Primeiro encontro entre os dois presidentes populistas trouxe poucos resultados concretos, em meio à troca de presentes e elogios. "Vencedor oculto" foi o movimento de extrema direita do ideólogo Steve Bannon.
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Eles trocaram camisas de futebol, elogiaram as relações entre os dois países como "melhores do que nunca" e se deram tapinhas nos ombros de maneira amistosa. Mesmo assim, pouca coisa de concreto saiu do primeiro encontro entre os presidentes Jair Messias Bolsonaro, chamado nos EUA de "Trump dos Trópicos", e Donald Trump.
Os dois populistas de direita, supostamente semelhantes, não conseguiram encontrar terreno comum nem mesmo na questão de como chegar a uma mudança de regime na Venezuela.
Em vez disso, Bolsonaro se desmanchou em elogios ao seu ídolo declarado. No Jardim das Rosas da Casa Branca, ele disse torcer pela reeleição de Trump em 2020.
E até afirmou que acredita firmemente que os socialistas e comunistas mais e mais se tornam cientes de que estão no caminho errado. Tal golpe verbal contra a oposição democrata nos Estados Unidos ainda não tinha ainda sido desferido por um convidado do governo. "Thank you", agradeceu Trump, com alguma surpresa.
"Nunca se viu nada igual na história das relações internacionais," afirmou à DW o sociólogo e especialista em relações internacionais Demétrio Magnoli.
Já na véspera do encontro, a declaração de Bolsonaro de que o muro de Trump na fronteira com o México era necessário, uma vez que a maioria dos imigrantes teria "más intenções", comprovara sua lealdade cega. "Bolsonaro chegou a defender o muro de Trump, um assunto alheio ao Brasil, e defendeu com argumentos de comício de Trump", observa o sociólogo.
Mas os resultados concretos do encontro ainda são incertos. O tão sonhado, por parte dos brasileiros, acordo de livre-comércio com os EUA já havia caído por terra antes mesmo da reunião. As esperanças do Brasil de chegar a acordos na área da agricultura também se frustraram.
Apenas a parceria sobre a base de lançamentos de Alcântara, que já havia sido negociada pelo governo do antecessor de Bolsonaro, Michel Temer, se concretizou. O objetivo é obter recursos com o aluguel da base.
Um pequeno prêmio de consolação poderia ter sido um compromisso claro por parte de Trump de incluir o Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países industrializados. "Mas houve apenas um aceno pessoal de Trump", avalia Magnoli. O americano disse que não vai mais vetar a entrada brasileira, o que não é garantia de ingresso.
Os Estados Unidos deixaram claro que, em troca, o Brasil deve abrir mão do status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC). Para Trump, isso funcionaria como uma alavanca para acabar com esse status para todos os países em desenvolvimento. "O Brasil só faria isso se tivesse enlouquecido completamente", observa Magnoli.
A declaração conjunta divulgada na noite do encontro confirma, porém, que o Brasil irá, de fato, abrir mão de seu status especial. Agora é esperar para ver até que ponto isso vai se concretizar.
Similarmente vaga foi a promessa de Trump de classificar o Brasil como major non-Nato ally (um dos principais aliados fora da Otan). A Argentina possui esse status desde os anos 1990, mas mesmo assim, não teve grandes conquistas em termos de modernização de suas Forças Armadas.
Talvez o dealmaker ("fechador de acordos") Trump estivesse esperando um acordo lucrativo de vendas de armas para o Brasil, mas, com o orçamento apertado de Brasília, isso não passa de um desejo.
Também em relação à Venezuela não houve grandes avanços. Trump repetiu seu já conhecido mantra de que "todas as opções estão sobre a mesa", inclusive uma intervenção militar. Ainda assim, segundo o presidente americano, o aperto das sanções contra o regime de Nicolás Maduro "chegou apenas ao ponto médio".
