Turquia volta a prender ativista horas após libertação
19 de fevereiro de 2020
Detido preventivamente desde 2017, mecenas Osman Kavala se tornou símbolo da repressão da sociedade civil pelo governo do presidente Recep Tayip Erdogan. Nova acusação é de envolvimento com tentativa de golpe em 2016.
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Apenas algumas horas depois de ser absolvido e formalmente libertado da prisão, o intelectual e mecenas turco Osman Kavala voltou a ser preso nesta quarta-feira (19/02).
Kavala foi oficialmente liberado da prisão de segurança máxima de Silivri, a oeste de Istambul, na noite de terça, mas voltou a ser levado à delegacia central da metrópole, de acordo com a agência turca Anadolu. O homem de negócios aguarda audiência com promotores, que decidirão se o prendem formalmente e enviam de volta à prisão.
O intelectual ficou detido preventivamente por mais de dois anos em Silivri. Na terça-feira, ele e outros oito acusados de ter supostamente organizado os protestos críticos ao governo no parque de Gezi em 2013
haviam sido absolvidos. O tribunal do presídio de Silivri também ordenou que Kavala fosse solto da prisão preventiva, que transformou o mecenas num símbolo da repressão da sociedade civil pelo governo islâmico-conservador do presidente Recep Tayyip Erdogan.
A libertação dos acusados foi surpreendente para muitos observadores de um caso que atraiu críticas de aliados do Ocidente, além de grupos de defesa de direitos humanos. O julgamento foi considerado um teste para o sistema judiciário turco. Em dezembro, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos pediu a soltura imediata de Kavala, argumentando não haver suspeitas de ele ter cometido um crime.
A nova prisão, por sua vez, ocorreu após um juiz emitir novo mandado de busca somente divulgado na noite de terça-feira. Segundo a agência Anadolu, trata-se de uma investigação relacionada à tentativa de golpe na Turquia em julho de 2016.
A detenção provocou reações indignadas. Na Alemanha, a vice-presidente do Bundestag (câmara baixa do parlamento), Claudia Roth, descreveu-a como "chocante". O Ministério alemão das Relações Exteriores também condenou a detenção via Twitter. "Exigimos que [o caso] seja esclarecido imediatamente dentre de todos os padrões do Estado de direito com os quais a Turquia se comprometeu."
Os protestos de sete anos atrás foram vistos como o maior desafio para o então primeiro-ministro Erdogan, desde a chegada ao poder de seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), em 2002. Na ocasião, centenas de milhares se manifestaram em toda a Turquia, inicialmente contra os planos de Erdogan de reconstruir um parque no centro de Istambul.
Em resposta às absolvições, Erdogan criticou os manifestantes e igualou as demonstrações a golpes militares, mas disse respeitar a decisão judicial. "Os acontecimentos de Gezi foram um ataque odioso que alvejou o povo e o estado, assim como golpes militares", disse a deputados do AKP num discurso no Parlamento, descrevendo os protestos como um de uma série de ataques que culminaram na tentativa de golpe de 2016.
O presidente turco comentou ainda, sobre a libertação de Kavala, que "ontem eles o libertaram com uma manobra". Mais tarde, disse a repórteres que a nova prisão precisa ser respeitada.
De acordo com o governo em Ancara, a tentativa de golpe de 2016 foi realizada por apoiadores do clérigo muçulmano Fethullah Gülen, auto-exilado nos Estados Unidos desde 1999.
A partir da tentativa, as autoridades turcas vêm continuamente adotando medidas de repressão, prendendo cerca de 80 mil cidadãos e exonerando cerca de 150 mil servidores públicos, militares e outros, além de fechar cerca de 180 organizações da imprensa. As medidas voltaram a escalar em meados de fevereiro, com a prisão de mais 700 suspeitos de ligação com Gülen. Ancara defende a repressão como necessária, diante do nível de ameaça enfrentado pela Turquia.
Desde o golpe militar fracassado contra o presidente Erdogan, em julho de 2016, relações entre Ancara e Berlim têm se deteriorado constantemente. Mas o processo já começara antes, e não há fim à vista.
Foto: picture-alliance/POP-EYE/B. Kriemann
Caso Böhmermann
31 de março de 2016: O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, apresenta queixa contra o humorista alemão Jan Böhmermann por seu "poema difamatório" a respeito dele, envolvendo bestialidade, entre outras acusações. Em 4 de outubro, os promotores encerraram o caso, mas um conflito diplomático entre Ancara e Berlim estava desencadeado.
