Uli Hoeness, de instância moral a sonegador de impostos
23 de abril de 2013O presidente do Bayern de Munique, Uli Hoeness, se autodenunciou. Dessa forma, admitiu a sonegação de impostos por meio de uma conta na Suíça. A imprensa alemã especula no momento sobre o possível montante sonegado, que deve chegar a vários milhões de euros.
O caso vem provocando um grande debate na opinião pública e virou tema da campanha eleitoral para a chancelaria federal, em Berlim. E existem vários motivos para isso.
Hoeness é ex-jogador da seleção alemã de futebol e, como presidente do Bayern de Munique, não é um dirigente esportivo qualquer. Ele é o rosto do clube mais poderoso e bem-sucedido da Alemanha.
Natural de Ulm, o empresário de 61 anos marcou o futebol alemão como ninguém. Ele transformou o Bayern de Munique num clube mundialmente conhecido e financeiramente robusto – a obra da sua vida, como ele mesmo diz.
E, atualmente, a equipe passa por uma das melhores fases da sua história. O time ganha um jogo após o outro e merecidamente, o que também provoca muita inveja. Outros clubes europeus só podem sonhar com um faturamento de 350 milhões de euros. Nesta terça-feira (23/04), o Bayern enfrenta o Barcelona pela Liga dos Campeões, um duelo de titãs no mundo do futebol.
Boas ações e proximidade de políticos
Além disso, Hoeness é visto como alguém que diz o que pensa e uma pessoa socialmente engajada. Ele doou milhões de euros a instituições sociais e incentivou outras pessoas a fazerem o mesmo.
Hoeness ajudou até mesmo equipes concorrentes a superar gargalos financeiros, como o St. Pauli, o Borussia Dortmund e o Alemannia Aachen, através de jogos beneficentes. Também ajudou profissionais do futebol a enfrentar problemas pessoais, como Gerd Müller, que sofria de alcoolismo, e Sebastian Deisler, que sofria de depressão.
"Para muitos, Hoeness era um exemplo e um interessante interlocutor", disse a presidente da Comissão de Esportes do Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão), Dagmar Freitag. Políticos gostavam de ser vistos ao lado dele, e Hoeness, por sua vez, apreciava que a opinião pública percebesse sua proximidade com a política, lembrou Freitag.
Queda do alto
Por seu engajamento, Hoeness angariou grande reconhecimento popular. Além de importantes condecorações esportivas, em 2010 ele recebeu o "Prêmio de Coragem Civil" da fundação Bündnis für Kinder (Liga para a Criança). Em agosto de 2012, foi-lhe outorgada a medalha do estado da Baviera por seus méritos sociais. A presença pública de Hoeness cresceu, ele era um assíduo convidado em palestras e talk shows. Sublinhando muitas vezes sua honestidade como homem de negócios, contribuiu assim para montar uma imagem de pessoa honrada. "Eu sei que pode parecer bobagem, mas pago todos os impostos", afirmou em 2005 ao jornal Bild.
Há dois anos, ele declarou na revista de economia Brandeins: "Naturalmente, eu quero ter sucesso, mas não a qualquer preço. Quando se trata de dinheiro, às vezes é preciso estar satisfeito." Além disso, Hoeness exigiu vigorosamente do presidente da Fifa, Sepp Blatter, que combatesse a corrupção na organização.
O caso Hoeness aquece a campanha política
Justamente pelo fato de Hoeness ser tão popular entre os políticos é que, agora, devido ao caso de sonegação de impostos, tantos se afastam dele. No entanto, o escândalo em torno dele forneceu sobretudo à oposição munição para a campanha eleitoral que se aproxima, aquecendo assim o debate em torno do tratamento a ser dado a sonegadores fiscais.
Pois o presidente do Bayern de Munique também admitiu em sua declaração de culpa, publicada pela revista Focus, que inicialmente pretendia resolver a questão através do acordo fiscal entre a Alemanha e a Suíça, proposto pelos partidos da coalizão conservadora-liberal em Berlim.
O acordo permitiria aos sonegadores alemães acertarem suas contas com o fisco sem temer um processo judicial e mantendo o anonimato, mas foi barrado no Bundesrat, câmara alta do Parlamento alemão, pelos partidos da oposição – Partido Social Democrático (SPD) e Partido Verde – no final do ano passado. Sem acordo, Hoeness disse que optou pela autodenúncia.
Agora, numerosos representantes da oposição acusam o governo de coalizão dos partidos conservadores União Democrata Cristã/União Social Cristã (CDU/CSU) e Partido Liberal Democrata (FDP) de querer proteger sonegadores fiscais com o acordo.
Os partidos do governo, por sua vez, veem a crítica como uma manobra eleitoral. A presidente da bancada da CSU no Bundestag, Gerda Hasselfeldt, declarou à emissora pública ARD que a sonegação de impostos não é um delito de pouca importância. Mas "se os social-democratas não têm ideia melhor nessa disputa eleitoral do que utilizar uma questão de cunho pessoal para atacar a CSU, então isso é um atestado de pobreza", completou a política.
O governo defende o fracassado acordo fiscal com a Suíça com a explicação de que, assim, um número bem maior de sonegadores poderia ser identificado em comparação com a perseguição individual. A oposição contesta essa argumentação.
Para a deputada social-democrata Freitag, sonegadores não devem escapar da perseguição judicial. Se o acordo fiscal tivesse sido aprovado, Hoeness poderia ter mantido sua reputação como instância moral, porque seu procedimento teria permanecido secreto. "Mas alguém que ludibriou claramente o seu país não pode mais ser visto como um modelo", disse.
O caso causou também um dano de imagem à chefe alemã de governo, Angela Merkel, da CDU. Merkel gostava de se exibir ao lado de Hoeness. Eles se encontraram pela última vez no ano passado, quando a chanceler federal assumiu o patronato de uma campanha em prol da integração de estrangeiros, realizada durante uma rodada da Bundesliga. Hoeness e o Bayern de Munique haviam apoiado o evento. Agora, Merkel declarou estar decepcionada com Hoeness.
Também a CSU fica com a imagem arranhada, e tem agora de resolver como lidar com um dos seus apoiadores mais conhecidos. O dirigente futebolístico sempre reiterou claramente sua simpatia pelos social-cristãos.