No dia anterior, Bolsonaro defendeu, num jantar com investidores americanos, uma intervenção militar dos EUA na Venezuela. Entretanto, os militares brasileiros já afirmaram repetidas vezes que o envolvimento das Forças Armadas do Brasil é algo impensável.
Dessa forma, o Brasil nada tem a oferecer a Trump no que diz respeito à Venezuela. "O Brasil não pode prometer nada, uma vez que não tem praticamente nenhuma relação comercial com a Venezuela. Além disso, o país não pode apoiar uma intervenção militar", afirma Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. "Assim, o Brasil não pode fazer nada de concreto."
O Brasil nada pode fazer também quanto à preocupação de Trump de limitar a expansão da China. "Os EUA querem limitar a influência chinesa na região, mas, uma vez que o Brasil depende da China, há pouco espaço para manobra", diz Stuenkel.
O próprio Bolsonaro se calou sobre o assunto e deixou para seu ministro da Economia, Paulo Guedes, a tarefa de lidar com o tema. No evento com os investidores americanos, na véspera, o ministro afirmara que o Brasil tem o direito de negociar livremente com Pequim.
Para Magnoli, o claro vencedor dos três dias da visita de Bolsonaro aos EUA foi o movimento internacional de extrema direita The Movement, cujo fundador, Steve Bannon, foi convidado por Bolsonaro para um evento na noite de domingo na embaixada brasileira em Washington.
Eduardo Bolsonaro, que atuou como uma espécie de "ministro do Exterior em exercício" e participou da "conversa a dois" entre Trump e Bolsonaro no Salão Oval da Casa Branca, foi recentemente nomeado, por Bannon, representante do movimento na América do Sul.
"Os interesses que foram avançados nessa visita foram os de Steve Bannon e de Eduardo Bolsonaro, que são interesses faccionais ligados ao movimento de Bannon e dos partidos nacionalistas da direita", observa Magnoli.
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As visitas de presidentes brasileiros aos Estados Unidos
Relembre como foram as principais visitas de presidentes do Brasil aos Estados Unidos após a redemocratização do Brasil nos anos 1980.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
Setembro de 1986: Sarney visita Reagan
Além de se reunir com Ronald Reagan, José Sarney proferiu um discurso ao Congresso. Os líderes discutiram a crise do endividamento internacional e a recusa do Brasil em assinar um acordo formal com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Outro tema foi a manutenção pelo Brasil da reserva de mercado para produtos de informática, mesmo com possíveis sanções pelos EUA. Pelé também estava na comitiva.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
1990-1992: visitas entre Collor e Bush
Os dois presidentes se encontraram duas vezes em 1990: em setembro, Fernando Collor esteve com George H. W. Bush durante a Assembleia Geral da ONU e, em dezembro, o americano visitou Collor e ainda discursou ao Congresso brasileiro. Em junho de 1991, o brasileiro visitou Bush nos EUA e, em junho de 1992, Bush teve um encontro com o brasileiro durante a Conferência Rio-92.
Abril de 1995: FHC visita Clinton
Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton abordaram um dos principais atritos entre os países: a aprovação da Lei de Patentes. Os EUA ameaçavam com sanções se o projeto não passasse. O texto chegou a ser aprovado em fevereiro de 1996, mas nos moldes como queriam os americanos. FHC repetiu ainda uma demanda brasileira existente até hoje: ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
FHC participou de uma reunião nas Nações Unidas sobre o combate ao tráfico de drogas e ficou hospedado em Camp David, a casa de campo da Presidência americana. Ele teve um encontro informal com Clinton, que cumprimentou FHC pela boa resposta brasileira à turbulência financeira asiática. Os dois líderes conversaram ainda sobre a paz no Oriente Médio e a estratégia de combate às drogas.