2 de junho de 2016: Parlamento alemão aprova quase unanimemente resolução classificando como genocídio o massacre de centenas de milhares de armênios pelo Império Otomano, em 1915. Ancara retira seu embaixador de Berlim, a comunidade turca promove protestos em várias cidades alemãs. Segundo a Turquia, o número de mortes seria exagerado, e também havia muçulmanos turcos entre as vítimas.
Foto: Getty Images/AFP/S. Gallup
Tensões após golpe fracassado
15 de julho de 2016: Uma facção das Forças Armadas turcas tenta derrubar o presidente turco, mas fracassa. Ancara acusa Berlim de não se posicionar contra a tentativa de putsch nem fazer algo contra a organização do pregador exilado Fethullah Gülen, acusado por Erdogan de orquestrar o golpe militar.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Suna
Alemanha critica purgação pós-golpe
Logo em seguida à tentativa de golpe, as autoridades turcas fizeram uma devassa no Exército e no Judiciário, detendo milhares de pessoas. Logo em seguida, a purgação foi expandida, incluindo funcionários públicos civis, diretores e professores universitários. Políticos alemães criticaram as detenções. Diplomatas, acadêmicos e militares turcos fugiram do país e pediram asilo na Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Suna
Manifestações curdas em Colônia
A devassa de Erdogan pós-golpe foi também condenada por ativistas curdos em manifestações na cidade de Colônia, no oeste alemão. Em muitas delas se exigia a libertação de Abdullah Öcalan, líder encarcerado do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Ancara Turquia acusa Berlim de não fazer esforços suficientes para sustar as atividades do grupo. que classifica de terrorista.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Meissner
Prisões de cidadãos alemães na Turquia
14 de fevereiro de 2017: Deniz Yücel, correspondente do jornal "Die Welt", é colocado sob custódia policial na Turquia. Outros cidadãos alemães, como a jornalista Mesale Tolu e o ativista de direitos humanos Peter Steudtner, são detidos pelo que Berlim define como "razões políticas". Todos os três foram acusados pelas autoridades turcas de apoiar organizações terroristas.
Março de 2017: Municipalidades alemãs proíbem ministros turcos de realizarem comícios a favor do referendo de abril na Turquia, para ampliar os poderes presidenciais de Erdogan. Este acusa a Alemanha de empregar "táticas nazistas" contra cidadãos turcos em seu território e deputados turcos em visita. Dirigentes alemães condenam severamente o líder turco, acusando-o de ter ido longe demais.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Berg
Espionagem
30 de março de 2017: A Alemanha acusa a Turquia de espionar centenas de adeptos de Gülen, assim como mais de 200 associações e escolas ligadas ao movimento do pregador na Alemanha. Paralelamente, requerentes de asilo turcos acusam o departamento de imigração BAMF de repassar as informações deles para veículos de imprensa ligados ao governo turco.
Foto: Imago/Chromeorange/M. Schroeder
Erdogan insta turco-alemães a não votarem em "inimigos"
18 de agosto de 2017: O presidente chama três dos principais partidos políticos da Alemanha de inimigos da Turquia e insta os alemães de origem turca a não votarem neles na eleição geral de setembro. Seus alvos são a União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, o Partido Social-Democrata (SPD) e o Partido Verde. A chefe de governo acusa Erdogan de se imiscuir na eleição.
Foto: picture-alliance/abaca/AA/M. Ali Ozcan
Merkel contra Turquia na UE
4 de setembro de 2017: A chanceler federal alemã, Angela Merkel, afirma, durante debate eleitoral, ser contra a Turquia se tornar membro da União Europeia e promete conversar com outros líderes da UE sobre o fim das negociações com Ancara nesse sentido. Em outubro, ela apoia a iniciativa de cortar os fundos pré-filiação da Turquia.
Foto: Reuters/F. Bensch
Ofensiva militar turca em Afrin
20 de janeiro de 2018: Forças Armadas turcas e seus aliados rebeldes sírios lançam a Operação Ramo de Oliveira contra o enclave curdo de Afrin, no norte da Síria. A ofensiva é criticada por políticos alemães e desencadeia protestos de comunidades curdas na Alemanha.
Foto: Getty Images/AFP/O. Kose
Deniz Yücel é libertado da prisão
16 de fevereiro de 2018: A Turquia liberta o jornalista turco-alemão Deniz Yücel, depois de mantê-lo preso por mais de um ano sem acusações formais. Segunda a mídia estatal turca, o turco-alemão foi libertado da detenção pré-julgamento sob fiança. A promotoria exige para ele pena de 18 anos de prisão, por "propaganda terrorista" e incitação popular.