Para um correspondente de um jornal alemão do século 21, é uma sensação estranha estar em Blumenau, conta Thomas Fischermann. É como se fosse uma viagem a um museu no passado da própria nação.
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Ainda não terminei com Blumenau. Na semana passada relatei como alguns leitores me aconselham a me mudar do Rio. Em vez de ficar aqui, devo migrar para Santa Catarina. Em Santa Catarina há imigrantes da Alemanha desde o século 19. Alguns ainda usam calças de couro – as Lederhosen – moram nas casas típicas, formam Volkstanzgruppen e sob qualquer pretexto bebem litros de cerveja. Se estou entendendo bem meus leitores, lá eu me adequaria melhor.
Assim, há alguns dias, fui parar na recepção da prefeitura de Blumenau. Segurava uma multa nas mãos. Logo após a minha chegada à cidade tinha marcado um encontro com o chefe da Fundação Cultural, nós comemos batatas e chucrute, e lá fora, no estacionamento, a Polizei trabalhava com a minúcia costumeira dos alemães. Em Blumenau existem muitos estacionamentos, mas, como no resto do Brasil, não se pode simplesmente chegar e ir estacionando. Tem que ser do modo correto, que é comprar um bloco com talões de estacionamento, preencher com caneta e, "para sua segurança, comodidade e economia", colocar embaixo do para-brisa. Senão vem a Polizei.
Foi um dia difícil para mim. Depois deste compromisso eu tinha outro, dessa vez com o intendente de um distrito. Era uma pessoa muito amável, que me cumprimentou calorosamente. Em vez de batata ele pronunciava bataaata e chamava uma cerveja de zerveeeescha. Tudo ia soando bem tranquilo, só que, na minha chegada, ele estava à beira de uma crise nervosa. Eu cheguei com o atraso típico dos cariocas, de, digamos assim, uns 30 minutos. Ele já estava de pé e olhava estressado para seu relógio.
"Será que dava para irmos até a sua intendência para resolvermos rapidinho o problema da multas?", perguntei. "Não", veio a resposta, rápida. Hoje não. Não é o dia correto para contestar multas. Para multas tem um outro dia. Ordnung muss sein.
Tudo bem, o intendente já tinha trabalho suficiente sem a multa. Na periferia onde é responsável, ele tinha acabado de mandar pintar os postes de iluminação: em preto-vermelho-dourado, as cores nacionais da República Federal da Alemanha. Isso causou uma certa irritação. Alguns vizinhos se queixaram: "Aqui é o Brasil, aqui não pode pintar as cores da Alemanha em todo lugar!"
Visite a Alemanha sem sair da América
Para passear por cidades "tipicamente alemãs" não é preciso viajar até a Europa. No continente americano, há vários lugares que lembram a Alemanha, mantendo a arquitetura e as tradições levadas pelos imigrantes.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Ismar
Blumenau, Santa Catarina
Com a ajuda de outros imigrantes alemães, o farmacêutico Hermann Bruno Otto Blumenau fundou em Santa Catarina a cidade que leva seu nome. A maioria das casas da cidade são em estilo enxaimel. A cidade é famosa por sua Oktoberfest, realizada no Parque Vila Germânica.
Foto: picture-alliance/robertharding/M. Runkel
Pomerode, Santa Catarina
Fundada por imigrantes da Pomerânia (norte da Alemanha), a cidade de Pomerode preserva a arquitetura e muitas tradições da cultura alemã. O mesmo acontece também em outros estados brasileiros, como no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo.
Foto: Imago/imagebroker
La Cumbrecita, Argentina
O alemão Helmut Cabjolsky emigrou para a Argentina em 1932. Nas terras que comprou na província de Córdoba, mais tarde se originaria um povoado semelhante a antigos lugarejos alemães. As primeiras casas começaram a ser construídas em 1940. Hoje só entram pedestres em La Cumbrecita, que é área de proteção ambiental e se dedica principalmente ao ecoturismo.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Haid
Vila General Belgrano, Argentina
Em 1929, o alemão Paul Friedrich Heintze comprou e loteou terrenos na província de Córdoba, onde na década seguinte o povoado cresceria e ganharia o nome Vila General Belgrano. Na pequena cidade de arquitetura bávara estabeleceu-se a maior colônia alemã da Argentina. Atualmente é um ímã turístico, especialmente por sua festa da cerveja.
Foto: picture-alliance/robertharding/M. Runkel
Frutillar, Chile
Situado às margens do lago Llanquihue, no sul do Chile, Frutillar foi fundada por imigrantes alemães em novembro de 1856 e conserva características germânicas até hoje. O Museu Colonial Alemão oferece uma visão sobre a imigração alemã na região e nesta pequena cidade cidade balneária, que também é sede das Semanas Musicais de Frutillar.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Bernhart
Puyuhuapi, Chile
A pitoresca Puyuhuapi, na região da Patagônia Chilena, foi fundada em 1935 por colonos alemães originários de Rossbach, um lugarejo sudeto que fica hoje na República Tcheca. Após a Segunda Guerra Mundial, os imigrantes deixaram sua terra natal e fixaram residência nesta pequena cidade, onde há inclusive uma instituição de ensino chamada Hamburger Schule (Escola de Hamburgo).
