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Transição no Egito é marcado por falhas e deslizes

Markus Symank (sv)13 de maio de 2013

Depois da queda de Hosni Mubarak, parecia que o Egito iniciaria uma nova era. Hoje, o país está mais dividido que nunca. O caminho rumo à democracia ainda é longo e erros do passado ainda têm de ser compensados.

Foto: Reuters

A situação no Cairo é de combates políticos, divergências religiosas e queda vertiginosa do desempenho econômico. Quem, nesses dias, estiver em busca de notícias boas sobre o Egito, terá à frente uma tarefa praticamente impossível. O processo de transição democrática parece estagnado, enquanto imagens de violência e caos dão o tom do noticiário sobre o país.

A situação atual é contrastante à atmosfera de ruptura e euforia que sucedeu à queda do ditador Hosni Mubarak. Naquele momento, há aproximadamente dois anos, muita gente nutria a ilusão de que se iniciava no país uma nova era – uma era de mais liberdade, mais direitos e igualdade social. Hoje, a população está decepcionada e não são poucos os que amaldiçoam a revolução. "O que deu errado?, perguntam-se muitos egípcios.

Polarização provocada pela religião

Duas instituições são comumente aliadas às falhas e descasos do processo de transição: os militares e a Irmandade Muçulmana. Foram eles que, na opinião do analista político Emad Gad, do Centro Al Ahram, no Cairo, iniciaram um curso errôneo já no começo do processo de transição.

Emad Gad aponta ruptura na sociedade egípciaFoto: privat

Ao contrário da Tunísia, a matriz da Revolução, que conclamou de início uma assembleia para redigir uma nova Constituição, as Forças Armadas e os islâmicos egípcios forçaram eleições parlamentares prematuras. E o povo foi às urnas em março de 2011, data de um referendo no país. Ou seja, desta forma, o Egito quis começar a exercer a democracia, sem anteriormente ter definido as regras do jogo. Ou pior ainda: esse passo acelerou a ruptura da sociedade, como critica Gad. Desde então, a polarização entre islâmicos e seculares vem marcando o discurso político no Egito.

Para Gad, a Irmandade Muçulmana, cujo partido Liberdade e Justiça abocanhou quase 50% dos votos nas últimas eleições parlamentares, em fins de 2011, e cujo candidato à presidência, Mohammed Morsi, passou a ocupar a presidência do país meio ano mais tarde, como primeiro chefe de Estado civil do país, apostou já desde o início na religião.

"No Egito, a religião é o meio mais fácil de ganhar votos: 40% da população são analfabetos e muitos são facilmente influenciáveis", completa o analista. Em prol do sucesso de seu próprio partido, os islamitas sacrificaram o consenso social, conclui.

Compreensão deficitária do que é democracia

O especialista alemão em Egito Stephan Roll, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, também critica a Irmandade Muçulmana por sua política de polarização e não poupa palavras quando fala da oposição: "As forças seculares querem governar lado a lado. Com isso, elas ignoram os resultados das eleições", diz Roll. Segundo ele, os islâmicos, por outro lado, entendem sua vitória nas urnas como uma carta branca para governar com poder absoluto. "Ambas as partes têm uma compreensão deficitária do que é democracia", completa o especialista.

Apoiadores da Irmandade Muçulmana defendem leis religiosasFoto: AFP/Getty Images

Desde a vitória das forças islâmicas na eleição parlamentar, o debate político no Egito gira praticamente apenas em torno do papel da religião na Constituição, na mídia e na sociedade. A exigência da revolução por maior igualdade social foi esquecida e os problemas econômicos urgentes do país são simplesmente ignorados pelos políticos.

Essa é, na opinião de Roll, uma das grandes dificuldades do processo de transição: os políticos não conseguiram até agora, segundo ele, tratar de questões práticas que não dizem respeito a esses debates fundamentais. No entanto, sem que isso ocorra, o país não poderá evoluir, conclui.

Resistência do "Felul"

Enquanto a oposição egípcia responsabiliza os islâmicos pela estagnação econômica e pelo bloqueio político, esses creditam a situação ao antigo regime. Para as forças islâmicas, os chamados "Felul" (defensores de Mubarak) colocam pedras no caminho do atual governo.

Mohammed Morsi derrotou por pouco Ahmed ShafikFoto: picture-alliance/dpa

Enquanto isso, discute-se quanto poder ainda tem o antigo regime. Para o cientista político Gad, a herança de Mubarak existe em forma de corrupção, torturas e nepotismo. Uma suposta resistência coordenada dos Felul não é vista por Gad, contudo, como realidade. Segundo ele, isso é "uma desculpa da Irmandade Muçulmana, que não quer reformas".

Stephan Roll, por outro lado, acredita que a influência do antigo sistema é subestimada. Ele salienta o fato de o regime Mubarak não ter se sustentado graças a apenas duas ou três famílias, mas em função de grupos de interesse da elite econômica, do judiciário e do aparato de segurança.

A quase vitória de Ahmed Shafik nas eleições parlamentares no último ano – o ex-primeiro-ministro do governo Mubarak recebeu no pleito contra Morsi 48% dos votos – pode ser vista como prova disso. A dissolução do Parlamento, dominado pelos islâmicos, ordenada pela mais alta instância jurídica do país, é outra demonstração de que os resquícios do antigo regime ainda se mantêm presentes na atual estrutura do Estado.

Falta de um mediador

A desconfiança de todos os lados paralisou o processo de transição no Egito. Muita gente acredita que, para um grito de libertação, seja preciso uma personalidade ou uma instituição nacional, que servisse como mediador entre as frentes.

Militares ainda apoiam MorsiFoto: picture-alliance/dpa

A instituição religiosa islâmica Al Azhar seria ideal para esta função, não tivesse sido arrastada anteriormente pela Irmandade Muçulmana. Como não há ninguém como um Nelson Mandela entre os egípcios, muita gente entre a população olha para os militares como se pudessem ser eles os salvadores nesse momento de urgência.

Emad Gad vê a esperança numa intervenção militar no país como algo extremamente arriscado: "Os meses sob a hegemonia militar, imediatamente após a queda de Mubarak, foram uma catástrofe", lembra o especialista. Segundo ele, os generais estavam apenas interessados em garantir seus soldos na nova era.

Um grupo de ativistas divulgou recentemente que havia recolhido um milhão de assinatura no país pela volta dos militares. Caso as Forças Armadas de fato recuperem o poder, estará encerrado o processo de transição democrática no Egito.

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