Após ataque sírio que matou mais de 30 soldados turcos em Idlib, governo em Ancara afirma que refugiados no país começam a se deslocar rumo à fronteira com a UE. Comissão Europeia exige respeito a acordo de 2016.
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A Turquia "não tem mais condições de conter os refugiados sírios" em seu território, afirmou nesta sexta-feira (28/02) um porta-voz do partido AKP, do presidente Recep Tayyip Erdogan.
Nesta quinta-feira, um ataque aéreo atribuído ao regime em Damasco matou mais de 30 soldados turcos e deixou dezenas de feridos na província de Idlib, no norte da Síria.
O anúncio ocorreu no momento em que cerca de 300 migrantes atravessam o noroeste do país em direção às fronteiras com a Grécia e a Bulgária, segundo a agência de notícias DHA.
"Como resultado do ataque, os [refugiados] na Turquia estão indo para a Europa, e os que estão em território sírio estão indo para a Turquia", disse o porta-voz à emissora CNN Türk. "Nossa política de refugiados é a mesma de antes, mas, agora, estamos em uma situação em que não podemos mais contê-los".
O governo em Ancara, porém, negou que tenha aberto a fronteira rumo à Europa. "Não há qualquer mudança na política de refugiados e migrantes do nosso país, o que mais acolheu refugiados no mundo", comunicou o Ministério do Exterior.
O ministério ressalvou, porém, que uma piora da situação em Idlib pode elevar a movimentação de migrantes rumo às suas fronteiras. Segundo ele, os migrantes e refugiados sírios que estão na Turquia acompanham atentos os desenvolvimentos e "começam a se deslocar rumo à nossa fronteira ocidental".
A Comissão Europeia conclamou a Turquia a respeitar o atual pacto de refugiados com a União Europeia e comunicou que acompanha a situação.
A Turquia hospeda cerca de 3,6 milhões de sírios que fugiram da guerra civil em seu país. Em 2016, um acordo firmado com a União Europeia interrompeu o fluxo migratório para a Europa em troca de repasses financeiros. O acordo resultou da chamada crise dos refugiados de 2015, quando milhões de pessoas procuraram abrigo na Europa, a maioria delas vindas da Síria. Desde então, Erdogan ameaça repetidamente "abrir os portões" em meio a disputas com a Europa.
A DHA informou que um grupo de cerca de 300 migrantes, incluindo mulheres e crianças, chegou na manhã desta sexta-feira à cidade turca de Edirne, na região de fronteira com a Bulgária e a Grécia. Sírios, iranianos, iraquianos, paquistaneses e marroquinos estão no grupo.
Em resposta, a Grécia fechou postos de fronteira e elevou o patrulhamento na sua fronteira com a Turquia. Segundo dados da União Europeia, a Grécia teve mais de 60 mil solicitantes de refúgio vindos da Turquia em 2019 e espera mais de 100 mil pedidos em 2020. Os campos de refugiados do país estão lotados, e as condições de vida são insalubres.
O primeiro-ministro da Bulgária, Boyko Borissov, também anunciou que está reforçando a segurança ao longo da fronteira com a Turquia. Ele disse que pretende conversar por telefone com Erdogan para debater a situação.
Desde o início de dezembro, Idlib é alvo de uma campanha militar feroz por forças leais ao governo sírio, apoiadas por bombas aéreas da Rússia. Idlib é a última fortaleza rebelde e jihadista na Síria.
Nas últimas semanas, a província foi palco de confrontos entre a Turquia, que apoia os grupos rebeldes, e as forças do regime sírio, apoiadas por Moscou. As recentes mortes marcam uma grave escalada no conflito direto entre os dois países.
Famílias tentam fugir do conflito e são alvo de ataques indiscriminados de forças do governo e rebeldes em Idlib. Violência e deslocamento em massa podem resultar na maior catástrofe humanitária do século 21, diz ONU.
Foto: picture-alliance/AA/M. Said
Famílias fogem da província de Idlib
As tropas sírias intensificaram a luta pelo último grande enclave rebelde do país – um "prelúdio para sua derrota total", segundo o presidente Bashar al-Assad. Violência e deslocamento em massa podem resultar no maior horror humanitário do século 21, afirmou o diretor de ajuda humanitária da ONU, Mark Lowcock. As crianças, em particular, se tornaram o rosto desse sofrimento.
Foto: Getty Images/AFP/A. Watad
Maior êxodo desde a Segunda Guerra
Dos quase 900 mil forçados a deixar suas casas e abrigos nos últimos três meses, 80% eram mulheres e crianças, relatou um porta-voz da ONU. Cerca de 300 mil deles fugiram apenas desde o início de fevereiro. A onda de deslocamento é o maior êxodo de civis desde a Segunda Guerra Mundial.
Foto: picture-alliance/AA/M. Said
Temperaturas mortais
Com temperaturas atingindo 7 ºC negativos em campos de deslocados nas colinas perto da fronteira com a Turquia, sete crianças morreram devido às más condições de vida. A organização Save the Children afirma que as famílias queimam tudo o que encontram para se aquecer, e que o número de mortos pode aumentar.
Foto: picture-alliance/AA/H. Harrat
Esforços por cessar-fogo suspensos
Comboios turcos se dirigiram à antiga "zona de desescalada", enquanto forças sírias apoiadas pela Rússia intensificaram seus esforços para retomar a área no fim de janeiro. No início de fevereiro, após a morte de 13 soldados turcos estacionados no local para apoiar rebeldes, os esforços diplomáticos para intermediar um cessar-fogo foram sustados.
Foto: picture-alliance/AA/C. Genco
Rodovia para lugar nenhum
A ofensiva de Assad para retomar a estratégica rodovia M5, que passa pela província de Idlib e segue até a segunda maior cidade da Síria, Aleppo, tem sido um objetivo de longo prazo. Depois de bombardeios russos ajudarem as forças sírias a capturarem todas as cidades ao longo da rota em fevereiro, combates violentos no oeste de Aleppo forçaram mais de 43 mil a fugir em direção à fronteira turca.
Foto: picture-alliance/AA/M. Said
Ataques indiscriminados contra civis
O grande número de ataques russos e sírios contra campos de deslocados, hospitais e escolas "sugere que nem todos podem ser acidentais", disse Rupert Colville, porta-voz da ONU para direitos humanos. Seu escritório registrou 299 mortes de civis em 2020, 93% causadas pelo governo sírio e seus aliados. Michelle Bachelet, chefe de direitos humanos da ONU, chamou os ataques de "indiscriminados".
Foto: picture-alliance/AA/I. Dervis
Rebeldes atacam
Rebeldes apoiados pela Turquia foram capturados pela ofensiva, assim como os jihadistas que não são oficialmente apoiados por Ancara. Um grupo islâmico, Hayat Tahrir al-Sham, conseguiu uma rara vitória em meados de fevereiro, ao derrubar um modelo específico de helicóptero que as forças sírias supostamente usam para lançar bombas de barril sobre civis.
Foto: Getty Images/AFP/O. Haj Kadour
Busca por segurança
Michelle Bachelet observa que "nenhum abrigo está seguro agora" e que os campos de deslocados estão sobrecarregados pelo grande número dos que fogem da violência. Muitos deixaram os campos para tentar a vida fora. A chefe de direitos humanos da ONU pediu a criação de corredores humanitários para permitir aos civis escaparem.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Alkharboutli
Sem rota de fuga
A Turquia, que já abriga 3,5 milhões de refugiados, fechou suas fronteiras para impedir um novo afluxo de sírios. Isso deixa a população de Idlib sem ter uma rota de fuga. Mais de 500 mil dos deslocados são crianças.