronteira" trabalham com uniformes especiais na GuinéFoto: Seyllou/AFP/Getty Images

Seguindo instruções do governo de Serra Leoa, os cadáveres, ao invés de serem enterrados, devem ser cremados. Parentes estariam então começando a esconder os mortos em casa. Cenário totalmente diferente na Libéria: por lá, segundo a imprensa, os moradores se queixam que ninguém quer tocar nos mortos, que não estariam sendo buscados pelas autoridades.

Conscientização complicada

O ceticismo com as autoridades não é novidade, ele apenas é baseado em experiências ruins, afirma Dilger. Mas agora, a relutância da população com os esforços do governo colide contra a luta para conter a propagação rápida da doença.

"Devido à falta de um sistema público de saúde adequado, os doentes frequentemente não são tratados nos hospitais, e sim pelas próprias famílias", diz o especialista em África. Segundo ele, para a população local, é difícil entregar a responsabilidade para a ajuda internacional.

O padre Konteh, de Serra Leoa, relata que pessoas retiraram parentes doentes dos centros de saúde, pois haviam visto que outros não saíram vivos de lá. Em vez disso, eles creem na ajuda de tradicionais curandeiros africanos.

"Quando eclode uma epidemia, rapidamente surge o questionamento do sentido: por que tantas pessoas precisam morrer tão de repente?", explica Dilger. "Em alguns casos, as pessoas acreditam em causas que não estão atrelados ao campo da medicina, como, por exemplo, a feitiçaria."

No entanto, isso não significa que os conceitos da medicina ocidental não sejam conhecidos ou aceitos de forma geral. "Eles [os conceitos ocidentais] simplesmente não respondem as questões em relação ao sentido moral, que são levantadas pelas mortes repentinas de entes queridos", completa Dilger.

A distribuição percentual das confissões religiosas em Guiné, Serra Leoa e Libéria, países assolados pelo vírus ebola

Se inicialmente os ritos religiosos eram favoráveis à proliferação do ebola – como em cerimônias fúnebres –, o pensamento agora é outro. A religião deve ajudar no combate da doença. O padre Konteh utiliza o culto cristão como evento de informação, explicando como o vírus se espalha e quais são as opções de prevenção. "Mais da metade dos moradores de Serra Leoa vão à igreja ou à mesquita", conta.

Em Freetown, Konteh participa de encontros com representantes muçulmanos, cristão, da OMS e do governo. Lá, eles chegam a um consenso sobre qual é a notícia que pretendem difundir. Ele busca alcançar até mesmo aqueles que não frequentam a igreja.

"Num dia destes, acompanhado de outros assistentes da Caritas, andei pelas favelas com uma megafone em mãos", conta Konteh. Também dessa maneira, ele transmite informações para a prevenção, já que nem todos possuem um rádio.

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