Cidade onde filósofo nasceu e passou seus primeiros anos comemora bicentenário de nascimento desvelando escultura doada pela China e abrindo exposição sobre o pensador.
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Acompanhada de faixas com dizeres que iam de "abaixo o capitalismo" a "pai de todos os ditadores", a cidade de Trier, na Alemanha, inaugurou uma polêmica estátua do filósofo Karl Marx neste sábado (05/05), exatos 200 anos depois do seu nascimento.
A escultura de bronze, que tem 5,50 metros de altura, incluindo o pedestal, e pesa mais 2,3 toneladas, é um presente da China para marcar o bicentenário do principal teórico do comunismo. A estátua retrata um Marx pensativo, com um livro numa das mãos.
Enquanto alguns veem o monumento como um reconhecimento justo ao filho mais famoso de Trier, outros argumentam que aceitar um presente da China não é compatível com a crítica às violações dos direitos humanos no país.
Marx passou os primeiros 17 anos de sua vida em Trier, uma pequena cidade às margens do rio Mosela, no extremo oeste da Alemanha.
Segundo a polícia, cerca de três mil pessoas acompanharam a cerimônia de inauguração do monumento, de autoria do escultor chinês Wu Weishan.
Cerca de 70 pessoas participaram de uma marcha silenciosa de protesto contra a estátua, promovida pelo partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), enquanto uma manifestação de adversários da AfD reuniu 150 militantes. Outras 300 pessoas se uniram a um ato a favor da estátua.
Muitos veem a divisão da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial e a construção do Muro de Berlim como consequência das ideias do pensador alemão, mas o prefeito de Trier, Wolfram Leibe, avalia que as controvérsias históricas devem ser motivo de debate.
Bem-vindo à cidade natal de Marx
05:27
"Há dez anos, isso não teria sido possível. Tenho certeza de que Marx pode hoje ser visto num contexto histórico. O que os regimes fizeram com ele não é o que Marx queria", afirmou Leibe à emissora ARD. "Na Alemanha, temos essa situação, vez por outra, com personalidades difíceis e complexas da história – queremos escondê-las na floresta", disse o político. "Mas foi um ato consciente trazer Karl Marx para a cidade. Nós não precisamos escondê-lo."
A presidente do Partido Social-Democrata (SPD), Andrea Nahles, disse que as ideias de Marx continuam atuais. "Ninguém influenciou a social-democracia mais do que Marx", declarou. O SPD abandonou as ideias marxistas em 1959, mas elas estiveram na origem da fundação do partido, lembrou a líder social-democrata alemã.
A governadora da Renânia-Palatinado, Malu Dreyer, à qual Trier pertence, também participou da inauguração. "Sim, estamos do lado do filho da nossa cidade. E lidamos com Karl Marx de uma maneira construtiva e ativa", afirmou Dreyer. "Não se deve culpar Marx pelos horrores do século 20 e, da mesma forma, também não se deve santificá-lo", frisou a política. "Estamos felizes em receber este presente, este gesto de amizade."
No mesmo dia foi inaugurada uma nova exposição permanente no museu Casa de Karl Marx, intitulada De Trier para o mundo: Karl Marx, suas ideias e suas consequências. Além de um relógio de bolso do crítico do capitalismo, a exibição mostra pela primeira vez a cadeira em que o pensador teria morrido.
MD/kna/rtr/ard
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Karl Marx, dos vinhedos às fábricas do mundo
Marx é possivelmente o mais influente de todos os filósofos alemães. Mas será que teria gostado do que fizeram com sua obra? O totalitarismo dos futuros regimes "marxistas" é um tópico controverso.
Foto: picture-alliance/akg-images
Visão aguçada
Karl Marx não foi só um mestre-pensador, mas também um grande observador de dinâmicas sociais e psicológicas. Suas análises econômicas são ao mesmo tempo descrições sutis de formas de vida modernas: sob pressão da economia, "os homens são finalmente obrigados a encarar com olhos sóbrios […] suas relações recíprocas". Capitalismo e iluminismo, diz o filósofo, mantêm entre si uma discreta relação.
Foto: Getty Images/H. Guttmann
Idílio alemão e ideais franceses
Marx cresceu no perfeito idílio de uma região vinícola. O Vale do Mosela, onde se situa sua cidade natal, Trier, é considerado uma das mais belas paisagens cultivadas da Alemanha. A França não está distante. "Liberdade, igualdade, fraternidade", os grandes ideais da revolução de 1789, não tardaram a chegar a Trier. E aí, adeus ao romântico sossego regado a vinho branco.