Foto: picture-alliance/G. Renner
Pozuzo, Peru
Tiroleses, renanos e alguns bávaros fundaram em 1859 a Colônia de Pozuzo, no Peru, em área concedida pelo governo peruano. O grupo era liderado pelo sacerdote católico Joseph Egg, oriundo do Tirol. A atenção dos turistas é atraída pela placa que identifica o lugar como "a única colônia austro-alemã do mundo".
Foto: Imago/Zumapress
Colônia Tovar, Venezuela
Colônia Tovar também é conhecida como "a Alemanha do Caribe". Foi fundada em 1843 por imigrantes de Baden e da Holanda. Eles foram atraídos por uma iniciativa do governo da Venezuela que, por sugestão de Alexander von Humboldt, fez contato com habitantes da região alemã de Kaiserstuhl, que tem semelhanças com a área onde a colônia foi instalada.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Ismar
Fredricksburg, Texas
Fredricksburg, no estado americano do Texas, foi fundada em 1846 por Otfried Hans von Meusebach, que escolheu o nome para homenagear Frederico da Prússia. A cidade foi colonizada sobretudo por alemães liberais da região de Westerwald, que fugiram da repressão na Alemanha nas épocas imediatamente anterior e posterior à Revolução de 1848. Também Fredricksburg tem um famoso festival da cerveja.
Foto: Mary Ann McClain
Leavenworth, Washington
Nem todas as "cidades alemãs" no continente americano foram colonizadas por alemães ou europeus. Ao menos uma se autoinventou: Leavenworth, no estado americano de Washington. Após uma grave crise econômica, os moradores decidiram "remodelar" o lugarejo, dando-lhe um aspecto alpino. Desta forma, tornou-se um polo turístico, o que garantiu sua sobrevivência.
Foto: picture alliance/dpa/J.P.De Mann/R.Hardi
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Dá para entender, mas deixou furioso o intendente, que descende de imigrantes alemães. Sua cidadezinha tinha sido construída pelos imigrantes alemães, contou, "Omas und Opas", e por isso estava cansado das reclamações. Aqui teria uma cultura alemã. Especialmente uma cultura alemã que agrade aos turistas brasileiros.
O intendente ficou observando seu relógio durante a visita inteira. Dava para ver como seu cérebro calculava. "O jornalista alemão chegou atrasado 30 minutos, então das duas horas disponíveis anteriormente só restam uma hora e meia, logo, o tempo de cada visita turística deve ser diminuído em 25 por cento" – assim, no final, vai dar certo a conta da pontualidade. "Vire aqui, estacione em frente à cervejaria, temos que descer do carro rápido!", me apressava. "E agora, em frente, vamos direto para o restaurante de patos!"
Estava gostando muito do tour. Fiquei com a impressão de que imigrantes alemães se dedicaram com um zelo total à construção de cervejarias, fábricas de chocolate, destilação de bebidas e na manufatura de roupas de baixo eróticas femininas. Sei pelos livros de história que os colonizadores de Portugal e da Espanha tinham mais interesse em extrativismo e agricultura. Se eu fosse um colonizador alemão do século 19, teria feito tudo da mesma forma que os "Omas e Opas" do intendente.
Só que, para um correspondente de um jornal alemão do século 21, é uma sensação estranha estar em Blumenau. É como se fosse uma viagem a um museu no passado da própria nação. Não é mais bem assim na Alemanha atual, lá não tem muitas pessoas ouvindo músicas típicas de fanfarras o dia inteiro. Também creio que, na minha terra, as pessoas preferem muito mais pizza e sushi a joelhos de porco gigantescos, e preferem usar jeans em vez de andar pelas ruas com trajes típicos, como Lederhosen e Trachten.
Certo, isso não vale para algumas cidadezinhas no interior da Baviera. Em nome da transparência jornalística também gostaria de mencionar que, quando eu era uma criança de 3 anos, usei uma linda Lederhose com estampa de flor Edelweiss. Mas meus pais aboliram a Lederhose rapidamente porque uma criança de 3 anos às vezes precisa ir ao banheiro com muita urgência. Acho que se pode afirmar que, no século 21, as Lederhosen foram ultrapassadas por outras calças com fechos mais práticos.
Em Blumenau eles ainda levam tudo isso muito a sério. Um antigo colunista de um jornal local me contou que tinha perdido seu emprego há poucos meses. Havia satirizado o desfile da Oktoberfest. Escreveu a respeito dos trajes catarinenses, dizendo que se pareciam com fantasias de palhaço. Não tenho a menor ideia se o homem realmente foi mandado embora por causa desta opinião, mas foi o que ele me contou.
Me despedi do intendente, tentando mais uma vez voltar ao assunto da multa. "Você precisa ir até a prefeitura no centro", disse o homem e acrescentou: "Isso vai custar 15 reais".
