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Um alemão atrasado em Blumenau

Thomas Fischermann
6 de setembro de 2017

Para um correspondente de um jornal alemão do século 21, é uma sensação estranha estar em Blumenau, conta Thomas Fischermann. É como se fosse uma viagem a um museu no passado da própria nação.

Jornalista alemão Thomas Fischermann no Rio de Janeiro
O jornalista alemão Thomas Fischermann vive no Rio de JaneiroFoto: Dario de Dominicis

Ainda não terminei com Blumenau. Na semana passada relatei como alguns leitores me aconselham a me mudar do Rio. Em vez de ficar aqui, devo migrar para Santa Catarina. Em Santa Catarina há imigrantes da Alemanha desde o século 19. Alguns ainda usam calças de couro – as Lederhosen – moram nas casas típicas, formam Volkstanzgruppen e sob qualquer pretexto bebem litros de cerveja. Se estou entendendo bem meus leitores, lá eu me adequaria melhor.

Assim, há alguns dias, fui parar na recepção da prefeitura de Blumenau. Segurava uma multa nas mãos. Logo após a minha chegada à cidade tinha marcado um encontro com o chefe da Fundação Cultural, nós comemos batatas e chucrute, e lá fora, no estacionamento, a Polizei trabalhava com a minúcia costumeira dos alemães. Em Blumenau existem muitos estacionamentos, mas, como no resto do Brasil, não se pode simplesmente chegar e ir estacionando. Tem que ser do modo correto, que é comprar um bloco com talões de estacionamento, preencher com caneta e, "para sua segurança, comodidade e economia", colocar embaixo do para-brisa. Senão vem a Polizei.

Foi um dia difícil para mim. Depois deste compromisso eu tinha outro, dessa vez com o intendente de um distrito. Era uma pessoa muito amável, que me cumprimentou calorosamente. Em vez de batata ele pronunciava bataaata e chamava uma cerveja de zerveeeescha. Tudo ia soando bem tranquilo, só que, na minha chegada, ele estava à beira de uma crise nervosa. Eu cheguei com o atraso típico dos cariocas, de, digamos assim, uns 30 minutos. Ele já estava de pé e olhava estressado para seu relógio.

"Será que dava para irmos até a sua intendência para resolvermos rapidinho o problema da multas?", perguntei. "Não", veio a resposta, rápida. Hoje não. Não é o dia correto para contestar multas. Para multas tem um outro dia. Ordnung muss sein.

Tudo bem, o intendente já tinha trabalho suficiente sem a multa. Na periferia onde é responsável, ele tinha acabado de mandar pintar os postes de iluminação: em preto-vermelho-dourado, as cores nacionais da República Federal da Alemanha. Isso causou uma certa irritação. Alguns vizinhos se queixaram: "Aqui é o Brasil, aqui não pode pintar as cores da Alemanha em todo lugar!"

Dá para entender, mas deixou furioso o intendente, que descende de imigrantes alemães. Sua cidadezinha tinha sido construída pelos imigrantes alemães, contou, "Omas und Opas", e por isso estava cansado das reclamações. Aqui teria uma cultura alemã. Especialmente uma cultura alemã que agrade aos turistas brasileiros.

O intendente ficou observando seu relógio durante a visita inteira. Dava para ver como seu cérebro calculava. "O jornalista alemão chegou atrasado 30 minutos, então das duas horas disponíveis anteriormente só restam uma hora e meia, logo, o tempo de cada visita turística deve ser diminuído em 25 por cento" – assim, no final, vai dar certo a conta da pontualidade. "Vire aqui, estacione em frente à cervejaria, temos que descer do carro rápido!", me apressava. "E agora, em frente, vamos direto para o restaurante de patos!"

Estava gostando muito do tour. Fiquei com a impressão de que imigrantes alemães se dedicaram com um zelo total à construção de cervejarias, fábricas de chocolate, destilação de bebidas e na manufatura de roupas de baixo eróticas femininas. Sei pelos livros de história que os colonizadores de Portugal e da Espanha tinham mais interesse em extrativismo e agricultura. Se eu fosse um colonizador alemão do século 19, teria feito tudo da mesma forma que os "Omas e Opas" do intendente.

Só que, para um correspondente de um jornal alemão do século 21, é uma sensação estranha estar em Blumenau. É como se fosse uma viagem a um museu no passado da própria nação. Não é mais bem assim na Alemanha atual, lá não tem muitas pessoas ouvindo músicas típicas de fanfarras o dia inteiro. Também creio que, na minha terra, as pessoas preferem muito mais pizza e sushi a joelhos de porco gigantescos, e preferem usar jeans em vez de andar pelas ruas com trajes típicos, como Lederhosen e Trachten.

Certo, isso não vale para algumas cidadezinhas no interior da Baviera. Em nome da transparência jornalística também gostaria de mencionar que, quando eu era uma criança de 3 anos, usei uma linda Lederhose com estampa de flor Edelweiss. Mas meus pais aboliram a Lederhose rapidamente porque uma criança de 3 anos às vezes precisa ir ao banheiro com muita urgência. Acho que se pode afirmar que, no século 21, as Lederhosen foram ultrapassadas por outras calças com fechos mais práticos.

Em Blumenau eles ainda levam tudo isso muito a sério. Um antigo colunista de um jornal local me contou que tinha perdido seu emprego há poucos meses. Havia satirizado o desfile da Oktoberfest. Escreveu a respeito dos trajes catarinenses, dizendo que se pareciam com fantasias de palhaço. Não tenho a menor ideia se o homem realmente foi mandado embora por causa desta opinião, mas foi o que ele me contou.

Me despedi do intendente, tentando mais uma vez voltar ao assunto da multa. "Você precisa ir até a prefeitura no centro", disse o homem e acrescentou: "Isso vai custar 15 reais".

Não estacionei em frente à prefeitura. Encontrei um campo empoeirado na periferia da cidade, deixei o carro lá e andei a pé o último quilômetro. "É 15 reais", disse uma loura atraente na Diretoria de Trânsito, e foi logo disfarçando a entrada desastrosa do visitante alemão.

Agora possuo um bloco de talões de estacionamento. Posso estacionar em vários locais de Blumenau e pesquisar para as próximas colunas. À noite fui comer uma Bratwurst, antes preenchi orgulhosamente minha autorização para estacionar, arranquei-a cuidadosamente e pendurei-a no para-brisa. Foi minha imaginação ou não? Alguns transeuntes acenaram para mim em sinal de aprovação.

Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.

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