Trump intensifica falsa narrativa de fraude antes da eleição
5 de novembro de 2024As constantes acusações infundadas do candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, sobre supostas fraudes no processo eleitoral americano vêm aumentando o receio de que ele venha a se recusar a aceitar o resultado do pleito caso saia derrotado na disputa contra a democrata Kamala Harris nesta terça-feira (04/11).
Desde o começo da campanha, Trump vem lançando mão da retórica de que a eleição pode ser fraudada, assim como fez quando concorreu em 2016 e 2020. Em agosto, por exemplo, ele afirmou, sem provas, que os democratas só poderiam ganhar a corrida eleitoral se trapacearem. O discurso se tornou cada vez mais presente em suas aparições públicas e se intensificou nas últimas semanas, antes mesmo da data do pleito, que acontece na terça-feira, 5 de novembro.
Declarar vitória antes da hora
Em um comício no domingo (03/11), foi a vez de Trump plantar a ideia entre os seus apoiadores de que os resultados só seriam legítimos se forem divulgados até às 23h de terça-feira. No modelo de eleição americano, essa possibilidade é considerada inviável porque, além de possuir 6 fusos horários dentro do próprio país, os votos são impressos, e muitos chegam em cima da hora por correio e precisam ser contabilizados.
Para David Becker, coautor do livro A Grande Verdade, sobre as mentiras eleitorais usadas por Trump em 2020, essa é uma estratégia de tentar reivindicar vitória na eleição enquanto ele estiver liderando momentaneamente na contagem. "Quando ele estiver atrás, ele dirá para continuar a contagem. Quando ele está à frente, ele dirá para parar a contagem", disse.
Alguns de seus aliados, incluindo o ex-estrategista e ideólogo de extrema direita Steve Bannon, o encorajaram a declarar vitória antes mesmo da contagem total dos votos em todos os estados - mesmo roteiro usado pelo republicano em 2020 para contestar o resultado das eleições.
Naquele ano, o ex-presidente publicou na rede X um pedido para que a contagem fosse interrompida enquanto ele liderava a apuração.
Dúvidas sobre eleição de 2020
Ainda no domingo, Trump voltou a argumentar que ele só perderia a eleição se houver fraude, apesar de as pesquisas indicarem um resultado apertado. Ele também reforçou que "não deveria ter deixado" a Casa Branca em 2020, quando se recusou a acatar o resultado nas urnas, levando seus apoiadores a invadirem o Capitólio em janeiro de 2021.
Durante a campanha o ex-presidente repetidamente disse que venceu em 2020 em estados cuja maioria votou em Biden, como Minnesota.
À época, sua campanha fez uma ofensiva jurídica com ao menos 60 processos para impugnar o resultado das urnas, questionando o envio prévio de cédulas por correio, algo permitido nos EUA. As alegações, porém, foram sumariamente rejeitadas em diversos tribunais.
Agora, Trump lança dúvidas sobre a regularidade do atual pleito sob os mesmos pretextos.
As afirmações de Trump levantaram preocupações de que ele esteja se preparando para culpar novamente a fraude eleitoral por uma possível derrota na Pensilvânia, o maior dos sete estados que provavelmente decidirão o resultado da eleição.
Cédulas de votação
Na última quinta-feira, por exemplo, o ex-presidente disse que investigações abertas na cidade de Lancaster, na Pensilvânia, sobre supostas "cédulas de votação falsas" seriam provas da fraude.
As investigações foram apresentadas por uma promotora eleita pelo partido republicano, e ainda estão em curso. Além disso, segundo o município, formulários de eleitores estão sendo investigados, e não cédulas de votação.
Outra teoria sem provas alimentada por seus aliados se baseia em um vídeo que circulou nas redes sociais. Nele um homem aparece entregando supostas cédulas de votação em uma sessão eleitoral na Pensilvânia. Al Schmidt, secretário do estado e oficial eleitoral, disse que o vídeo mostra um funcionário do correio "literalmente só entregando o correio".
Em sua rede social, Trump usou alegações como esta para dizer que "nós os pegamos em uma grande fraude na Pensilvânia [...] Nós estamos de olho neles desta vez".
Votos irregulares
Trump também defende, por exemplo, que imigrantes irregulares, que não possuem documentação ou que não são cidadãos americanos estariam votando por correio, algo que não é permitido pela legislação e que possui diversas salvaguardas em vigor para impedir que aconteça.
Para se registrar como eleitor e receber uma cédula de votação para enviar por correio, por exemplo, é obrigatório mostrar documentos.
Outra acusação usada por ele, dessa vez em uma de suas redes sociais, é a de que votos enviados por americanos e militares morando fora do país não passariam por verificação de identidade, o que agências de checagem norte-americanas já provaram ser falso.
O foco do ex-presidente também é o estado da Califórnia. Em um comício, ele disse que "se Jesus viesse ao mundo para contar os votos, eu venceria a Califórnia", antes de alegar que a eleição no estado é corrupta.
A DW fez um compilado de checagens sobre alegações falsas vinculadas ao processo eleitoral americano. Leia aqui.
Receio de incitação à violência
"Isso está lançando as sementes para tentativas de anular uma eleição”, disse Kyle Miller, estrategista do grupo de defesa Protect Democracy. "Vimos isso em 2020, e acho que a lição que Trump e seus aliados aprenderam desde então é que eles precisam semear essas ideias desde cedo."
"Sinto que o que é mais diferente este ano é a disseminação intencional de informações falsas que se espalham antes que tenhamos a oportunidade de divulgar a verdade”, afirmou Kathy Boockvar, ex-secretária de Estado da Pensilvânia, durante um webinar na sexta-feira.
Em outubro, um documento obtido pela CNN americana mostra que o FBI se disse preocupado que extremistas continuem a "criar narrativas sobre o processo eleitoral" que motivem o uso da violência "assim como vimos em 2020". Em diversos casos ateados no país, criminosos atearam fogo em caixas de correio que continham cédulas de votação.
A campanha de Harris se prepara para a possibilidade de Trump declarar vitória antes da hora. O plano inicial é inundar as mídias sociais e a imprensa para abafar as alegações.
"Estamos prontos se ele fizer isso e, se soubermos que ele está realmente manipulando a imprensa e tentando manipular o consenso do povo americano... estamos preparados para responder", disse Harris em uma entrevista à ABC na quarta-feira.