Vitória ambientalista
9 de novembro de 2010Nesta terça-feira (09/11), os 11 contêineres contendo 123 toneladas de resíduos altamente radioativos, oriundos do centro de processamento de La Hague, França, chegaram às 09h46 (hora local) ao depósito provisório de Gorleben, no norte da Alemanha. Os cerca de mil quilômetros percorridos até a cidade no estado da Baixa Saxônia exigiram quase quatro dias, marcados por protestos, bloqueios e mudanças de rota.
O transporte apresentou um atraso de 24 horas em relação ao planejado, e representou uma decidida vitória para os ambientalistas. Pois, embora o polêmico transporte de lixo nuclear não tenha sido impedido, a resistência dos ambientalistas multiplicou os custos, fornecendo mais um argumento – no caso, de ordem econômica – contra a política energética de Berlim.
Milhões provocam discórdia
O 11º dos chamados "transportes Castor" – acrônimo que designa os contêineres utilizados – foi o mais longo de todos. Calcula-se que ele vá custar até 50 milhões de euros aos contribuintes alemães, sendo um dos principais fatores dos altos custos a mobilização permanente de 20 mil agentes policiais.
Por esse motivo, na última sexta-feira, o presidente do sindicato da polícia DpolG, Rainer Wendt, exigiu da indústria termonuclear uma espécie de "caução" para operações do gênero. O estado da Baixa Saxônia declarou esperar que pelo menos seus gastos diretos, de cerca de 25 milhões de euros, sejam reembolsados pelos outros governos estaduais e por Berlim. No entanto, ambas as exigências parecem sem perspectiva de sucesso.
Segundo o ministro alemão do Meio Ambiente, Norbert Röttgen, a indústria atômica não deve assumir parte dos custos com a mobilização policial para os transportes Castor. "O que aqui acontece é uma atividade lícita. Essas usinas e esses transportes dispõem de permissão." Para o ministro democrata-cristão, o armazenamento seguro do lixo radioativo, pelo menos provisório, é tarefa do Estado. "Utilizamos a energia nuclear no passado, e hoje temos que arcar com as consequências. Para isso, pagamos impostos: assim são as coisas."
Responsabilidade da coalizão
O presidente do sindicato da polícia GdP, Konrad Freiberg, atribuiu à coalizão de governo liberal-cristã parte da responsabilidade pelas manifestações contra o comboio com lixo atômico. "Os protestos aumentaram – o que não é de espantar", desde que o governo rompeu com a decisão de abandonar a energia atômica.
Em setembro último, a premiê alemã, Angela Merkel, anunciara a intenção de prorrogar o funcionamento das usinas termonucleares do país em mais 12 anos, em relação ao estabelecido pelo governo anterior, de social-democratas e verdes. "Quem faz uma coisa dessas tem que contar que levará a conflitos na sociedade", sentenciou Freiberg ao jornal Mitteldeutsche Zeitung.
Nikolaus Schneider, que preside o Conselho da Igreja Luterana na Alemanha (EKD), pronunciou-se a favor de bloqueios pacíficos dos transportes de lixo atômico, como forma legítima de protesto. Ele criticou os conflitos isolados ocorridos no fim de semana. "Temos que reprimir imediatamente esse tipo de coisa, pois não queremos praticar formas de guerra entre nós."
Ardil espetacular
Na noite de segunda-feira, diante da estação de carga e descarga de Dannenberg, a curta distância do depósito, cinco membros da Greenpeace ainda conseguiram provocar um último atraso através de um ardil espetacular.
Eles bloquearam a passagem com um veículo disfarçado de caminhão de bebidas, ao qual dois dos ativistas se acorrentaram de forma tão complicada que os técnicos da polícia levaram até a manhã seguinte para libertá-los.
"Com os nossos protestos, fizemos as pessoas repensarem: a energia nuclear voltou a ser um tema da sociedade", comentou Jochen Stay, da iniciativa Ausgestrahlt (Irradiado), quando o comboio atingiu o depósito de Gorleben. "Foi um momento áureo da resistência não violenta."
Renascimento da resistência
De fato: não houve a tão temida escalada de violência, nas confrontações entre manifestantes e agentes de segurança. Ocorrências como o incêndio de um carro da polícia ou algumas investidas a cassetetes por parte dos agentes permaneceram fatos isolados.
Na evacuação dos manifestantes, por exemplo, os policiais deveriam carregá-los. Porém alguns, exaustos, não levaram as instruções ao pé da letra, arrastando com brusquidão os ativistas que bloqueavam os trilhos de trem. Apesar do clima basicamente pacífico das manifestações, o balanço final foi de cerca de mil feridos.
No decorrer das 92 horas que durou o transporte Castor, a resistência contra a energia nuclear não viveu apenas um renascimento na Alemanha: ela adquiriu uma nova qualidade. Jamais um transporte Castor demorou tanto, nem o empenho de ativistas de todo o país foi tão grande e obstinado quanto neste ano.
AV/dpa/afp/ap
Revisão: Carlos Albuquerque