Após serem estendidas sete vezes, medidas emergenciais impostas depois do golpe fracassado finalmente expiram. Em seu lugar, governo planeja introduzir legislação ainda mais rígida para continuar perseguindo opositores.
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A Turquia encerrou na madrugada desta quinta-feira (19/07) o estado de emergência imposto no país após uma tentativa de golpe militar contra o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan, há dois anos, a qual desencadeou uma forte repressão a opositores. Uma nova lei proposta pelo governo, no entanto, sinaliza a imposição de medidas ainda mais restritivas.
O estado de emergência foi prorrogado sete vezes, sempre por três meses. Sob as controversas medidas emergenciais, mais de 77 mil pessoas foram detidas por suposta ligação com o clérigo islâmico Fethulah Gülen, exilado nos EUA e que Ancara acusa de estar por trás da tentativa de golpe, que deixou 249 mortos.
Além de supostos seguidores de Gülen, ativistas curdos e esquerdistas também foram alvo do maior expurgo da história moderna da Turquia. No total, ao menos 130 mil funcionários públicos foram demitidos – incluindo professores, policiais, acadêmicos e cerca de 4 mil juízes –, e mais de 1.500 pessoas foram condenadas à prisão perpétua, entre elas soldados e jornalistas. Cerca de 200 veículos de imprensa foram fechados.
Alvo de críticas internacionais, o estado de emergência restringiu direitos fundamentais, como liberdade de imprensa e de reunião, e permitiu que Erdogan governasse por decretos. No período de dois anos, também foi realizado um referendo em que foi aprovada a substituição do sistema parlamentar pelo presidencialista, com os poderes concentrados nas mãos do chefe de Estado.
Agora que o estado de emergência finalmente expirou, veículos de imprensa críticos do governo, opositores e ativistas alertam que Ancara pretende tornar o estado de emergência permanente no país, sob um novo nome.
Um projeto de lei ao qual a agência de notícias alemã DPA teve acesso, destinado ao "combate do terrorismo", regula, por exemplo, condições para demitir juízes, membros das forças de segurança ou funcionários de ministérios. Assim como no estado de emergência, Ancara pretende recolher o passaporte de todos os que forem afastados do serviço público por suspeita de terrorismo.
O projeto também prevê manter parte das atribuições concedidas aos governadores das províncias do país sob o estado de emergência. Eles teriam autoridade para restringir a liberdade de reunião e negar o acesso a determinados locais a pessoas suspeitas de "perturbar a ordem pública ou a segurança". Suspeitos poderiam ser mantidos sob custódia policial por um período de 48 horas a 12 dias – ainda mais que o previsto no estado de emergência.
A nova lei, com duração prevista de três anos, será discutida por uma comissão parlamentar nesta quinta-feira e numa sessão plenária na próxima segunda. A principal legenda da oposição, o Partido Republicano do Povo (CHP), criticou a proposta.
"Com esse projeto, com as medidas previstas nesse texto, o estado de emergência não será estendido por três meses, mas por três anos", disse o líder da bancada parlamentar do CHP, Ozgur Ozel. "Eles fazem parecer que estão acabando com [o estado de] emergência, mas na verdade estão prosseguindo com ele."
Fotis Filippou, vice-diretor da Anistia Internacional na Europa, também afirma que muitos dos poderes previstos no estado de emergência permaneceriam em vigor com a nova lei.
Até o os últimos dias de validade das medidas emergenciais, Ancara não hesitou em usar seus poderes especiais. Após um decreto emitido no último dia 8 de julho, mais de 18 mil pessoas foram demitidas, incluindo quase 9 mil policiais, sob suspeita de ligação com organizações terroristas e grupos que "agem contra a segurança nacional".
A medida foi anunciada apenas duas semanas após a reeleição de Erdogan e na véspera de sua posse para iniciar o segundo mandato, marcando oficialmente a transição do sistema parlamentarista para o presidencialista e fazendo do presidente o líder mais poderoso da história da Turquia moderna.
Apesar da crise de relacionamento, Europa e Turquia têm muito em comum. Istambul, por exemplo: a metrópole de 15 milhões de habitantes não é apenas geograficamente parte da Europa. Uma viagem pela cidade dos contrastes.
Foto: Rena Effendi
Para além das categorias convencionais
Istambul é a única cidade do mundo localizada em dois continentes: Europa e Ásia. Na metrópole do Bósforo, tradição e modernidade, religião e estilo de vida secular colidem como em nenhum outro lugar. Muitos dizem que exatamente isso faz a magia da cidade.
