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"UE ganhou com o Brexit", diz ministro alemão do Exterior

Rosalia Romaniec
26 de dezembro de 2020

Às vésperas da saída da Alemanha da presidência do Conselho da UE, Heiko Maas faz um balanço das conquistas de Berlim na liderança do bloco europeu e do aprendizado derivado da saída do Reino Unido.

Heiko Maas, ministro das Relações Exteriores da Alemanha.
Para Maas, aprovação da UE cresceu com o debate do BrexitFoto: John Thys/dpa/AFP Pool/AP/picture alliance

Com a virada do ano, a Alemanha deixa a presidência do Conselho da União Europeia. Entre as pautas de 2020, estiveram temas como a preservação dos direitos humanos e a própria composição do bloco, incluindo a saída do Reino Unido e negociações de expansão com Macedônia do Norte e Albânia.

A pandemia de coronavírus, porém, trouxe não só grandes alterações no cronograma mas também uma série de novos desafios. 

Em entrevista realizada por escrito à DW, o ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, afirma que a saída do Reino Unido da UE serviu para gerar um crescimento da aprovação do bloco entre a população, especialmente na Alemanha. "Acho que muitas pessoas, em algum momento, tinham como certas as vantagens de se pertencer à UE, pois já não se lembravam mais de como era antes", diz Maas. "O Brexit colocou essas vantagens mais uma vez diante de nossos olhos", ressalta

DW: Uma conquista durante a gestão alemã na presidência do Conselho da União Europeia foi, sem dúvida, o fato de, apesar de todas as diferenças, terem sido definidos um novo orçamento e a concessão de bilhões em ajuda financeira para a crise do coronavírus. Mas, quando se trata da vacinação contra a covid-19, muitos europeus se perguntam por que ela está demorando tanto e por que eles têm a sensação de que são os últimos da fila. Afinal, cada dia perdido representa vidas humanas. O senhor prefere correr esse risco?

Heiko Maas: Duas coisas são importantes: agilidade e cautela. Para vencer a pandemia, temos que disponibilizar a vacina em todo o país em 2021. E haverá diferentes imunizantes, com diferentes propriedades, também em termos de transporte e armazenamento. Os estados federais criaram postos regionais, onde a vacina será entregue. E no dia 27 de dezembro podemos começar com as vacinações, inicialmente em asilos e casas de repouso, entre pessoas com 80 anos ou mais, e entre determinados profissionais de saúde.

Como ministro do Exterior, há outro ponto que considero importante: estamos empenhados em garantir que a vacina contra o coronavírus seja um bem público em todo o mundo. Uma vacina segura e acessível deve estar disponível para todos. Este objetivo foi prescrito, entre outros, pela aliança internacional de vacinas Covax [criada pela OMS]. A Alemanha aderiu à iniciativa e tem contribuído com fundos substanciais.

O novo orçamento da UE e os fundos de ajuda só foram possíveis porque o bloco cedeu no quesito "Estado de direito". O senhor não lamenta que o mecanismo negociado de Estado de direito, que minará a separação de poderes na Polônia e na Hungria, demore meses, senão anos? O que fez a presidência alemã do Conselho para tornar a UE mais apta a intervir em vez de ficar vulnerável a pressões?

Sem o acordo sobre o pacote financeiro do coronavírus, a Europa se encontraria em águas um tanto turbulentas no dia 1º de janeiro. Pessoas e empresas que foram duramente atingidas pela covid-19 precisam desse suporte rapidamente. Era importante lutar por isso.

Além disso, temos o novo instrumento de Estado de direito. Trata-se de uma arma poderosa que não pode ser menosprezada. Apesar da resistência da Polônia e da Hungria, não tocamos neste regulamento legal. A única questão em aberto é como o Tribunal de Justiça Europeu irá julgar o Estado de direito – caso seja convocado para se manifestar sobre esta questão.