Foto: imago/Chromorange
Alma poética
Na juventude, Marx era um poeta altamente romântico. "Em torno de mim flui uma pulsão eterna, / eterno arrebatamento, eterna chama", diz um de seus poemas. Os versos eram dedicados a Jenny von Westphalen. E a corte funcionou, pois os dois jovens casaram-se em junho de 1843. Primeiro no civil e pouco depois, apesar da descrença de Marx, também na igreja.
Foto: picture-alliance/akg-images
Amigo e financiador
A vida inteira, Marx nunca conseguiu lidar com dinheiro, sua família estava sempre à beira da falência. Por isso foi um feliz acaso, não só editorial mas também financeiro, ele ter encontrado em meados da década de 1840 Friedrich Engels, filho rico e intelectual de um fabricante. Engels o apoiava regularmente: Marx seguiu tendo que frequentar a casa de penhores, mas com menor frequência.
Foto: imago/Caro
"Expropriação dos expropriadores"
Para impor limites aos capitalistas é necessária uma "socialização dos meios de produção", escreveu Marx em sua principal obra, "O Capital". Aí o "invólucro capitalista" arrebentará definitivamente. Depois é preciso partir para o ataque contra os "exploradores": "Os expropriadores serão expropriados", prometia o filósofo.
Foto: picture-alliance/akg-images
História como tragédia – e farsa
Marx não perdoou quando o presidente Charles Louis Napoléon Bonaparte se proclamou imperador dos franceses em 1851, imitando seu grande modelo, Napoleão Bonaparte. "Hegel observou que todos os fatos e personagens de grande importância na história universal ocorrem duas vezes”, citou Marx, complementando: "Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa."
Foto: picture-alliance/akg-images
"Não sou marxista"
Em nome de Marx, regimes totalitários tomaram o poder em diversas partes do mundo, com violência impuseram as doutrinas políticas que achavam encontrar em suas obras. O próprio Marx parece ter previsto o desastre bem cedo e comentado: "Tudo que sei é: não sou um marxista." A citação não é comprovada, mas certamente faz honra aos traços liberais de sua obra.
Foto: picture-alliance/akg-images
Leste vermelho
O Leste é "vermelho" também na África: Marx e Engels são celebrados na Etiópia. Junto a Lênin, eram vistos como garantia de um grande futuro, que o país lutaria para conquistar. Em nome desse futuro a obra de Marx foi declarada doutrina infalível e aclamada pelas massas. Como em 1987, em Addis Abeba, durante o 13º aniversário da tomada do poder por Haile Mengistus.
Foto: Getty Images/AFP/A. Joe
O último a sair apaga a luz
Até 1989, a filosofia de Marx esteve a serviço dos regimes totalitários na Europa Oriental, que acabaram falindo financeiramente. De repente os Estados soviéticos entraram em colapso. A Hungria foi a primeira a abrir as fronteiras para o Ocidente. Os cidadãos da Alemanha Oriental que lá se encontravam queriam uma única coisa: ir embora. A partir de 1989, por algum tempo deixou-se de falar de Marx.
Foto: picture-alliance/dpa
Projeto interminável
Alguns anos após o colapso do comunismo, Marx reaparece como figura de grafite em Berlim. Sua camiseta lembra: "Eu disse a vocês como mudar o mundo". Ele próprio, há muito tempo aposentado, tem que catar garrafas para sobreviver. É como se a revolução fosse um projeto sem fim – e impossível de completar.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/A. Widak
Marx sobre-humano
Uma estátua de Marx com mais de quatro metros de altura, cujos "longos cabelos e longo casaco representam sua sabedoria": assim explica o escultor chinês Wu Weishan sua visão do filósofo alemão. Em Trier houve grande relutância em aceitar o presente da China, devido ao pouco respeito pelos direitos humanos no país. O que Marx diria disso?
Foto: picture-alliance/dpa/H. Tittel
Última conclamação
"Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos", talvez uma das frases mais conhecidas de Karl Marx, foi o que o escultor Laurence Bradshaw gravou na lápide do filósofo. Ele morreu em 1883, aos 64 anos, em Londres, e está sepultado no cemitério de Highgate. São palavras fáceis de dizer, mas em que ações resultarão? E serão as ações certas?