"Trump enviou sinal positivo a Pequim na hora certa"
10 de fevereiro de 2017
Para sinólogo, presidente americano acerta ao ligar para Xi Jinping pouco antes da visita de líder japonês. Mudança de postura sobre política de "uma só China" é correta e vital para negociações em outras áreas, afirma.
Anúncio
Nesta quinta-feira (09/02), o presidente americano, Donald Trump, reafirmou o compromisso de Washington com a chamada política de "uma só China" durante conversa telefônica com seu homólogo chinês, Xi Jinping. Antes de assumir a presidência, Trump chegou a pôr em dúvida o reconhecimento do governo americano dessa diretriz que há décadas é considerada por Pequim como a base das relações entre os dois países.
A política de "uma só China" diz respeito à questão territorial envolvendo Taiwan, um dos temas mais delicados para Pequim. Enquanto a ilha se vê como uma nação soberana e democrática, a China a considera parte do seu território, na forma de uma província dissidente.
Essa política se baseia no preceito de que há em todo o mundo apenas uma China e o governo em Pequim é seu legítimo representante. Qualquer país que deseje manter relações diplomáticas com a República Popular da China deve reconhecê-la e renunciar a quaisquer laços oficiais com Taiwan, além de limitar as exportações de armas para a província.
Os EUA seguem esses preceitos há 37 anos, apesar de Washington manter ativos muitos de seus canais de comunicação com Taipei. A retórica aparentemente agressiva de Trump sobre o assunto revoltou as autoridades chinesas e causou preocupações sobre uma possível mudança na política americana em relação a Taiwan.
Em relatório publicado recentemente, um painel composto por ex-autoridades governamentais e acadêmicos alertou que o governo de Trump deveria evitar entrar em rota de colisão com a China no que diz respeito a Taiwan, afirmando que isso seria extremamente perigoso.
Agora, depois de Trump sinalizar que seu governo vai respeitar a política de "uma só China", surgem dúvidas sobre o que teria levado o presidente americano a mudar de posicionamento. Em entrevista à DW, sinólogo Jans Gaspers afirmou que as relações sino-americanas devem continuar complicadas, apesar do aceno positivo do governo de Trump a Pequim.
DW: Durante a campanha eleitoral, e até mesmo após ser eleito presidente, Trump criticou a China e até pôs em dúvida a política de "uma só China". O que o fez mudar de atitude?
Jan Gaspers: A política de "uma só China" não é uma moeda de barganha na reestruturação das relações bilaterais. Ao contrário, essa reestruturação – um objetivo declarado de Trump – apenas pode ocorrer se essa política não for tocada. Ela não está de modo algum aberta a negociações.
Na semana passada, o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, e o ministro da Defesa, James Mattis, deixaram claras as suas posições sobre o tema. Tillerson alertou Trump antes do telefonema com Xi que essa política é importante para Washington. A adesão a ela é vital para a reformulação de laços em outras áreas.
Diante da sua imprevisibilidade, Trump vai realmente se comprometer com a política de "uma só China"?
A palavra imprevisível descreve bem a situação. É difícil para observadores fazerem previsões nesse momento. Donald Trump é incrivelmente imprevisível.
Mas, devido à fundamental importância dessa política para as relações sino-americanas, não acho que o novo governo americano vá se desviar dela. Acho que haverá provavelmente outros conflitos com Pequim, mas o tema Taiwan não estará na linha de frente.
Após mudar o tom em relação a Taiwan, Trump vai pressionar Pequim sobre temas econômicos e de comércio?
Acho que sim. Isso parece estar bem claro e vem sendo discutido em Washington há semanas. O governo americano deverá adotar uma postura agressiva nessas frentes.
Por que Trump levou tanto tempo para conversar com o presidente Xi Jinping?
Trump, juntamente com seu gabinete, provavelmente queria enviar um sinal ao não telefonar logo para o presidente chinês. Pode haver também outras razões. Não foi uma coincidência, porém, que o telefonema tenha sido feito pouco antes da visita do primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, aos EUA. Trump enviou um sinal positivo a Pequim na hora certa.
Além disso, o novo governo dos EUA tem de pôr as coisas em ordem. Parece haver diferentes perspectivas dentro do governo sobre como lidar com a China, não apenas na questão da política de "uma só China" ou nas disputas comerciais, mas também em relação à disputa territorial no Mar da China Meridional.
Também não ajuda o fato de que funcionários mais experientes do Departamento de Estado tenham deixado em grande número o órgão. A situação não é exatamente favorável para um presidente inexperiente em termos de política externa e que agora precisa se posicionar com firmeza perante um país como a China. É um sinal de fraqueza administrativa.
Os decretos de Donald Trump
Donald Trump estremeceu o cenário político em seus primeiros dias como presidente dos EUA com uma série de decretos e memorandos impactantes. Entenda a diferença e o significado de cada um deles.
Foto: picture-alliance/dpa/Sachs
Forma rápida de cumprir promessas eleitorais
Com menos de duas semanas na presidência, Donald Trump emitiu 17 medidas executivas. Embora este número em si não seja significativo – no mesmo período Barack Obama assinou praticamente o mesmo número de ordens – o conteúdo dos decretos de Trump é. Parece que o novo presidente dos EUA quer implementar muitas de suas promessas de campanha – incluindo as controversas - o mais rápido possível.
Foto: Reuters/K. Lamarque
O que são ordens executivas e memorandos?