Foto: Imago/Zumapress/S. Farmer
Maio de 1999: FHC visita Clinton
Em Washington, FHC participou de vários encontros com governantes e empresários para convencê-los de que o pior da crise econômica já havia passado e afirmou que seu governo tentaria impedir outras no futuro. Com Clinton, FHC insistiu que era necessário buscar mecanismos financeiros que protegessem o país de ataques especulativos e de prejuízos provocados pela volatilidade de capitais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Walsh
Abril de 2001: FHC visita Bush
Na visita, o país desistiu de selar um acordo com os EUA sobre o início da Área de Livre Comércio das Américas (Alca. O revés de última hora ocorreu após o Departamento de Estado enviar a alguns países um memorando defendendo o ano de 2003 – em contraponto ao acordo fechado entre Brasília e Washington de começar a Alca em 2005. O documento esvaziou a visita de FHC.
Foto: Getty Images/M. Wilson
Novembro de 2001: FHC visita Bush
FHC e George W. Bush tiveram na Casa Branca uma conversa amigável, porém, morna. Ambos falaram sobre terrorismo, prejuízo do protecionismo às nações em desenvolvimento, economia da Argentina e a criação de um Estado palestino. FHC reforçou ainda o desejo do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Depois, o brasileiro foi para Nova York abrir a Assembleia Geral da ONU.
Foto: Getty Images/AFP/S. Thew
Junho de 2003: Lula visita Bush
O encontro terminou sem resultados concretos. O Brasil chegou a prometer que cooperaria para concluir com êxito a Alca até 2005 e a pedir o apoio de Washington para ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – dois assuntos que não avançaram. Eles também discutiram a paz no mundo e Lula disse que ela só seria alcançada se os países ricos ajudassem os mais pobres a se desenvolverem.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
Março de 2007: visitas entre Lula e Bush
No início do mês, Bush e Lula assinaram em Guarulhos/SP um memorando para a cooperação no desenvolvimento da tecnologia de biocombustíveis e prometeram diminuir a dependência do petróleo e de outros combustíveis fósseis não renováveis em seus países. No final de março, Lula foi recebido em Camp David (foto) para discutir o etanol como commodity mundial e a retomada da Rodada Doha, da OMC.
Foto: Getty Images/R. Sachs-Pool
Março de 2009: Lula visita Obama
No seu primeiro encontro, os dois presidentes anunciaram a criação de um grupo de trabalho para a reunião do G20, que aconteceu no mês seguinte em Londres, para buscar uma estratégia comum para enfrentar, na época, a crise econômica mundial, aumentar a confiança no sistema financeiro e recuperar as economias afetadas pelo maior crash vivido pelo mundo desde a década de 1930.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Reynolds
Abril de 2012: Dilma visita Obama
Dilma Rousseff mostrou preocupação com a depreciação das moedas dos países ricos em consequência das políticas monetárias deles para conter a crise, dizendo que esse desequilíbrio afeta todas as nações, principalmente as emergentes. Barack Obama disse que a relação dos dois países "nunca esteve mais forte" e discutiu com a brasileira temas como narcotráfico, intercâmbio estudantil e combustíveis.
Foto: Carolyn Kaster/AP Photo/picture alliance
Junho de 2015: Dilma visita Obama
A reunião marcou a superação de um imbróglio diplomático depois de documentos da Agência de Segurança Nacional (NSA) vazados por Edward Snowden mostrarem que os EUA também espionavam Dilma. Por causa do escândalo, ela chegara a cancelar uma visita de Estado a Obama em outubro de 2013. No encontro de 2015, Dilma tentou atrair investimentos, prometeu reduzir a poluição e aumentar o reflorestamento.
Foto: Getty Images/C. Somodevilla
Março de 2019: Bolsonaro visita Trump
Foi a primeira visita de Estado de Jair Bolsonaro – e a viagem foi bem-sucedida para o então presidente brasileiro. O fato de ele ter se encontrado com fiéis foi bem recebido entre seus eleitores evangélicos. Para militares e para a economia, ele conseguiu a promessa de Trump de apoiar o status de aliado preferencial na Otan e a entrada do Brasil na OCDE.
Foto: Allen Eyestone/ZUMAPRESS.com/picture alliance