Foto: Rena Effendi
Quase 3 milênios de existência
Uma história de mais de 2.600 anos molda a paisagem urbana da Istambul de hoje. Diversos líderes se alternaram na luta pelo poder: persas, gregos, romanos, otomanos. "Constantinopla" era o centro do Império Bizantino e posteriormente do Império Otomano. Só em 1930 a cidade foi batizada "Istambul".
Foto: Rena Effendi
Entre mundos
O Bósforo é a alma azul de Istambul. O estreito separa a parte europeia da parte asiática da cidade. Todos os dias, balsas levam dezenas de milhares de um lado para o outro. Gaivotas gritam ao vento. A bordo, há chá e "simit" (anéis de gergelim). A travessia leva cerca de 20 minutos, de Karaköy, na Europa, para Kadiköy, na Ásia.
Foto: Rena Effendi
Pontes conectam
A partir da ponte Galata, é possível observar bem os navios – e outras coisas mais. Aqui, pescadores se apinham na esperança de uma boa pesca. Entre eles: comerciantes, turistas, engraxates, vendedores de milho. A primeira ponte foi construída aqui em 1845 – quando Istambul ainda se chamava Constantinopla.
Foto: Rena Effendi
"Europa é um sentimento"
"Meu nome é Vefki", diz um dos pescadores, acenando. "Eu me sinto europeu. Queremos mais liberdade, e por isso a Turquia e a UE devem se aproximar." Vefki é aposentado e a pesca é seu hobby, mas também uma renda extra. Por dois quilos de peixe, ele consegue no mercado o equivalente a cerca de oito euros.
Foto: Rena Effendi
Minaretes no coração da cidade
Na Praça Taksim, no coração da cidade, zunem máquinas de construção. Aqui, uma nova mesquita é erguida a alta velocidade, com uma cúpula de 30 metros de altura e dois minaretes. Tudo deve estar pronto até as eleições de 2019. Críticos acusam o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, de impor uma nova identidade à praça: islâmico-conservadora e neo-otomana, ao invés de secular e europeia.
Foto: Rena Effendi
Europeia e devota
O tom é mais conservador no bairro de Fatih, apesar de ele se situar na parte europeia de Istambul. Muitos que vivem aqui imigraram da Anatólia, procurando trabalho e uma vida melhor. Alguns também chamam Fatih de "bairro dos devotos": aqui são muitos os adeptos fiéis do presidente turco e de seu partido conservador-islâmico AKP.
Foto: Rena Effendi
Compras à sombra da mesquita
Quarta-feira é dia de mercado em torno da mesquita de Fatih. Tem empurra-empurra e regateio por eletrodomésticos, roupas, lençóis, frutas e legumes. Os preços são mais baixos do que em outros lugares, assim como os aluguéis. Atualmente muitas famílias sírias vivem em Fatih. Desde o início da guerra, em 2011, a Turquia recebeu mais de 3 milhões de refugiados – mais do que qualquer outro país.
Foto: Rena Effendi
"Pequena Síria" no coração de Istambul
Fatih é agora conhecida por seus restaurantes sírios: O kebab daqui vem com alho extra. "Misafir" (hóspedes) é como os refugiados são oficialmente chamados na Turquia. O status de asilo vigente na UE não existe aqui. Mas o governo prometeu cidadania turca para dezenas de milhares de sírios. Críticos veem nisso uma tentativa de angariar votos adicionais.
Foto: Rena Effendi
Vida noturna em "Hipstambul"
Quem quiser sair, fazer festa, beber álcool, tem que procurar outros bairros de Istambul. Por exemplo Kadiköy, do lado asiático. Ou vir aqui para Karaköy, um dos bairros mais antigos, mas hoje extremamente encarecido. Moradores e turistas se encontram em cafés, lojas conceituais e galerias. A política islâmica conservadora do governo não encontra muitos entusiastas por aqui.
Foto: Rena Effendi
Esperança no turismo
"Istambul mudou muito", diz Ayşegül Saraçoğlu. Ela trabalha numa loja de grife no bairro turístico de Galata. "Há alguns ano,s muitos europeus vinham para cá de férias", agora são principalmente turistas árabes. "Isso é ruim para o nosso negócio", reclama, "espero que mude em breve".