As ações executivas (EA) permitem que o presidente dos EUA dê ordens que não precisam de aprovação do Congresso a agências governamentais, contornando o processo legislativo e acelerando sua implementação. Ordens executivas são uma forma mais abrangente de EA que muitas vezes lidam com diretrizes organizacionais maiores, enquanto memorandos presidenciais ordenam agências específicas a fazer algo.
Foto: picture-alliance/CNP/A. Harrer
Enfraquecer Obamacare (ordem executiva)
A primeira ordem executiva assinada por Trump foi uma para retardar partes do Affordable Care Act (Obamacare) para "minimizar encargos regulatórios". Enquanto Trump sozinho não pode revogar a legislação instituída por Obama, ele pode minar a implementação do programa de saúde enquanto a maioria republicana no Congresso se prepara para revogá-lo.
Foto: Reuters/J. Rinaldi
Retirar subsídio para aborto (memorando)
Trump reinstituiu uma política que impede o financiamento federal para ONGs que fornecem aconselhamento sobre aborto e defendem o direito ao aborto. Essa diretriz tem uma longa história: foi inicialmente instaurada pelo republicano Ronald Reagan, rescindida pelo democrata Bill Clinton, reinstituída pelo republicano George W. Bush, antes de ser reativada pelo democrata Barack Obama.
Foto: REUTERS/A. P. Bernstein
Deportação de imigrantes (ordem executiva)
Trump ordenou que os agentes de imigração expandissem o escopo das deportações. Ele visa retirar concessões federais das chamadas cidades-santuário (onde imigrantes sem documentos não são processados) e que imigrantes suspeitos de um crime sejam detidos, mesmo sem acusação. Trump pretende contratar 10 mil novos agentes e publicar um relatório sobre crimes cometidos por imigrantes sem documentação.
Foto: picture alliance/AP Images/G. Bull
Construir o muro (ordem executiva)
Numa ordem executiva assinada em 25 de janeiro, Trump solicitou "a construção imediata de um muro físico", a fim de proteger a fronteira entre México e EUA. Ele também se referiu aos imigrantes sem documentos como "deportáveis", dizendo que o Poder Executivo deve "acabar com o abuso das disposições de liberdade condicional e refúgio usadas para impedir a remoção legal de estrangeiros deportáveis."
Foto: Getty Images/AFP/S. Huffaker
Veto a muçulmanos (ordem executiva)
Trump assinou este controverso decreto em 27 de janeiro. Ele proibiu pessoas de sete países de maioria muçulmana de entrar nos EUA por três meses, suspendeu indefinidamente o programa de refugiados sírios e suspendeu a admissão de refugiados por 120 dias. Protestos contra a ordem estouraram em todo o país e até mesmo os senadores republicanos John McCain e Lindsey Graham criticaram a medida.
Foto: DW/M. Shwayder
EUA deixam TPP (memorando)
Não foi nenhuma surpresa Donald Trump ter abandonado a Parceria Transpacífico (TPP). Durante a campanha, ele criticou frequentemente o TPP e a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), afirmando que outros países se beneficiaram desses acordos comerciais, em detrimento dos EUA. O porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, disse que Trump prefere lidar individualmente com os países.
Foto: Getty Images/AFP/
Sinal verde para oleodutos (memorando)
Três memorandos diferentes – um sobre a construção do oleoduto Dakota Access, outro sobre a continuação da construção do oleoduto Keystone e uma terceira ordem sobre o uso de materiais americanos nas obras – foram emitidos no quarto dia de Trump no governo. Obama tinha negado licenças para ambos os oleodutos após protestos em massa de ambientalistas, que temem o impacto de eventuais vazamentos.
Foto: REUTERS/S. Keith
Expandir as Forças Armadas (memorando)
Trump cumpriu sua promessa eleitoral de investir num Exército maior ao assinar na sua primeira semana no cargo um memorando que pede mais tropas, navios de guerra e um arsenal nuclear modernizado. Quatro dias antes ele ordenou congelar a contratação de civis em agências federais por até 90 dias, para que seu governo possa desenvolver um plano de longo prazo para encolher a força de trabalho.
Foto: Reuters/K. Pempel
Steve Bannon no NSC (memorando)
Trump ordenou uma revisão do Conselho de Segurança Nacional (NSC) para elevar o papel de Stephen Bannon. Trump retirou vários membros do painel responsável por tomar decisões de política externa, enquanto seu estrategista-chefe – conhecido por opiniões de extrema direita – servirá no comitê geralmente preenchido por generais. Isso rompe com a norma de longa data de não nomear políticos para o NSC.
Foto: pciture-alliance/AP Photo/E. Vucci
Desregulamentações (executiva e memorando)
Trump quer que agências federais eliminem ao menos duas normas para cada nova regulamentação e ordenou o congelamento de regulamentações federais, até que um chefe de departamento designado por ele possa revisá-las. Ele também pediu pela rápida aprovação de "projetos de infraestrutura de alta prioridade". Na campanha, Trump disse que o "excesso de regulamentações" feriu o comércio americano.
Foto: Getty Images/AFP/M. Ralston
Precedente presidencial
Obama emitiu um total de 277 ordens executivas – uma média de quase três por mês e um pouco menos do que seu antecessor, George W. Bush (291). Obama assinou 644 memorando presidenciais para contornar imposições no Congresso – um precedente do qual Trump aparenta estar tirando proveito, embora a maioria em ambas as Casas do Congresso seja republicana.