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Mutilação feminina

25 de novembro de 2010

A Comissão Europeia e várias ONGs estão conclamando os países-membros da UE a apoiar vítimas de mutilação genital que vivem no bloco e proteger adolescentes do risco desta prática que viola inúmeros direitos humanos.

Campanha pelo fim da mutilação genital feminina

Praticada na África, bem como em alguns países do Oriente Médio e em comunidades da Ásia e América Latina, a mutilação genital feminina (MGF) é um termo internacionalmente reconhecido para designar o costume de cortar a genitália das mulheres.

Adolescentes são submetidas a esse procedimento por diversas razões, explica Christine Loudes, diretora de uma campanha contra a prática coordenada pela Anistia Internacional.

"A MGF não é cometida por motivos terapêuticos, mas feita em nome da tradição, da estética e, às vezes, da religião", diz ela. O procedimento envolve uma remoção parcial ou completa da genitália externa da mulher e é geralmente executado sob condições precárias de higiene e sem anestesia, em crianças e adolescentes de até 15 anos de idade. A MGF representa uma violação severa dos direitos humanos.

"A prática constitui tortura e degrada a vítima. Trata-se de uma violação dos direitos da mulher à integridade física e também dos direitos da criança, para citar apenas alguns", acrescenta Loudes.

Costume ultrapassa fronteiras

A África é a região do mundo onde a MGF é mais praticada, com cerca de 30 países onde as crianças e adolescentes são submetidas ao procedimento. Em outros continentes, o problema também acontece. De acordo com o Parlamento Europeu, aproximadamente 500 mil meninas e mulheres já tiveram seus genitais mutilados na Europa ou estão correndo perigo de que isso aconteça.

Esse número inclui 75 mil meninas e mulheres no Reino Unido, 65 mil na França e 30 mil na Alemanha. Como explica Loudes, é difícil provar que a MGF vem sendo praticada em solo europeu, mas a Anistia Internacional não exclui essa possibilidade.

"Não posso dizer que existam evidências fortes. Há, no entanto, indícios de que isso vem sendo feito na Europa e que, na realidade, a prática é usada em dimensões que ultrapassam as fronteiras. Mas sabemos que acontece quando as meninas viajam com seus pais para seus países de origem, que é quando o risco é maior", diz Loudes.

Uma das vítimas da MGF na Europa é Aissatou Diallo, natural da Guiné, que teve seus genitais mutilados em seu país de origem aos 14 anos de idade. Temendo que suas próprias filhas pudessem estar expostas ao mesmo destino, ela migrou com sua família para a Bélgica no ano de 2007, como refugiada. Diallo diz que hoje tem uma sensação de segurança.

"Desde que cheguei à Bélgica, percebo que tenho mais paz de espírito, pois minhas filhas vão para a escola e estão seguras aqui. Não chego em casa perguntando onde elas estão, não pergunto se alguém as cortou, o que acontece frequentemente em meu país. Aqui redescobri a capacidade de desfrutar da vida e aprendi a me recompor psicologicamente", diz ela.

Diallo pode ter conseguido refazer sua vida na Bélgica, mas Christine Loudes afirma que se recuperar de um processo como esse é algo que demanda um longo tempo das vítimas que chegam à Europa.

"Essas mulheres precisam de assistência médica. Especialmente aquelas cuja vagina foi costurada precisam de assistência. Elas precisam ter seus órgãos genitais reconstituídos e necessitam de apoio psicológico, pois essa é uma prática que deixa uma série de sequelas psicológicas e traumas físicos", completa Loudes.

Apoio às vítimas e a profissionais da área de saúde

Procedimento é extremamente violentoFoto: picture-alliance / dpa/dpaweb

Coordenada pela Anistia Internacional, em cooperação com diversas ONGs de 11 países europeus, foi iniciada uma campanha em prol da assistência médica prioritária às vítimas da MGF que vivem na Europa. Na Alemanha, por exemplo, há ainda muito a ser feito para que essa meta seja alcançada.

"O tratamento e as operações necessárias não recebem cobertura do seguro de saúde", explica Shewa Sium, diretora da organização Agisra, de apoio a refugiados, sediada em Colônia. "As mulheres têm que pagar as cirurgias do próprio bolso. No momento, estamos recolhendo assinaturas para que o tratamento médico das vítimas da MGF passe a ser coberto pelas seguradoras", conta ela.

Mas não só as vítimas da prática precisam de apoio. Organizações como a Anistia Internacional e a Agisra exigem dos países da UE que passem a fornecer aos funcionários de seus governos os recursos e o treinamento necessários para abordar essa questão praticamente ignorada até agora.

"Ouvimos muita coisa dos profissionais do setor da saúde, de professores e assistentes sociais, que são confrontados com a prática e não sabem lidar com a situação", diz Christine Loudes. "O momento mais difícil é o do parto, que implica uma série de riscos para a mãe e para o bebê."

O fato de os profissionais da saúde não estarem acostumados a lidar com mulheres que passaram por uma MGF faz com que as cesáreas de emergência sejam mais frequentes. Isso aumenta os custos para o sistema de saúde e também os riscos para as mulheres.

Em função de tantos efeitos físicos e psíquicos de longo prazo para as vítimas, a Anistia Internacional também enfatiza a necessidade de proteção de meninas e mulheres em situação de risco, que geralmente chegam ao continente europeu como refugiadas. Na UE, contudo, falta uma legislação unificada quando o assunto é MGF.

"É problemático que cada país-membro do bloco tenha uma conduta muito diferente em relação ao assunto," explica Loudes. "Em alguns casos, a prática é reconhecida como perseguição; em outros, as mulheres podem receber outro status e, com isso, menor proteção e apenas temporariamente.

Em alguns países, o nível de alerta em relação ao tema é mínimo, especialmente naqueles que ingressaram recentemente na UE. Estamos tentando mudar isso através da formação de funcionários que tratam dos requerimentos de asilo político".

Países da UE precisam agir, diz Comissão

Campanha na Somália contra a práticaFoto: picture-alliance / dpa/dpaweb

A União Europeia (UE) também tem tomado medidas no sentido de implementar um combate unificado e eficaz contra a MGF. Viviane Reding, comissária de Justiça do bloco, incluiu o tema entre as estratégicas dos próximos cinco anos em prol da igualdade entre homens e mulheres. A Comissão Europeia deverá incluir as premissas em um documento a ser divulgado em fevereiro de 2011.

"A Comissão deverá apresentar um papel sobre a nova estratégia contra a violência em geral e em prol das vítimas. A MGF é uma das prioridades da Comissão", afirmou Mathew Newman, porta-voz de Reding. "Trata-se de uma prática horrível e as pessoas têm que saber disso. Elas também têm que saber que a UE está trabalhando para despertar mais atenção sobre o assunto e fazendo de tudo para cessar essa prática", completa Newman.

Ao lado dos esforços oficiais, vítimas como Aissatou Diallo esperam que as sociedades e seus cidadãos tratem de forma sensível o assunto, evitando estigmatizar as vítimas. "Quando falamos de coisas terríveis, que os outros não entendem, simplesmente precisamos falar. É como se você pegasse uma criança na Europa e cortasse a orelha, um braço ou o olho dela. A criança foi mutilada, simplesmente isso", explica Diallo.

"É verdade que não somos vistas como mulheres completas, mas como quase deficientes. Somos pessoas como quaisquer outras, e, como africanas, estamos lutando pela mudança. Nossa esperança é que sejamos as últimas mulheres no mundo a terem sofrido tal prática", conclui.

Autora: Laura Schweiger (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer

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