O Brexit abala a UE. Durante a presidência do Conselho, o senhor teve a sensação – especialmente durante as negociações sobre o Estado de direito – que mais saídas poderiam ocorrer em breve? Não deveria um pequeno grupo de Estados membros concordar com uma maior integração a fim de garantir a sobrevivência da UE?

Pelo contrário: com o debate do Brexit, cresceu novamente a aprovação geral da UE em quase todos os Estados membros nos últimos anos, especialmente na Alemanha. Acho que muitas pessoas, em algum momento, tinham como certas as vantagens de se pertencer à UE, pois já não se lembravam mais de como era antes. O Brexit colocou então essas vantagens mais uma vez diante de nossos olhos: liberdade de trânsito, livre comércio e a chance de viver, trabalhar ou estudar em qualquer lugar da Europa. Atualmente, não vejo nenhuma maioria em qualquer parte da UE que queira abrir mão disso.

Mas é claro que temos que tirar nossas conclusões do Brexit. Na UE, já existe a possibilidade de que um grupo de Estados membros introduza regulamentos comuns sem a participação de outros países – a chamada 'cooperação reforçada'. Mas o que é mais importante é que, na política nacional, não devemos condenar constantemente Bruxelas quando algo vai na direção errada. E temos que explicar de forma mais honesta e compreensível como são feitas as decisões em Bruxelas – afinal, lá decidem juntos todos os Estados membros.

Cada vez mais países querem aderir à UE. No entanto, permanecem emperradas as negociações de expansão com a Macedônia do Norte e a Albânia, assim como a liberalização de vistos para os kosovares – ambos objetivos da presidência alemã do Conselho da Alemanha. Nos Balcãs Ocidentais, fala-se do "fracasso dos alemães". Como o senhor pretende salvar a credibilidade da UE na região?

Somos os que menos querem barrar esta questão na UE. Em essência, o obstáculo está na relação bilateral entre a Bulgária e a Macedônia do Norte. Durante a nossa presidência do Conselho, tentamos arduamente encontrar uma solução. Infelizmente, sem sucesso.

Nos últimos anos, nossos parceiros nos Balcãs Ocidentais fizeram grandes progressos, sobretudo na Macedônia do Norte. As pessoas de lá veem seu futuro como parte da UE. Elas devem, portanto, ser capazes de confiar em nossas promessas, ou, caso contrário, irão se  afastar. A perspectiva de integrar o bloco é um incentivo importante para a realização de reformas políticas e constitucionais, que também são do nosso interesse. Continuaremos a trabalhar para encontrar uma solução neste sentido, mesmo depois de encerrada a nossa presidência do Conselho.

Havia também esperanças de que a presidência alemã impulsionaria o diálogo entre a Grécia e a Turquia no Mediterrâneo oriental. Até agora, porém, não houve sucesso. A Alemanha falhou como mediadora?

Já existem sanções da UE que foram ampliadas novamente no Conselho Europeu de dezembro. Elas se destinam especificamente a pessoas e empresas envolvidas na exploração ilegal de gás.

Para reduzir essa escalada, cabe agora à Turquia dar passos que promovam credibilidade. Nas últimas semanas e meses, temos visto sinais claros de trégua por parte da Turquia. Mas, infelizmente, sempre havia novas provocações direcionadas. Isso tem que acabar. Nossa disposição em oferecer uma agenda positiva em nossos relacionamentos continua sobre a mesa.

A presidência alemã do Conselho fez dos direitos humanos uma prioridade. Ao mesmo tempo, busca-se um lucrativo acordo de investimentos com a China. Isso não o preocupa?

Nas negociações sobre um acordo de investimentos entre a UE e a China, o principal objetivo é criar condições justas de acesso ao mercado. Queremos que as empresas alemãs e europeias tenham igual acesso ao mercado chinês; isso não deve ser uma via de mão única. E trata-se também da proteção dos direitos dos empregados e de padrões de sustentabilidade. Para nós, esses são pré-requisitos. Além disso, continuamos a abordar bilateralmente e com grande clareza com a China o tema das violações dos direitos humanos.

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