Não estacionei em frente à prefeitura. Encontrei um campo empoeirado na periferia da cidade, deixei o carro lá e andei a pé o último quilômetro. "É 15 reais", disse uma loura atraente na Diretoria de Trânsito, e foi logo disfarçando a entrada desastrosa do visitante alemão.
Agora possuo um bloco de talões de estacionamento. Posso estacionar em vários locais de Blumenau e pesquisar para as próximas colunas. À noite fui comer uma Bratwurst, antes preenchi orgulhosamente minha autorização para estacionar, arranquei-a cuidadosamente e pendurei-a no para-brisa. Foi minha imaginação ou não? Alguns transeuntes acenaram para mim em sinal de aprovação.
Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.
Encontro Alemão de Trajes Típicos
Tradicional evento é realizado pela 101ª vez de 24 a 26 de abril, desta vez em Homburg, no estado alemão do Sarre.
Foto: picture-alliance/dpa
Artigo de exportação
A "Lederhose" (calça de couro) com os típicos botões de chifre de veado já virou artigo de exportação da Baviera. Seja para a Oktoberfest ou para o Carnaval, lojas de departamentos em toda a Alemanha abrem nesses períodos seções inteiras de trajes bávaros. E a demanda aumenta. Em festas, até homens do norte da Alemanha "ousam" usar a calça típica do sul do país.
Foto: Fotolia/Stihl024
Pompa na cabeça
"Schäppel" é o nome deste enfeite de cabeça de 3,5 quilos usado por garotas solteiras em dias de festa. Este, tradicional da cidade de St. Georgen, na Floresta Negra, recebeu no ano passado o título de traje típico do ano. O ornamento é feito com bolas de Natal, espelhos redondos e colares de contas. Acredita-se que os espelhos ajudem as garotas a espantar o "mau olhado".
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kahnert
Bollenhut, o "chapéu de bolas"
As bolas vermelhas identificam as mulheres solteiras. Depois de casadas, as bolas no chapéu passam a ser pretas. Há muito tempo esta tradição, praticada desde 1750 nas localidades vizinhas de Gutach, Kirnbach e Reichenbach, é marca registrada da Floresta Negra.
Foto: picture-alliance/dpa
Tradição artesanal
Esta touca tradicionalmente era usada pelas noivas na região da Baixa Saxônia. Neste estado do norte da Alemanha, há cerca de 50 trajes típicos, em sua maioria ricos em detalhes.
Foto: picture-alliance/dpa
De pai para filho
Em muitas partes da Alemanha, os trajes típicos da cidade ou da região apenas são tirados do armário para desfiles importantes. Geralmente as roupas são passadas de pai para filho. Na foto, um desfile de "Gebirgsjäger", o caçador de montanha, em Schliersee, na Alta Baviera.
Foto: picture alliance/Markus C. Hurek
Tradição chega às passarelas
Hoje, elementos dos trajes típicos já são usados para as criações de designers de moda. Neste desfile, no Salão Dourado do castelo Bückeburg, as modelos apresentam criações dos estudantes de moda da Escola Superior Técnica de Hannover. Durante dois semestres, eles se ocuparam com os trajes típicos da região de Schaumburg-Lippe, na Baixa Saxônia.
Foto: picture-alliance/dpa
Começando cedo
Também as crianças se divertem ao usar trajes típicos em dias de festa. Não se trata de forma nenhuma de fantasias de carnaval, mas de uma tradição fortemente arraigada e que faz parte da cultura alemã. Na foto, as meninas sórbias se preparam para uma apresentação no Festival Internacional de Folclore de Lausitz, perto de Berlim.
Foto: picture-alliance/dpa
Habilidades manuais
Em alguns lugarejos, todos os moradores participam do tradicional desfile anual, quando até mesmo as casas e ruas são decoradas. E tudo têm de estar perfeito. Na foto, mulheres em trajes típicos da região de Spreewald, perto da fronteira com a Polônia. As blusas de renda branca, assim como as toucas bordadas, são feitas à mão.
Foto: picture-alliance/dpa
Tradição na região do rio Neckar
Em Baden-Württemberg, no sudoeste da Alemanha, há várias festas típicas ao longo do ano. Na foto, um desfile pelas ruas históricas de Rottenburg.
Foto: picture-alliance/dpa
Procissão de cavaleiros
Trajes típicos com chapéus de caçador são usados também pelos espectadores dos desfiles. A procissão de cavaleiros em Bad Kötzing já acontece há 600 anos e faz parte dos ritos de Pentecostes. Em cavalos ricamente decorados, eles percorrem sete quilômetros até a igreja de São Nicolau. As mulheres não podem participar da procissão.
Foto: picture-alliance/dpa
Schuhplattler, o sapateado alemão
Calças de couro e chapéu de caçador viraram acessório da moda. Dançarinos gays do Schuhplattler, o típico sapateado alemão, se apresentam no Christopher Street Day em Munique. Há mais de 20 anos eles são participantes ativos das festas típicas bávaras.