Presidente americano estabelece como principal objetivo combate ao terrorismo e diz que rápida retirada de soldados dos EUA deixaria vácuo político no país. Cabul saúda Washington, e Talibã promete intensificar jihad.
Anúncio
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta segunda-feira (21/08) a nova estratégia americana para o Afeganistão e o Sul da Ásia, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade.
Os objetivos incluem "obliterar" o "Estado Islâmico" (EI), "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão, afirmou Trump em um discurso televisionado perante as tropas em Fort Meyer, em Arlington, no estado da Virgínia.
Era aguardado que Trump anunciasse um aumento de 4 mil soldados americanos no Afeganistão, de acordo com relatos da imprensa local citando funcionários não identificados do Congresso que tinham sido informados pela Casa Branca. Mas o presidente disse que "não ia falar sobre números de tropas ou nossos planos para futuras atividades militares".
Atualmente, os EUA mantêm cerca de 8.500 soldados no Afeganistão, lutando na guerra em que Washington entrou após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.
Trump reconheceu que o povo americano está cansado da guerra sem vitória e disse que compartilha dessa frustração em relação a "uma política externa que gastou muito tempo, energia, dinheiro e, o mais importante, vidas – tentando reconstruir países em vez de perseguir nossos interesses de segurança acima de todas as outras considerações".
"Meu instinto original era de retirar [as tropas]. Mas as decisões são muito diferentes quando você se senta à mesa no Salão Oval", disse Trump. "Não podemos repetir no Afeganistão os erros que nossos líderes cometeram no Iraque."
Segundo o presidente, uma retirada precipitada seria uma repetição da saída militar americana do Iraque em 2011, que deixou um vácuo político preenchido por terroristas. Trump também afirmou que ampliará a autoridade das Forças Armadas dos EUA para atacar terroristas e redes criminosas.
"Esses assassinos precisam saber que não têm onde se esconder, que nenhum lugar está além do alcance do poder americano e das armas americanas", afirmou.
Um pilar central da nova estratégia é uma mudança na abordagem – as operações não serão mais baseadas num cronograma, mas nas condições que se apresentarem. "Eu disse muitas vezes o quão contraproducente é pra os EUA anunciar antecipadamente as datas nas quais pretendemos começar ou encerrar as opções militares", disse Trump.
A nova estratégia também inclui alterações na abordagem em relação ao Paquistão, que Trump disse estar providenciando refúgio para terroristas.
Talibã promete seguir com a jihad
Num comunicado divulgado pouco depois do discurso de Trump, o Talibã prometeu continuar a luta "até o último suspiro" e afirmou que, caso os EUA não se retirem do Afeganistão, o país se transformará num cemitério para as tropas americanas.
A organização extremista também comunicou que seguirá adiante com a jihad (guerra santa) "com total determinação", até o último soldado americano estar fora do Afeganistão.
O governo de Cabul, por sua vez, saudou o discurso de Trump, afirmando estar ouvindo "exatamente o que precisávamos". Em comunicado, o presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, afirmou que o anúncio de Washington mostrou o "compromisso duradouro do parceiro fundamental do Afeganistão neste conflito global".
O embaixador afegão nos Estados Unidos, Hamdullah Mohib, elogiou Trump por "romper o silêncio" sobre o Paquistão e disse que Cabul está empenhada em continuar as reformas que mostram que merece o apoio americano.
Trump apoiou Obama em retirada do Afeganistão
Até o momento, o conflito no Afeganistão custou aos EUA milhares de vidas e centenas de bilhões de dólares em ajuda militar e humanitária. Enquanto as tropas americanas derrubaram com sucesso o regime talibã em 2001, não conseguiram desmantelar o movimento jihadista nem romper a dependência das forças que combatem os insurgentes do apoio americano.
Em 2010, os EUA mantinham mais de 100 mil soldados nos Afeganistão. A maioria, porém, deixou o país até o final de 2014, com a Otan mantendo um contingente de cerca de 13 mil soldados atuando como consultores.
Desde a retirada dos EUA, o Talibã alcançou ganhos territoriais constantes. O governo de Cabul controla atualmente apenas pouco mais da metade do país. Os jihadistas têm lançado repetidos ataques no cerne da capital afegã.
Antes mesmo da campanha presidencial de 2016, Trump descreveu a guerra afegã como um "desperdício" de vidas e dinheiro e, posteriormente, como "um erro terrível".
Na época, Trump concordou com o antecessor, Barack Obama, que ordenou a retirada americana do Afeganistão. Mais tarde, Obama diminuiu o ritmo da retirada e, em julho do ano passado, anunciou que manteria 8.400 soldados no país, em vez dos 5.500 anteriormente previstos.
PV/dpa/rtr/afp/dw
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.