UE corre o risco de morrer sem seus ideais, afirma papa
25 de março de 2017
Francisco recebe líderes europeus no Vaticano nos 60 anos dos Tratados de Roma. Em discurso, alerta contra "muros", populismo e hostilidade a refugiados. "Primeiro elemento da vitalidade europeia deve ser solidariedade."
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O papa Francisco recebeu os 27 líderes da União Europeia (UE) no Vaticano nesta sexta-feira (24/03), véspera do aniversário de 60 anos dos Tratados de Roma, base do atual bloco europeu.
Em discurso diante dos chefes de governo e de Estado, bem como do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, o pontífice alertou contra a ascensão do populismo e afirmou que a UE corre o risco de morrer se não reencontrar seus ideais fundadores, como a solidariedade.
"Quando um corpo perde seu senso de direção e se torna incapaz de olhar para frente, ele vivencia uma regressão e, a longo prazo, corre o risco de morrer", declarou Francisco. "O primeiro elemento da vitalidade europeia deve ser a solidariedade. Esse espírito é muito necessário hoje", continuou ele, argumentando que tal sentimento é "o mais eficaz antídoto contra os populismos modernos".
O papa ainda afirmou aos líderes que é preciso promover com mais vigor o "patrimônio de ideais e valores espirituais" da Europa. Segundo ele, a UE precisa diminuir a distância entre seus cidadãos e instituições, acrescentando que Bruxelas foi "muitas vezes percebida como distante e desatenta".
Em mensagem vista como uma possível indireta ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a alguns líderes europeus, Francisco clamou para que a Europa não se feche em si mesma ou volte a erguer "muros" como forma de conter "a grave crise migratória" enfrentada pelo continente – crise tal que, segundo ele, não se trata "somente de um problema numérico, econômico ou de segurança".
"A Europa reencontra esperança quando não se fecha no medo de falsas seguranças", destacou o pontífice, condenando aqueles "que hoje discutem apenas sobre como excluir os 'perigos' do nosso tempo", enquanto há "longas filas de mulheres, homens e crianças, em fuga da guerra e da pobreza, que pedem somente a possibilidade de um futuro para si e para seus entes queridos".
Francisco também frisou que uma mentalidade hostil em relação aos refugiados demonstra que muitos europeus parecem sofrer de uma preocupante "perda de memória", lembrando que a Europa vivenciou sua própria crise migratória durante e depois da Segunda Guerra Mundial.
"Quanto esforço para abater aquele muro! Hoje, no entanto, esse esforço foi esquecido. Esqueceu-se até do drama das famílias separadas, da pobreza e da miséria que aquela divisão provocou", afirmou.
Neste sábado, os líderes europeus celebram em Roma a fundação do bloco. Em 25 de março de 1957, seis nações assinaram os chamados Tratados de Roma, criando a Comunidade Econômica Europeia (CEE), que precedeu a atual UE. O bloco econômico é hoje o maior do mundo e engloba 27 nações, além do Reino Unido, que deve iniciar o processo oficial de saída do grupo na próxima semana.
EK/afp/ap/dpa/efe/lusa/rtr/ots
Como começou a crise de refugiados na Europa
Da escalada da violência no Médio Oriente e na África a crises sociais e políticas na Europa, veja como a União Europeia busca solucionar seus problemas.
Foto: picture-alliance/dpa
Fugindo da guerra e da pobreza
No fim de 2014, com a guerra na Síria entrando no quarto ano e o chamado "Estado Islâmico" avançando no norte do país, o êxodo de cidadãos sírios se intensificou. Ao mesmo tempo pessoas fugiam da violência e da pobreza em outros países, como Iraque, Afeganistão, Eritreia, Somália, Níger e Kosovo.
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Em busca de refúgio nas fronteiras
A partir de 2011, um grande número de sírios passou a se reunir em campos de refugiados nas fronteiras com a Turquia, o Líbano e a Jordânia. Em 2015, os campos estavam superlotados. A falta de oportunidade de trabalho e escolas levou cada vez mais pessoas a buscarem asilo em países distantes.
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Uma longa jornada a pé
Estima-se que 1,5 milhão de pessoas se deslocaram da Grécia para a Europa Ocidental em 2015 através da chamada "rota dos Bálcãs" . O Acordo de Schengen, que permite viajar sem passaporte em grande parte da União Europeia (UE), foi posto em xeque à medida que os refugiados rumavam para as nações europeias mais ricas.
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Desespero no mar
Dezenas de milhares de refugiados também se arriscaram na perigosa jornada pelo Mar Mediterrâneo em barcos superlotados. Em abril de 2015, 800 pessoas de várias nacionalidades se afogaram quando um barco que saiu da Líbia naufragou na costa italiana. Seguiram-se outras tragédias. Até o fim daquele ano, cerca de 4 mil refugiados teriam morrido ao tentar a travessia do norte da África para a Europa.
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Pressão nas fronteiras
Países ao longo da fronteira externa da União Europeia enfrentaram grandes problemas para lidar com o enorme número de pessoas que chegavam. Foram erguidas cercas nas fronteiras da Hungria, da Eslovênia, da Macedônia e da Áustria. As leis de asilo político foram reforçadas, e vários países da área de Schengen introduziram controles temporários nas fronteiras.
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Fechando as portas abertas
A catastrófica situação dos refugiados nos países vizinhos levou a chanceler federal alemã, Angela Merkel, a abrir as fronteiras. Os críticos da "política de portas abertas" de Merkel a acusaram de agravar a situação e encorajar ainda mais pessoas a embarcarem na perigosa viagem à Europa. Em setembro de 2016, também a Alemanha introduziu controles temporários na sua fronteira com a Áustria.
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Acordo com a Turquia
No início de 2016, UE e Turquia assinaram um acordo prevendo que refugiados que chegam à Grécia podem ser enviados de volta para a Turquia. O acordo foi criticado por grupos de direitos humanos. Após o Parlamento Europeu votar pela suspensão temporária das negociações sobre a adesão da Turquia à UE, em novembro de 2016 a Turquia ameaçou abrir as fronteiras para os refugiados em direção à Europa.
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Que perspectivas?
Com o acirramento do clima anti-imigração na Europa, os governos ainda buscam soluções para lidar com a crise de refugiados. As tentativas de introduzir cotas para distribuí-los entre os países da UE em grande parte falharam. Por outro lado, não há indícios de que os conflitos nas regiões de onde eles vêm estejam chegando ao fim, e o número de mortos na travessia pelo mar continua aumentando.